"Antero de Quental. As derradeiras brumas"
© Lúcia Costa Melo Simas |
Forças do Mundo
[ © Murtosa, Ria de Aveiro. Barco ancorado. 2002. ]
[ © Foto digital . Levi Malho]
Nota prévia:
Tal como se fora uma árvore, a obra de Antero tem as suas folhas, tronco e raízes e são estas que tornam a copada frondosa para que à sua sombra possam meditar, usando o verdadeiro ócio, tanto as pequeninas aves, como os viajantes que na sua viagem filosófica por aqui passam, tantas vezes ocultos e escondidos como essas raízes onde corre a seiva verde da vida. Foi uma parte desse todo, que se prolonga por baixo da terra, que esta investigação bem pobre, apesar de todo empenho nele investido, tenta possibilitar.
Alunos e estudantes terão um suporte, assaz claudicante é verdade, mas sempre um apoio para daqui continuarem as suas caminhadas pessoais.
Esta obra de Antero tem várias vertentes a explorar:
Metafísica, epistemologia e ética
que se interligam na busca de uma síntese que seria o resultado da «identidade do ser e do saber» assim reunido nos finais do século XIX. Anunciar-se-ia uma nova aurora quando a humanidade tomasse em suas mãos da tarefa do filosofar.
No final tudo se encaminharia para a realização do Bem e seria na consciência moral do justo que a obra da humanidade, a filosofia, se realizaria.
Contra todo o pessimismo há uma mensagem de esperança que desejava deixar: Tornar-nos conscios de uma missão – a do filosofar – que nos põe nas mãos.
Dividida a obra em três artigos no tamanho e conteúdo, muito desiguais, passando de uma explanação que buscava ser impessoal, torna-se uma visão do que as ciências traziam de novo para o pensamento humano e, por fim, uma tentativa de explicitar as suas próprias ideias tomando um rumo mais subjectivo, senão original. Assim encontraremos:
Várias formas de procurar uma definição de Filosofia;
A visão da História das ideias e a sua divisão em sínteses e períodos diversos;
A linha do pensamento de Antero e as influências que mais o marcaram neste itinerário de viagem no tempo e no espaço até ao século dezanove;
A compreensão de Antero do contributo que as ciências trariam para os possíveis sistemas filosóficos;
A sua busca do lugar do homem no Universo;
A sua tomada de posição pré existencial face ao absurdo da falta de sentido do Cosmos;
A esperança de conseguir esboçar um evolucionismo que fosse marcado pelos dados das ciências e desenvolvidos pela sua Ética
O esboço desse sistema que ele tanto procurou encontrar;
A sua proposta de salvação pela liberdade, única virtude do justo;
O novo espiritualismo depois de «metafisissizar» a ciência;
A noção de «santo» e da sua missão salvadora pela consciência moral;
A síntese possível que conseguiu das tendências das ideias do seu tempo.
Influências mais presentes:
Kant, (“Crítica da Razão Pura” e o neo kantismo ético ) Hegel ( princípios de Idealismo e liberdade), Proudhon ( ideia de Justiça) , Hartmann (“Filosofia do Inconsciente”, noções de pampsiquismo) Laplace (visão cientifica do Universo) Espinosa e o pampsiquismo, Feurerbach e o afastamento do Cristianismo bem como outros semelhantes, mas menos importantes.
A leitura desta obra remete particularmente para a sua poesia, em especial para “Os Sonetos” alguns deles bem ilustrativos como”O Palácio da Ventura (com feição biográfica) “Evolução” No Turbilhão; “Visão” “ A Fada Negra”; “O Convertido” entre outros que possam ser lembrados pelos condescendentes leitores; bem como um para um texto filosófico seu da mesma época (1885) “A filosofia da natureza dos naturalistas”
REFLEXÕES SOBRE OS ÚLTIMOS ESCRITOS DE ANTERO
Tendências Gerais da Filosofia na segunda metade do século XIX
(…)
É com estas palavras que Antero termina a sua última obra, a mais extensa e importante que escreveu, “Tendências Gerais da Filosofia na segunda metade do século XIX”, em 1889, publicada na Revista de Portugal, a pedido do seu amigo da juventude, Eça de Queirós, cerca de dois anos antes da sua morte, 1891.
Apesar de tomar um tom declamatório e dogmático, não será pela elegante prosa ou pela frase poética que com arte sabe tão bem expressar-se que se pode declarar conseguida a tarefa a que se abalançara tão arrojadamente com a missão de filósofo crítico. Se definiu ou não o espírito de uma civilização é tarefa também para o leitor que em interacção e diálogo com a obra deverá decidir e dar a sua palavra e achegas.
Esta é uma obra aberta, que à primeira vista tem um final mas que na realidade é uma manhã de um dia novo para cada geração o ler.
Cada geração será, em todos os tempos, uma presença de esperança e será dela sempre a última interpretação do texto e que já não pertence ao autor. Ele vislumbrou e pressentiu até bem longe, mas as suas circunstâncias só lhe permitiram ver até onde alcançou. Só nos podemos admirar de ter sido o único que logrou antever e ultrapassar e o que nenhum outro pensador da sua geração conseguiu.
No futuro, outros verão mais longe. Como está escrito no hino espartano:
«Somos o que fostes, seremos o que sois» ….
O estilo luminoso e de grande expressividade verbal de que se reveste toda a sua prosa, salva-o de apresentar uma filosofia fechada e o que nos dá é bem mais a sua própria viagem pelo labirinto das filosofias com toda a sua busca de sentido, de resposta e de encontrar por fim uma forma elaborada de publicar o que ele considerava a «sua filosofia», essa que apenas se pressente em tantos poemas e escritos seus, mas que temperamento e circunstâncias não deram azo a que aparecesse.
Tal como acontecera em outras ocasiões, lançara-se com toda a sua sinceridade e empenho nessa tarefa que depois já sonhava tornar numa grande obra e confessava, em cartas aos amigos, com a sua habitual imaginação fértil, que iria conseguir transformar em obra mais extensa, num livro em que, finalmente, alcançaria expor o seu pensamento, aquilo a que chamava a “sua filosofia”. Tornou-se assim desejo seu, ao escrever estes tês artigos por que é composta a obra, dar corpo a um trabalho que depois pudesse transformar em um «livrinho» e este seria a sua obra filosófica, como ele mesmo insistia que tinha adiado sempre, mas que desejava escrever e que tantos amigos e admiradores por tão longo tempo esperaram da sua pena e da sua lucidez.
Na introdução a esta obra, feita pela pena de Joel Serrão, intitulada: «Em busca do contexto do último escrito filosófico anteriano»[1]·, o comentador traça com profundidade o itinerário das obras e do pensamento do seu autor. Manifesta mesmo pena por ele não ter escrito a sua filosofia. Está tão seguro disso que chega a dizer que embora a não apresentasse escrita «ele tinha-a». Isso seria, para Joel Serrão, «o mais frustrante de tudo»[2].
Antero, ainda na sua adolescência, viera para Coimbra com o intuito de cursar Direito podendo estar acolhido em casa do lente seu tio Filipe de Quental, através dele chegar à sua esplêndida biblioteca, e viver de projectos, de fantasias, de revoluções académicas em vez de se dedicar ao seu curso e ao seu futuro. Sonhava, escrevia, dialogava e construía projectos. Os amigos e companheiros foram-se afastando tal como a sua juventude, eram levados para caminhos mais prosaicos, criavam uma vida mais estabelecida. Antero permanecia sempre com o mesmo espírito revolucionário, juvenil, dialogante e impetuoso que nunca logrou dominar por completo.
Ao principiar este trabalho “Tendências Gerais…”, um dos seus propósitos iniciais, era o de escrever apenas uma série de artigos sobre o assunto, tratado de um modo «impessoal» não traria para ali a síntese da sua filosofia, aquela que sempre dizia ter e os amigos conheciam, pelo menos partes desses trabalhos, alguns deles destruídos mais tarde. Assim sucedeu com o trabalho que, segundo parece, seria bastante extenso já quando o destruiu. Trata-se do “Programa para os Trabalho da Geração Nova”, de 1875 que ele considerou não ter conseguido organizar pelas dificuldades de expor a sua filosofia.
Quando pretendeu publicar este escrito, é provável que o mesmo tivesse tido na altura, pouca repercussão em Portugal, quer pelo limitado número de leitores da Revista, quer pelo estado geral do País.
As dúvidas e as questões, que estavam na posse de Antero e que ele levantava, davam azo a poder publicar obra bem mais ambiciosa do que a que finalmente escreveu. A doença e as crises pessoais e do País tal não possibilitaram.
Conforme o poeta dizia, se chegou a escrever este trabalho, deve ter sido em grande parte para responder às suas próprias dúvidas e questões metafísica e existenciais que durante toda a vida o atormentaram:
«Antes de morrer quer ao menos saber para que veio ao mundo»
[3]
Tal propósito é ainda sublinhado na famosa carta autobiográfica que escreve a Wilhem Storck, tradutor dos seus sonetos para a língua alemã. Era sempre com grande sinceridade e seriedade com que tratava todas as questões, mesmo as que aparentemente eram capazes de uma simples resposta mas, em boa verdade, só a muita ingenuidade de uma consciência crente nas suas potencialidades poderia ver, ou melhor sentir neste caso, que se sairia bem de tão complexa missão a que se lançava e que era a de reunir as ideias mais importantes do seu tempo e daí, depois, extrair as suas próprias reflexões de modo original.
Abarcar as tendências gerais da filosofia nos finais do seu século, mesmo que as não abarcasse todas, e ainda para mais esboçar, como pretendeu, o caminho para onde se dirigia o pensamento europeu e, naturalmente, o que evoluía em Portugal, era tarefa que somente ideara, mas difícil seria imaginar uma mente enciclopédica e sintética capaz de reunir os dados para um trabalho tão monumental como da mais profunda complexidade.
Porém isso teria sido possível pois Antero usara o ócio, esse ócio que os gregos inventaram para o homem livre, durante toda a vida no mais profundo sentido filosófico e, se a doença não o prostrasse e se aplicasse o método conveniente para tal monumental tarefa tê-lo-ia realizado! Não seria em vão que na sua mente fervilhavam as ideias mais tradicionais a par de uma herança do passado que se ligava às mais avançadas teorias e concepções científicas e filosóficas tendo por pano de fundo uma cultura invulgar que assimilara com a sua fulgurante mentalidade.
Talvez a sua sede de saber fosse tão grande que nunca poderia, por isso, parar para escrever e dar aos outros o que cogitava já que estava sempre a aprender e a descobrir novos caminhos!
Inicialmente pelo menos, não intentará dar a conhecer a sua filosofia, ou o que muito bem entendia por esse seu pendor especulativo que tão caro lhe foi toda a vida. O intento era relatar o que mais se alterara no pensamento europeu sem que, curiosamente, se situasse num qualquer espaço e sem mencionar referências a Portugal. O seu empenho é exposto no que diz
«No fim de três meses acho-me tendo produzido um estudo que na Revista dará 3 ou 4 artigos, e que depois ampliado será um livro. Ficou reservada muita coisa que naturalmente não cabe em artigos de Revista. Escuso de dizer que não é a minha filosofia, aquele que V. sabe que eu tenho, com o seu método próprio e teorias particulares. Essa, infelizmente, desisto de a expor porque está acima das minhas forças fazê-lo – e depois ninguém me entenderia.»
[4]-
Esta reserva em expor as suas ideias estaria de acordo com a atitude socrática que adoptou toda a vida, sendo muito mais um homem de diálogo e de correspondência epistolar do que um autor filosófico tão prolífero como foi na poesia.
Foi por causa desta faceta que um projecto para uma sua estátua o apresenta pouco real mas revestido de uma nobreza grega e atitude socrática, segundo o modo de o interpretar do escultor Barata Feyo. Por outro lado, ele mesmo confessa as dificuldades em desenvolver e aprofundar um assunto, ao declarar ao seu outro amigo Alberto Sampaio, as dificuldades que depara ao começar a escrever estes artigos filosóficos:
«Receio ter-me metido numa empresa muito superior às minhas forças e fico aterrado diante da consideração da minha enorme ignorância! Só agora é que vejo quanto tempo perdi. Mas agora isso é irremediável»
[5]
Nesta altura tinha passado algum tempo estudando latim, o que lhe agradava por certo, ao mesmo tempo que se preparava para leccionar esta língua, coisa que preferia a ensinar filosofia numa hipotética abertura de uma Escola Normal Superior. Faltava-lhe, dizia, uma prévia disciplina e rigor de ideias e teorias, coisa que não o entusiasmava muito e até causava uma certa apreensão, preferindo pois ensinar latim, se é que viria a dedicar-se ao ensino.
Por isso, Henrique das Neves, que o foi visitar a Vila do Conde, escreve:
«Em Julho de 1888, achando-me acidentalmente no Porto, fui visitar Antero à sua Tebaida, em cabo de Vila do Conde. Quer que lhe diga o que estava lendo?
-Schopenhauer, dirão por aí, talvez alguns leitores.
Pois não, senhores. Lia Virgílio e Catulo nos originais!»[6]
Para ele, este estudo era um lenitivo que lhe dava alguma serenidade de espírito e o afastava do seu habitual pessimismo e, de tal modo se julga livre por completo dessa tendência, que chega a escrever ao amigo Joaquim Pedro de Oliveira Martins (1845-1894) a dar conselhos sobre o seu estado de espírito e, referindo-se comparativamente do autor de “As Instituições Primitivas”, escreve, como se estivesse sereno e bem tranquilo, de tal modo que só temia pelos outros:
«Vejo-o caminhar para um pessimismo negativo, que não posso aprovar e me contrista. (…) O Ser fez-nos para a beatitude; e o Budismo traz consigo toda a satisfação, toda a consolação, toda a alegria. Não é tão consolador conhecermos que somos loucos? (…) A nós o que nos cumpre é descobrir o como e o porquê deste paradoxo universal das coisas – na certeza de que é um divino paradoxo»[7].
Esta forma de ataraxia e serenidade, tão rara no poeta açoreano, envolve um certo sentido de ética filosófica que, se era o seu modo de pensar e sentir nessa época, em Vila do Conde, se vai reflectir nas “Tendências Gerais…”.
Mas este seu budismo era muito subjectivo, mais romântico do que verdadeiramente colhido de conhecimentos do Oriente, um modo que pensar que o punha à parte da sociedade do seu tempo. Esta era a ética que o norteava e o marcou como atitude moral. O seu amigo Oliveira Martins demonstrou com sagacidade o que de idealizado e pouco aprofundado havia na sua concepção budista, em nada próxima do que o Oriente nos apresenta.
Há alguns problemas com que se depara quem estuda Antero e, especialmente no caso destes artigos, mais se avolumam as dificuldades. Trata-se do modo como se devem interpretar certos conceitos que o poeta filósofo usa, entre eles o subjectivismo, o Absoluto, a Realidade, a essência do Universo, o curso da Natureza e do Espírito, entre outros. Não nos podemos ater a uma clarificação do que significa em Antero estes termos, enquanto para estes mesmos conceitos cada filósofo tem um rigor e um sentido fundamental para o entendermos. Não será de esquecer, ao nos referirmos, por exemplo a Kant, como este filósofo criou um autêntico novo vocabulário filosófico, depois alterado por Hegel, e lê-lo sem ter isso em conta, é erro que coloca logo todo o estudo fora de um contexto rigoroso que merece um filósofo tão crítico para ser seriamente bem compreendido. Vejamos o caso do subjectivismo kantiano que é, segundo a sua definição:
«a apercepção pura da consciência, como unidade transcendental de si, unidade objectiva da consciência».
Colocando o subjectivismo como uma interioridade universal que é comum a todos os seres humanos e onde se devem fundamentar tanto as leis do entendimento como as regras do dever subjectivo que se objectiva e é actuante em termos de universalidade e necessidade do mandamento moral ou mesmo do sujeito transcendental da lei científica.
Antero irá usar os termos sujeito transcendental num contexto hegeliano que contraria as noções que colheu no mestre prussiano.
Hegel teria aprofundado ainda mais o problema, distinguindo o subjectivo do objectivo com outro rigor e alcance, já numa outra dimensão da razão, agora privilegiando a Metafísica, de modo que não encontramos em Kant pois este formula um dualismo antropológico fundamental no seu ideário. O saber da Metafísica para Hegel não sendo atribuído ao entendimento, seria unificado e fundamentado na razão com a sua própria dialéctica, pela reflexão filosófica em que o sujeito se torna objectivo pois o ser e o conhecer vão-se tornar idênticos, em cada momento, na sua identidade na filosofia como o lugar do saber absoluto sem admitir dualismos. Assim é possível afirmar-se que «Hegel começa onde Kant termina».
Logo no início do seu trabalho, Antero levanta mais questões do que as resolve, mais se contradiz e mergulha em problemas insolúveis do que os fundamenta:
«A filosofia é eterna como o espírito humano» .
É assim que começa, mas a beleza poética da frase e a claridade do texto perde em rigor de conhecimento, pois a eternidade não se coaduna com a temporalidade do ser humano e também:
«se é verdade que a filosofia se alimenta das suas próprias dúvidas e no seu fieri incessante se renova»
não é o uso da dúvida como método que vamos encontrar no seu texto. Em vez disso, explana uma evolução das ideias da história da filosofia em que os seus períodos mais significativos, apresentados como etapas de sínteses cada vez mais ricas que se teriam realizado de acordo com o idealismo que lhes imprime. Assim a sua primeira definição de filosofia é «a equação do pensamento e da realidade» em que a razão é sempre a mesma mas os dados do conhecimento se alteram de modo que em cada época se repetem nos sistemas «um certo número de fórmulas fixas» que são como que uma Metafísica latente presente em todas as épocas e criações humanas. Desta feita a filosofia teria de ser o resultado de um dado conhecimento do ponto de vista da razão, sendo este o instrumento tanto para a ciência, como para a filosofia, mas esta última tendo uma visão do Absoluto, enquanto a primeira «sabe mas não entende» fornecendo a matéria prima para a elaboração da segunda.
Embora Antero mostre a dificuldade dessas sínteses aceita-as como inevitáveis e mostra a sua linha de pensamento que será a de conseguir enunciar a síntese final das tendências das ideias na sua época.
É sob a influência dos filósofos idealistas alemães cujo fio de pensamento ora se oculta, ora se deslinda, quer de um modo, quer de outro, que desenvolve a história da filosofia e, apesar de apelar para noções que lhe parecem fundamentais para separar o pensamento antigo do moderno, que levavam o primeiro ao imobilismo de uma máquina com um «grande círculo fatal» movendo-se eternamente e obedecendo a um plano desde sempre estabelecido e o outro que tornaria o universo num organismo vivo, é a ideia de liberdade do espírito que se encontra a dirigir as suas especulações.
Assim para os antigos haveria uma unidade que só se fundamentava fora do universo, ou seja, era transcendente, para o pensamento moderno a unidade era imanente embora na multiplicidade de formas.
Antero, mais inquieto do que inquietante, ao colocar os problemas da humanidade na primeira e quase toda a segunda parte do seu trabalho, pensa no homem como um ser abstracto e racional, com toda a sinceridade declamativa da sua excepcional prosa, que o Professor Joaquim de Carvalho tanto enaltece[8], referindo como o pessimismo toma um rumo mais profundo nos seus últimos poemas denunciando essa mesma sombra que cai neste mesmo escrito. Talvez por isso demonstre pouca confiança no homem «de carne e de sangue», esse que Feuerbach estudou e é autor de temas que Antero bem conhece mas sobre os quais só vai reflectindo a sério quanto mais se aproxima do fim nesta sua obra.
A harmonia que encontra na relação da filosofia com a ciência caminhando no desenvolvimento das ideias parece-lhe incontestável sem aprofundar os princípios teológicos que as direccionavam e deixavam marcas no espírito de todos esses sábios que menciona, tanto da ciência como da filosofia.
O que lhe parece importante explicar é o papel das ideias de desenvolvimento, de força, de imanência e de lei na trajectória do pensamento humano. É aí que se torna mais marcante a influência Leibniz e da sua “Monadologia” com a teoria da harmonia pré estabelecida. O desenvolvimento do Universo «divino e real ao mesmo tempo» está em tudo e em todos e levado pela força é governado por leis. Com a noção das mónadas encontraria um meio que o possibilitava resolver a relação entre o naturalismo e o espiritualismo e os problemas que lhe colocavam os dados da ciência.
A compreensão da importância de Kant, como pensador que veio alterar o decorrer da filosofia, sendo mesmo intitulado justamente como «o quebra tudo», é um dos pontos cruciais do trabalho.
Este surge aqui como um revolucionário comparado a Sócrates. Para Antero, o conceptualismo e o criticismo tinham o papel de instrumento para averiguar o conhecimento. Mas as linhas gerais, para analisar grandes revoluções são perigosas e tanto o filósofo grego como o prussiano, se fizeram uma «deslocação de terreno da Metafísica», não o fizeram com semelhanças. A Metafísica para Platão, o verdadeiro Sócrates que conhecemos, não dá ao homem o alcance que Kant lhe atribui. O dualismo antropológico de Kant que o leva a tratar do problema da ciência e da moral de modos distintos, já antes levara Sócrates a procurar passar do estudo do Ser para o Dever Ser, para a virtude e o Bem. O conhecimento levaria à sabedoria. O erro estaria na ignorância.
Kant, por sua vez procurou, não uma Polis de homens idealmente bons, mas apontou para a História como horizonte para a realização da República dos homens livres, estabelecendo uma “Fundamentação da Metafísica dos Costumes” para chegar a uma harmonia universal entre os homens. De facto, os propósitos kantianos não foram seguidos por Schelling e Hegel e pode dizer-se que o poeta filósofo tem razão ao assinalar isso. O realismo transcendental, como Antero denomina o sistema hegeliano, não distingue o conhecimento científico do metafísico. A revolução kantiana tentara salvar a Metafísica num último esforço, face à sua falta de fundamentação que, pelo contrário, cada vez mais se grava nas ciências.
De facto, Antero chega igualmente à doutrina da evolução mas coloca-a sob a égide da Metafísica. Pena é que ele não destacasse o que de mais positivo havia no sistema hegeliano pois é à filosofia da natureza que mais valor parece atribuir no sistema hegeliano, quando este escrevera um pouco antes de se verificar a grande revolução das ciências, descurando a descoberta do sujeito do conhecimento, o sujeito epistémico kantiano, por um lado e por outro a riqueza moral da ética do filósofo prussiano que ainda hoje subjaz no Direito se pratica ou se deseja praticar.
Vemos em Antero o filósofo que quer «pensar a vida». Por isso é óbvio que se aproxima de Hegel. Apesar de todo o mérito e a importante tarefa de pensar a vida, a filosofia é sempre claudicante e incompleta tal como a afirmou Merleau-Ponty na sua sapiente lição inaugural no Colégio de França, em 1952, “O Elogio da Filosofia”[9] especialmente quando tiver perante si a tentativa de transformação e solução dos problemas humanos. Marx e Kierkegaard, cada um a seu modo, não deixaram de acusar esses filósofos que se esqueciam de viver para pensar a vida, invertendo a autêntica realidade.
A vida real coloca-se aqui entre parêntesis e a atitude filosófica ressente-se desta incapacidade de intervenção que foi sempre um obstáculo na vida de Antero, desde os seus tempos de juventude e de estudante, da tentativa proletária em Paris e de todo o esforço que gastou em tomar uma profissão, que em nada se adaptava ao seu temperamento poético e romântico que não se compadecia com as suas ilusões de viver uma realidade que lhe repugnava.
«O palácio encantado» e consolador da Metafísica é o seu refúgio quando, após «ter descido passo a passo a escada da ilusão «diz que «também tomou lugar no ímpio banquete» e como os outros procurou a arena da luta social, a prosa da vida, no dizer hegeliano, e ele recua definitivamente para um castelo de nuvens onde apenas «o silencio, a escuridão e nada mais» aguarda o cavaleiro andante da espada já quebrada em lutas em que nem opositor existia e onde, a seus olhos, se transmudam os obstáculos e «os moinhos são castelos e são castelos os moinhos», recordando o nosso poeta António Gedeão.
Não é sem razão que Antero evoca e admira a transformação do Renascimento e chega a denominá-la «a profetiza do espírito novo» com ciência e filosofia sempre aliadas que irá resultar em Descartes e depois na revolução copernicana de Kant. Já antes escrevera uma carta a Oliveira Martins, em que o critica fortemente, por este pensar que a revolução socrática passara a filosofia para um terreno moral prenunciador da decadência grega e representava uma mudança axiológica de todos os problemas anteriormente metafísicos. Antero rejeita a denúncia de Oliveira Martins para quem o
«carácter do ensino socrático era inteiramente moral e prático. O seu espírito repele as especulações metafísicas, o seu cepticismo nega a certeza da razão: o Universo é meramente uma suposição, e o homem o único e verdadeiro objecto da filosofia»[10].
Oliveira Martins considerava que a moral socrática tinha tanto de estéril que roubara o que de mais nobre havia no espírito grego tornando a filosofia numa utilidade prática o que originara uma crise e a pureza da virtude de Sócrates não lhe retirava o que teria de perverso na destruição da cultura helénica.
«Sócrates é um sofista que pôs a moral em fórmulas entre sofistas que apenas tinham fórmulas sem moral».
Um certo paralelismo aproxima a visão de Oliveira Martins daquela que Nietzsche advogava face à cultura e decadência grega. Muito embora estejam tão distantes no espaço e sigam caminhos diferentes, há pontos comuns que chamam a atenção e podiam ser aprofundados pois mostram a argúcia e o alcance do pensador português mas, curiosamente, Antero segue a tradição e acusa o amigo de não ver a grandeza da morte do mestre que tinha um espiritualismo que superiorizava toda a raça Ariana e que é desse mesmo espírito que o génio do cristianismo se apropriara e daí o seu triunfo.
Ao traçar um paralelo entre Kant e Sócrates, Antero parece recordar no entanto tudo o que assimilou de Oliveira Martins, bem como as leituras comuns e toda uma influência bem presente da obra “Helenismo e Civilização Cristã “ (1878) pois nesse trabalho, o seu amigo estabelece já analogias entre os papéis que os dois filósofos representaram nas suas épocas.
No que chama a passagem do pensar antigo para o moderno, ambos dão a Kant um lugar privilegiado. Este, é um filósofo tardio, a sua formação científica colocava-o bem situado para os problemas da ciência, do homem, e do que ele pode esperar. Por isso perspectiva com clareza e rigor os problemas, pese embora a linguagem ser pouco agradável. Como prosador, o filósofo prussiano não é um cultor de estilo, a sua ironia é pesada e a sua prosa demasiado densa para ser lida com deleite. Kant é um filósofo que se lê com muito gosto, mas como estudo e aprofundamento de assuntos densos bem ao contrário do escritor português, cuja prosa é toda claridades e envolta numa certa aura poética.
Kant prova o seu máximo valor pelo brilhante rigor e profundidade lógica com que elabora cada uma das suas teses, muito embora fosse um excelente pedagogo e comunicador bem como demonstrou gostar muito de discutir as suas ideias com os mais variados amigos.
O problema do progresso é abordado visto como contrário à disposição do homem e a sociabilidade insociável dos homens, na sua contradição, é que faz com que grande parte do progresso se realize contra seu desejo, ou melhor dizendo, involuntariamente, como diz Kant
«o homem quer concórdia, mas a natureza sabe melhor o que é bom para a sua espécie, e quer discórdia»,
Por certo que se levanta a questão das antinomias da razão que não se podem resolver e da vontade de domínio pela racionalidade, ou ele não coloque sempre o ser humano esse seu «querido Eu» essencialmente egoísta por toda a parte, muito embora ainda bem distante da vontade de Nietzsche, porém já apontando metas para ela que, por agora, será a boa vontade, pois escreve:
«Neste mundo, e até mesmo fora dele, nada há possível de pensar que possa ser considerado como bom sem limitação, a não ser uma só coisa: a boa vontade, …os demais talentos do espírito, ou ainda a coragem, decisão constância de propósitos (…) são sem dúvida (…) coisas boas e desejáveis, mas também se podem tornar extremamente más e prejudiciais se a vontade, que haja de fazer uso destes dons naturais e cuja constituição particular por isso se chama carácter não for boa»
[11].
Mais tarde ver-se-á a boa vontade volver-se em força de vontade e depois vontade do poder. Não nos podemos esquecer ainda da importante obra de Schopenhauer “O Mundo como Vontade e Representação” em que mostra até na forma como está estruturada, ter influências do mestre, como em tantos outros herdeiros de Kant.
O kantismo, visto por Antero, é marcado por uma visão da Metafísica que nesse ponto mais corresponde a Hegel do que ao próprio Kant. O Universo de que Kant fala e aquele a que se refere Antero, não é o mesmo. A consciência, para onde tudo reflui, no dizer de Antero, no rigor da escrita kantiana, é o sujeito transcendental, o seu «cogito» que apenas regula as leis da ciência e não as aplica senão como legislador «nós é que mandamos» sem daí nada concluir sobre a Metafísica. É o sujeito epistémico insiste-se, mas a todo o tempo é o conhecimento do cientista que se separa do pensar do metafísico já que conhecer e pensar remetem para o dualismo antropológico.
O panteísmo, que Kant não aceitou, aparece agora para Antero, como consequência do seu próprio pensamento e tem de remeter tal transformação para Fichte, Schelling e Hegel, os autênticos construtores dessa imanência do Ser no que se pode chamar o último sistema filosófico e a que Antero chama «realismo transcendental».:
«Como de Sócrates saiu Platão, um pitagórico e eleata, mas pitagórico e eleata corrigido e afinado pela subtil dialéctica do mestre, assim de Kant saíram Schelling e Hegel. Repetindo o naturalismo e o panteísmo do período anterior, mas repetindo-os do ponto de vista do novo idealismo implicitamente contido na “Critica da Razão Pura” refundindo-os e apresentando-os com uma fisionomia inteiramente outra. Repetição que é mais do que uma renovação…»[12].
Na verdade, Hegel nasceu em 1778, em Estugarda e veio a morrer vítima da cólera em 1831, enquanto que Antero nasceu em 1842 e veio a falecer em 1891. Este é um hiato de tempo demasiado longo para supô-los quase contemporâneos. O espaço e o tempo histórico dos fins do século já estavam profundamente alterados, especialmente se nos detivermos nos problemas do avanço das ciências, no positivismo e cientismo reinantes em Portugal e na decadência do hegelianismo, logo após a morte do autor de “A Filosofia do Direito”, bem como a divisão dos discípulos entre a esquerda e direita hegelianas que serão muito mais adversários que seguidores.
Proudhon, mais do que Marx e Engels, foi muito estudado e admirado por Antero e Oliveira Martins, aí beberam as noções de Justiça e de consciência social. Não sendo sistematicamente hegeliano pois se tornou dissidente, o filósofo francês não aceita a tríade do «conceito», nem a explicação da dialéctica que Hegel usara porque o subjectivismo moral ganha de novo valor com ele e a sua noção de Justiça social não é de modo algum a do filósofo alemão.
A dialéctica de Hegel é deveras complexa. Não é em vão que se considera este filósofo como um dos mais profundos de todas as épocas, tanto assim que organiza todo o seu sistema absolutizante e seguro como um «espartilho de aço» como Antero de algum modo o identificou.
Em traços gerais, procuremos ter uma noção aproximada do que se trata. Mas ressalve-se que o sistema e Hegel, na sua verdade, exige sempre “mais” e o “todo”.
Antero aceitou o Ser como Ideia, ou o Logos, ou o Verbo, ou ainda a Razão, ou o «nous» de Anaxágoras, com conotações teológicas de que não pode nunca desembaraçar-se.
Mas o Ser é também o Não-Ser que não é senão outro modo de pensar o Ser e, se o nega, com esta negação não o suprime, antes ultrapassa, conservando-o, quer pela própria negação que conserva o anterior, quer pela Ideia ou Ser no Não-Ser que não significa em Hegel o nada, mas todo o possível e contingente no devir que se realiza no ser necessário.
Na realidade encontra-se o imediato que é o «abstracto» hegeliano porque é pensado separado do todo e afinal não é senão passagem mediata para mais Ser no âmago do devir (esse «mais» é explicação nossa) pois o Ser é teleológico, realizando-se na História. Deste modo a Razão encerra em si tudo, mesmo a sua própria contradição, o que é sinal de vitalidade e não de fraqueza.
Anaxágoras ao dizer que «a razão governa o mundo» conforme Hegel recorda e insiste, vai ser bem mais claro do que Heraclito, o obscuro, filósofo do devir e da afirmação do movimento como sinónimo de passagem. Assim engloba também «o terrível e venerável» Parménides, o filósofo do Ser. Mas agora o Ser que É, é para ser «mais». É da Ideia ou do Ser que surge a partilha primordial para as mediações que são juízos do entendimento.
Aristóteles afirmava que:
«o Ser diz-se de muitas maneiras»,
mas com Hegel todas serão ditas e afirmadas, até mesmo pela negação e pelo movimento contraditório. Até mesmo quando não o diz, Hegel fala ainda do Ser. Se alguém queria saber mais, quando interrogava o mestre para alguma resposta, que de certo teria de ser breve e incompleta, ouvia da sua boca a desafiante resposta:
A Ideia, que não é apenas lógica mas também ontológica, muitas vezes pode ser vista pelos comentadores apenas com uma única perspectiva e é a própria dialéctica que, se parece contraditória, é porque ela é processo e progresso imanente ao seu próprio e único desenvolvimento que estando em tudo, é tudo mas ainda se vai absolutizar no Todo. A teleologia é onde se oculta a teologia e a força do Espírito que se realizaria nos povos. Porém, devemos insistir, nos finais do século XIX, o panlogismo era o modo mais comum de encarar este sistema.
Até mesmo o irracional teria de ser razoável e só pela negação total da racionalidade se podia iniciar uma outra filosofia que rompesse com o sistema ou que combatesse qualquer sistema sem criar nenhum outro, quer com a nova noção de «Dasein» ou pela tábua rasa de valores, começo de tudo e negação de toda a compreensão pelo trágico, como Nietzsche, ou pelo desespero como Kierkegaard, ou ainda pela exaltação do indivíduo na sua subjectividade e abertura para a vida interior com o rompimento com todo o geral e com a absolutização da verdade. Só assim se podia ter saída do racionalismo que tudo comporta, conserva e torna razoável.
Quando Antero passa para o segundo capítulo, muito embora elogie a grandiosa obra levada a cabo por Hegel, pensa que o naturalismo está impregnado de idealismo, critica o dogmatismo e o sistema fechado, sendo este último ponto algo com que não podemos concordar completamente devido ao movimento e ao devir que torna a evolução centrípeta mas ao mesmo tempo centrífuga de modo a abarcar sempre o amanhã.
Protestava já contra a impertinência daqueles filósofos que, nas suas cátedras de Iena e de Berlim (Kant e Hegel, a nota é nossa) «pretendiam fazer química sem molhar a ponta dos dedos.»
«Hoje, nós outros metafísicos, podemos com igual razão dizer que são singulares esses filósofos, que, com os dedos mais do que ensopados em química, pretendem fazer filosofia sem nunca se terem dado ao trabalho de reflectir»[16].
Na altura, não parecia a Antero que a teoria do conhecimento, depois tornada no que hoje se diz, epistemologia, tomasse um rumo tão profundo de estudos e reflexões que ele já aponta como necessários. É que a importância e a revolução da epistemologia foram, de certo modo, uma das conclusões de Kant:
«Com efeito, a filosofia é, de sua natureza, especulativa, e a ciência não pode ser para ela mais do que uma matéria prima»[17].
Assim a matéria pode ser científica, mas acima de tudo é ainda no âmbito do estudo da História que melhor se movia a Metafísica. A História é vista não cientificamente, mas como Espírito que caminha teleologicamente como Providência ou necessidade que nas sociedades se foi tornada liberdade e espontaneidade. Daí passar da «filosofia transcendental», que invadira injustificadamente o campo das ciências, para uma revolução e evolução destas, na segunda metade do seu século, é o que busca demonstrar com fundamento na ideia do que depois será o «evolucionismo».
O problema da Filosofia da História reveste-se de grandes interrogações face ao bem elaborado sistema hegeliano. A evolução histórica da liberdade através das manifestações do espírito que se realiza nas formas concretas do devir da Humanidade, muito embora os povos «não contem» e só sirvam para a realização do Espírito, não parece a Antero sustentável. Hegel alega que:
Para nós, os indivíduos desaparecem, e só têm valor na medida em que realizaram o que exigia o Espírito do Povo. Na consideração filosófica da história devem evitar-se expressões do género: este Estado não se teria afundado se tivesse havido um homem que etc.
Os indivíduos desaparecem diante da substancialidade do todo e este forma os indivíduos de que necessita. Os indivíduos não impedem que aconteça o que tem de acontecer[18].
Antero, já quando escreveu o que pensava da política e do que se podia reformar em Portugal, revelara quanto estava influenciado pelo idealismo alemão. Agora, pese embora não o afirmar, insiste, por exemplo, em que não se pode alterar o espírito de um povo ou a vontade da maioria a partir de um só reformador ou legislação, isto bem dentro da linha de «fatalidade» que diz rejeitar mas a cada passo tropeça e afirma numa implícita aceitação da necessidade que só se realiza quando o Espírito de um povo está capaz de a aceitar. Fora assim que Hegel explicara o fracasso da tentativa de mudança de política em Espanha pois aí o espírito do povo não estava ainda nessa etapa da evolução.
São muito curiosas as interrogações de Antero, contrárias a esta sua posição, quando, quase no final do segundo capítulo, se questiona acerca do acaso, da fatalidade e de todos os «ses» de que se compõe a história:
As civilizações sucedem-se; mas onde está a necessidade dessa sucessão? Em virtude de que lei é que uma raça virgem aparece, à hora precisa e no lugar marcado, para adir a herança de outra raça que desfalece no caminho da civilização? (…) Se Napoleão tivesse morrido em Arcole? Se Alexandre não tivesse contraído uma febre paludosa bordejando nos charcos da Babilónia? Se Paulo, o verdadeiro fundador do Cristianismo, na sua vida errante de operário, nunca tivesse ouvido falar de Jesus de Nazaré? (…) Se…se…se…?[19]
Muito longe de Portugal, na velha Rússia, Léon Tolstói (1828-1910) na sua grandiosa epopeia “Guerra e Paz”( 1869) tecia considerações análogas acerca dos acidentes na História que dependem, por vezes, dos mais pequenos pormenores, como é o caso de numa batalha ser decisivo o papel de um anónimo soldado que, por si só, muda o rumo dos acontecimentos! Assim poder-se-ia acrescentar hegelianamente e remetendo para uma citação bíblica às interrogações de Antero e de Tolstói que
«O Espírito sopra onde quer».
É curioso porém como o próprio Hegel respondera já às objecções anterianas como se as previsse. Os sucessivos «ses» e os indivíduos que ele cita, Napoleão, Alexandre, S. Paulo são como acidentes, acasos, Providência ou liberdade que não interessam no devir histórico.
Interessa sim, a realização do Espírito na evolução histórica e na sua lógica e ontologia imanentes e esta são ignoradas pelos homens que vivem as suas paixões realizando o Universal no particular. Eles são os instrumentos da «astúcia da Razão». Os grandes homens da História estão do lado do Direito porque os seus desígnios particulares estão em harmonia com o Espírito já na sua etapa superior. Só o Espírito, afinal, terá uma História.
Visto assim deste modo com uma racionalidade «realista», o filósofo alemão resolve a dificuldade do problema.
É tudo isto que Antero não quer ter em conta quando quer fechar este assunto dizendo:
«Hegel, decididamente, não tinha razão».
Como protesto contra esta visão da História aponta para uma nova ciência que estava a surgir, a Psicologia, não porque aceite os fracos resultados obtidos dos mestres escoceses, Reid, Dugald-Stewart e seus discípulos, mas porque se trata da ciência da alma, daquele «eu» que orientará o espiritualismo francês.
Antero com grande intuição e perspicácia dá-se conta da inoperância do que depois seria chamado o método introspectivo usado como método por Wundt em Leipzig, e julga-o uma ilusão pois os «factos de consciência», por mais que se tenha tentado, nunca atingem resultados científicos. Tal como Augusto Comte vê um dualismo nesse sentir e estudar da consciência que remete para o cartesianismo mas sem a sua genialidade e agora num âmbito pretensamente científico que nada de bom podia trazer.
O espiritualismo seria um protesto contra a concepção hegeliana em nome do que ele chama «humano» pois substituía o desenvolvimento do Ser, Ideia, pelo esforço, virtude santidade e toda a nobreza moral que considera o que é verdadeiramente humano consciente da sua realização.
Admitindo a queda das grandes construções «a priori», passa a verificar como esse «espiritualismo renovado» foi a transformação para uma concepção do Universo elaborada pela ciência mas não considera que tal sido conseguido porque o universo da ciência, com toda a sua inteligência cientifica, não consegue explicar a «verdadeira realidade» essa que Antero busca e só aceitaria se o mistério da consciência, das ideias pudesse ser explicado. A sua busca de verdade acaba, neste segundo capitulo embora depois retome o problema, num evolucionismo para o qual não encontra sentido e desemboca na enunciação de um mistério ou num absurdo de um fatalismo que causa o desespero do homem ao contemplar as solidões e belezas imensas sem qualquer sentido. Nada em todo o Universo responde a todas as aspirações para o Bem. O pessimismo brota ainda mais cruel depois de ter transcrito uns versos de Leconte de Lisle sobre os quais há um estranho episódio[20] carnavalesco passado na época em que devia estar a escrever este artigo. Esse poema denota uma consternadora visão do Universo
Dieu n´est plus! Tout est mort! J´ai parcuru les mondes,
Et j´ai perdu mon vol dans leurs cheins lactés,
Aussi loin que la vie, en ses veines fécondes,
Répand des sables d´or et des flots argentés:
(…) En cherchant l´oeil de Dieu, je n´ai vu qu´une orbite
Vaste, noire et sans fond, d´où la nuit qui l´habite
Rayonne sur le monde et s´épaissit toujours:
Un ar-en-ciel étrange entoure ce puis sombre,
Seuil de l´ancien cahos dont le néant est l´ombre,
Spirale engloutisssant les mondes et les jours![21]
Há ali, naqueles versos que ele escolheu, uma antecipação do problema da morte de Deus, da sua ausência, da procura de um Deus, de um Espírito que não existe na imensidade e só o velho caos e o nada se tornam no abismo onde desaparecem os mundos e os dias. Agora apenas o problema da morte e da alma é o pouco, ou quase nada, que parece restar da Metafísica. Face a isto, Antero revolta-se num angústia existencial e insiste na voz interior que não aceita esse absurdo destino.
Por tudo isto, ao chegar ao final da segunda parte, tem essas interrogações pré existencialistas de alguém que tenta fugir por um lado à armadura bem apertada que é o positivismo e o cientismo da época e por outro a todo o sistema racionalista e que, pelo seu pendor dogmático, que ele próprio admitiu várias vezes ser da sua índole, aceita tanta vez, mas agora o leva a reagir num grito contra o cepticismo e pessimismo que não quer assumir.
Ora se esse gelado Universo lhe dá essa desoladora impressão, logo retoma a grande síntese científica do seu século e revela como é incompleta pois lhe falta a alma, é apenas de um nível inferior que pode ser ultrapassado pela transformação do velho espiritualismo.
Abre-se agora a porta a um Antero apenas entrevisto, menos impessoal e muito mais original, que se decide a encarar toda a frieza do Cosmos, após a sua longa digressão pelas ciências da época, perante esse mesmo Universo que se lhe apresenta gelado e frio a todo o humanismo, tem como que uma atitude pré-eixtencialista interrogando-se, agora como indivíduo, face a tudo isso que lhe parece monstruoso, trágico, sem um sentido para a existência de uma consciência «que pode dizer que sabe, mas não pode dizer que entende» esse mesmo mistério e assustador mundo fatalista que as próprias ciências impõem. À angustiosa interrogação que o obriga a sentimentos muito para além da lógica, é a consciência moral que imperiosamente grita que tudo não pode ser apenas um paradoxo ou um absurdo.
O lugar do homem no Cosmos surge-lhe com extrema acuidade e a busca de sentido é agora o assunto que o angustia e tanto o preocupa.
Este final do capítulo anuncia já uma grande viragem nas ideias que se vão seguir.
É conveniente insistir como a obra de Oliveira Martins está constantemente presente em Antero desde que se tornaram amigos, ou não lessem e comentassem juntos as mesmas obras. Ao contrário da maioria dos amigos de Antero, este não foi seu companheiro da vida coimbrã, pois começou logo muito cedo a trabalhar duramente numa firma comercial e não frequentou a Universidade. Foi um escritor com obra muito extensa e abarcando múltiplas facetas, do historiador, ao filosófico, passando pelo dramaturgo e político. Influenciado pelo positivismo era também hegeliano e proudhoniano, Oliveira Martins vai procurar nesse filósofo Anaxágoras, tal como Hegel fez, o ponto de apoio para essa «astúcia da razão» que Kant e o filósofo da dialéctica usaram para explicitar o devir da História e que será mais um ponto comum entre os idealistas germânicos.
Durante toda e época de Lisboa, da estada no Porto e em Vila do Conde, a amizade de ambos manteve-se apesar de certas discordâncias graves em assuntos que, outro menos generoso que Oliveira Martins, se teria melindrado. Por vezes, há ataques pouco amáveis de Antero que não se coíbe de criticar com acerbo e sem total razão escritos seus, como por exemplo, no caso da publicação da obra “O Helenismo e a Civilização Cristã”, bem como sobre o papel da Idade Média na formação da civilização europeia, polémica da qual Oliveira Martins procurou afastar-se. Todavia tal polémica partia de uma noção do «naturalismo helénico» anteriano que remontava à sua negação da decadência iniciada com Sócrates e à visão da História com um fatalismo marcado por acidentes que realizariam a Ideia no seu desenvolvimento. A Idade Média seria uma fase de negação do desenvolvimento que só recomeçaria com a Renascença.
Foi também com certa apreensão que viu a acção do amigo na política onde, verdade seja dita, foi breve a sua passagem e à qual só regressaria depois da morte de Antero. Mas é relevante sublinhar que tem uma obra de tenacidade e honradez, coisa digna de não ser esquecida, num político e homem de acção como era Oliveira Martins, respeitado pelos próprios monarcas D. Luís e depois D. Carlos.
Em contraste com ele, Antero viu sempre a revolução e transformação social à distância e teoricamente. Neste trabalho “Tendências Gerais…” é a Razão, a Justiça, a chave do mundo moderno, como a religião foi a chave da revolução na Antiguidade. É esta a tese de Ângelo Raposo Marques[22] que em prosa escorreita e bem clara estudou atentamente as ideias de Proudhon como revolucionário e trouxe mais achegas para demonstrar a importância das ideias do socialista francês na filosofia anteriana da maturidade. Pena é que esse seu trabalho não tivesse a continuidade prevista pelo seu autor.
O revolucionarismo anteriano, que não é propriamente revolucionário, permanecerá afastado das massas e demasiado utópico para ser um socialismo de adesão popular e interveniente.
Serão vagos os ecos dessa faceta socialista nesta sua obra, já que foi escrita numa fase mais tranquila e quando tenta a ultrapassagem das antinomias, a negação da posição antitética de Proudhon que não se concilia com Hegel. A consciência moral, de que tanto fala Antero, é mais sentimental do que racional ou revolucionária, mais mística do que social, budista, embora «sui generis». Bom será não perder de vista que ele afirmara que «S. Francisco de Assis não era cristão inconscientemente» e isso traduz como pensa fora do cristianismo já que nunca abandonou o problema da Metafísica, especialmente o de Deus. Por certo há um certo panteísmo que ele aceita e vislumbra no franciscanismo, mas já em Jesus e na Sua palavra podemos encontrar «Olhai os lírios do campo… que remeteria para um misticismo contemplativo. Porém nada nos pode levar a retirar ilações panteístas de Jesus nem do mesmo modo de S. Francisco de Assis, por muito que este louve a Irmã Natureza, louva também a Irmã Pobreza ou a Irmã Morte sempre como espelho em que se reflecte a obra do Criador.
É esta a interpretação e o teor da bem conhecida frase de Antero: «O cristianismo foi a revolução dos tempos antigos; a Revolução não é mais do que o cristianismo do mundo moderno»[23]. Esta ideia da Revolução é muito evocada em poemas da juventude onde exalta o Progresso, a Justiça, a Águia da Liberdade e outras figuras hipostasiadas.
O poeta de “Sonetos” é o autor das prosas e nem sempre se pode encontrar a concatenação entre as duas formas de expressão. É de crer que o Professor Fernando Catroga tenha boas razões para querer separar diametralmente poesia e filosofia, por uma questão de maior rigor metodológico e entendimento do que se pode interpretar em prosas ou
Se há poetas filósofos também há os filósofos poetas e estes remontam às mais antigas eras.
Na Antiguidade, vamos já encontrar na Grécia, Parménides, um filósofo poeta, mas as razões para tal são bem diferentes das de Antero que procurava ser mais do que um poeta filósofo.
Estávamos nos primórdios da elaboração de um pensamento novo em que de descobria a Razão, o Logos e a linguagem com toda uma nova maleabilidade de expressão que ainda não está estabelecida. O eleata, colocando a tónica na filosofia como viagem em busca da Verdade, embora escreva em verso, tem a intenção de aprofundar problemas que nunca tinham sido antes tratados. A Dikê (Deusa e Justiça) vai indicar o caminho que os humanos podem trilhar e estão sob a férrea lei do Ser que é a própria Lógica e as leis do pensamento sem as quais não se pode pensar. A poesia é forma de se dirigir aos discípulos com toda a carga mística e dos mistérios relacionada com o Orfismo, religião e outras escolas da época dos pré-socráticos.
Já por seu lado, poeta Açoreano tentava com seus versos afastar-se da densidade do texto em prosa que a filosofia já atingira na sua época, procurando num misto de obscuridade e transparência a ideação no poema porque as suas dificuldades de filosofar metafisicamente em prosa chegaram a um impasse que ele não tinha forças para vencer.
É que Antero insiste, bastas vezes na sua correspondência a amigos, para que procurassem nos seus poemas o que era a filosofia que ele tanto desejava escrever. Chega a afirmar que haveria neles coisa algo de novo e que nunca se tinha feito em Portugal. É pois essa a ideia que insistentemente deu a entender acerca do sentido do que escrevia em verso e só o fazia por breves e talvez cintilantes lampejos de intuição, mas que em prosa não podiam resultar no ambicionado sistema. Nas cartas surge aquele tom coloquial e familiar, o tom de quem já muito dialogou, discutindo as suas teorias e espera que a palavra na sua oralidade tivesse sido entendida o bastante para, em alusão epistolar, ser compreendida por «um discípulo que em vida desejou ter» e depois de morto talvez tivesse em excesso.
Hegel terá o mesmo problema, salvando-se com todas as reservas, as devidas proporções, e deve ter sido com amargura ou ironia que terá dito:
«Não há mais do que um homem que me tenha compreendido e esse mesmo não me compreendeu».
Dizer que se compreende Hegel é dizer que se é mentiroso e admitir no discurso que se está a mentir. Tal como Sócrates, quando teria dito «só sei que nada sei», há uma impossibilidade lógica e ontológica de uma tríade socrática de ironia que leva a uma insolúvel síntese que pelo mesmo motivo de ser, sendo devir e contradição, passagem e imediatez, e ainda mediação, o que é, hegelianamente, impossível de aceitar tal como afirmar que a verdade é o todo, sem que o todo esteja com quem o diz.
Foi uma longa viagem esta, desde o chão da Grécia trágica onde o Ser é o pensar e o dizer. Passa-se agora para a crítica a esse Logos ideal transmudado em dever ser até afirmar a identidade ideal da razão no ser, conhecer e pensar integrando a passagem – devir, contradição – no ser que é Absoluto, mas se pode ainda transcender-se a si mesmo e absolutizar-se na sua imanência e ser «mais».
Nada disto fica fora do germanismo adoptado por Antero apesar de nesta obra as influências sejam mais patentes nas ideias defendidas do que na linguagem que procura tornar impessoal até quase ao final.
Leonardo Coimbra, que muito estudou Antero, será porém um intérprete pouco fiável pois é sempre mais o seu próprio pensamento que está presente do que a análise do poeta filósofo sem buscar descobrir, com rigor de linguagem que é sempre demasiado poética nele, as influências que se ocultam no pensamento meditado. A influência da Psicologia do seu tempo pesou excessivamente não o deixando com aquela prosa poética livre de condicionalismos que o colam definitivamente a uma só época.
Proudhon, em três tomos “A Justiça na Revolução e na Igreja”, entre outras obras que Antero leu, analisa o espírito da sociedade, termo da sociedade aristocrática, religiosa, monárquica e burguesa «equação de homens e da humanidade». Em vez da revolução poética, é no templo da Justiça, baseada na revolução da consciência com base científica que fica tal revolução.
Durante oito anos, diz Antero, estudou este pensador e revolucionário. Assim temos de notar que o seu regresso a Kant, só o é carregado de uma grande complexidade de problemas e uma reflexão crítica a Hegel com fundamento nas leituras do socialista francês.
Já o seu conhecimento de Kant é menor e, no que diz respeito à ética, é escasso o seu estudo directo e encontrando-se mais as afinidades comuns dos pensadores interessados na salvação da humanidade pela consciência moral.
A mudança de estilo e de perspectiva que se dá no terceiro capítulo é algo singular, motivada em parte pelo eco dos acontecimentos políticos do Ultimatum inglês e talvez por isso torna-se muito mais pessoal do que o anterior estilo expositivo e que não tinha um cunho tão acentuadamente subjectivo. Embora pareça um regresso ao problema da filosofia da Natureza de Hegel, uma vez que uma visão epistemológica que lhe fora aberta pela “Critica da Razão Pura”, não será esse o caminho que ele toma. Por certo que busca explicitar as tendências da sua época, mas também quer perscrutar a «aurora do futuro».
Antero tem sede de novos caminhos, especialmente através das ciências que estavam a surgir e por isso ele amontoa dados, sem a análise respectiva do sujeito epistémico que ainda, por vezes, remonta a Descartes, não pelo espírito cartesiano que de muito proveito seria, mas pela sua raiz metafísica que o prende e o faz entender, ainda que imprecisamente, a revolução kantiana. Apesar disso, o problema, que mais o preocupa agora e que mais profundamente analisa, é o do eu finito em função dão imortalidade e do destino da Humanidade.
A partir da uma afirmação de «aspiração à liberdade» vai analisar em que esta consiste, acabando por transformá-la no drama do Ser que se torna na «santidade», final de toda a evolução na plenitude do Bem.
O progresso do universo centralizado na consciência é dito como «facto de ordem moral» que vence a animalidade, ganha terreno pela energia moral que se caracteriza aqui pela «intervenção cada vez mais larga e intensa do espírito da Humanidade». As leis da História são assim, em seu entender, leis da consciência, mas nem um só argumento é dado para que isto se afirme tão categoricamente. É um apelo a essa voz interior que, se escutarmos atentamente, sempre afirma o Bem. O tom moralizador não chega porém para incutir confiança nesta afirmação.
Os ideais da Revolução francesa, Liberdade, Igualdade e Fraternidade, aqui apresentam uma só faceta: a liberdade. É ela que se consciencializa no homem mas temos de ter em vista que o direito objectivo de Hegel aqui se torna de novo no dever subjectivo kantiano.
Esta virtude é a liberdade que é auto consciencialização do Absoluto na Arte, na Religião e na Humanidade, não diremos no Estado ou na filosofia porque não é o filósofo vai à frente na longa marcha da Humanidade. Segundo a perspectiva de Antero, que altera o dito de Renan, será o santo quem conduz marcha. Entendamos este santo já não como um conceito cristão mas adaptado por ele a um budismo distinto do que até então se pensara.
As paixões, como motor e progresso da História, desaparecem para darem lugar a uma beatitude naturalista de reconciliação com o Outro e com o Mundo que se diria a contemplação utópica de Feurerbach, sem a genialidade da vontade de viver, da arte como Arte, mas tudo como um espírito consolador de um pessimismo em que o poeta filósofo, após muito ter estudado, aprendido e meditado, se aniquila e se apoia a mais nada esperar, segundo a expressão oriental que ele escutou com muito apreço.
Provavelmente devido à sua época, o que parece mais frágil em Hegel, foi o que mais o fascinou. É a Filosofia da Natureza. Hegel é anterior a Darwin e nisso reside toda a impossibilidade do sistema que era evolutivo poder contar com achegas vindas das ciências que agora brotavam. Hegel não podia deixar de se apoiar na História já que carecia de fundamentos científicos e rigorosos para ir mais longe no devir evolucionista.
No grande quadro do entendimento da filosofia, é a dialéctica hegeliana no seu sentido mais profundo, não no panlogismo, mas no devir ontológico pela contradição, o tal círculo de que fala Chatelet[24], que, em vez de ser apenas círculo, é espiral englobante numa tal complexidade que todas as formas se integram, se ajustam a uma nova forma, cada vez mais nova e enriquecedora na esfera dessa espiral imensa que tudo colhe e tudo capta no seu Absoluto imanente e que a si mesmo se transcende e é um passo para poder dizer que Hegel tem sempre razão!
É aí, nesse grande quadro das novas ciências, que Antero investiga o saber do seu tempo e interroga para que Norte a Europa caminha e no qual o nosso Portugal se integra.
Enquanto que a obra “Migalhas filosóficas” serão um grito de revolta e protesto de Kierkegaard, isso não tem qualquer fundamento para a angústia com que Antero encarara o vazio do Universo no final do segundo capítulo, mas agora o lança num misticismo plácido de renúncia se bem que para isso, como insiste Craveiro da Silva, lhe faltassem os alicerces.
O lugar dado à Metafísica caminha para o Não Ser, num despojamento do indivíduo natural para surgir numa libertação que levaria à perfeição.
É também o que, em linguagem de Ricoeur, se chamaria «Abgrund» abismo que separa o divino do humano e ele quer lançar uma ponte.
Desde Parménides, o pensamento do Ser seja de que modo for está presente nas cogitações filosóficas. Como teria sido a figura de Platão na história do pensamento Ocidental sem o problema do Ser que o eleata lançou?
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O filósofo poeta transforma-se em profeta e, da síntese possíveis das ideias do seu tempo, vai tirar ilações para um futuro que o seu misticismo moral preconiza mas que racionalmente não consegue convencer por inteiro.
A tarefa imensa do homem, que Antero procura justificar e para a qual o ser humano existe, seria como que a realização da salvação de Deus na longa estrada ao encontro da liberdade na sua perfeição. Ao contrário da doutrina do cristianismo, seria ao homem que competiria salvar esse Deus – Ideia no seu Puro Absoluto - e não Deus a salvar o homem. A realização da Humanidade redimiria Deus – o Ser que É - o que rejeita toda a tradição cristã e dava ao homem uma tarefa divina de tornar o Ser em Dever-Ser na plenitude do fim da História através ética que ele defende.
Como se sabe, era também convicção de Hegel que a razão especulativa podia penetrar na essência íntima do Absoluto, essência que antes se manifestara inconscientemente na Natureza, mas depois se torna consciente no espírito humano.
A tese de Antero era também idealista, mas agora a Justiça, como se sabe devido à influência de Proudhon, afirma-se presente na consciência e não na razão, seja esta a do Estado como Espírito Absoluto, seja na Lei do Direito. Agora só tem sentido no foro íntimo de um eu que, ora é pensado num aniquilamento da pessoa, ora numa racionalidade abstracta em que transforma o homem com um culto à Justiça, que renuncia a tudo e por isso só por isso é justo.
O reino de Deus antropomorfizado seria a reconciliação do finito com o infinito pela longa e penosa «estrada do infinito» como Antero chegou a esboçar num soneto. Em Hegel fala-se do «calvário da humanidade». A imensa odisseia do espírito e a sua plena realização
acabaria teleologicamente no fim da História. A plenitude dos Tempos seria também a plenitude de Deus.
Em contraste com todo o movimento, Antero é um contemplativo e é a essa mesma contemplação à que chega Feuerbach, só que por outros caminhos bem distantes mas aceita que
«o homem é para o homem o ser supremo»
só que esta realidade é a própria evolução da humanidade para o nosso poeta filósofo. O misticismo estóico em que mergulha e a sua consciência «infeliz» não têm solução senão pelo diluir da vontade do indivíduo na vontade absoluta. O problema persiste porque falta a fundamentação para essa vontade absoluta.
Para um entendimento mais profundo do que se passa em “Tendências Gerais…” é interessante descobrir como a leitura do Fausto de Goethe o fascinou na maturidade e como a genialidade do pensador alemão o encheu de admiração. Tal como o herói Fausto, sente-se atraído pelo abismo mais medonho e experimenta todas as angústias da natureza humana. Como ele também se sente dilacerado entre as aspirações metafísicas para além deste mundo e o apego que ainda conserva à sua própria humanidade desse «eu» que deseja abater mas que se rebela contra esse aniquilamento.
É fundamental entender que as leituras desordenadas e de toda a ordem condenaram Antero a um acumular terrível de factos, dados e teorias sem que com isso alcançasse mais do que uma visão cada vez mais densa e sem saída para a “sua” filosofia tal como a imanência do Espírito de Hegel, a tese de Feurerbach sobre o cristianismo, a moralidade de Kant que investe na vontade de Schopenhauer, bem como o inconsciente de Hartmann que arrasta o que de mais pessimista e menos activo trazia consigo.
Se não se chega uma filosofia anteriana explícita, é por certo muito válida a sua busca de síntese para a época, pois em Portugal não vamos encontrar escrito algum que se lhe assemelhe. Ainda hoje, os estudantes podem verificar na sua obra o grande quadro apocalíptico do final do século, coisa que jamais se tornaria a realizar no nosso país.
As grandes sínteses precisam porém de profundas análises e neste caso, é através de diálogos e cartas aos amigos, discussões e leitura das obras da sua geração que ele conseguiu esboçar uma filosofia que tem muito de pessoal e que os leitores têm de procurar na sua escrita labiríntica.
Daí a curiosidade de se investigar os caminhos que trilhou e que são tantos como a sua sede de resposta aos seus conflitos metafísicos.
Reparemos no caso de uma reflexão acerca do sentido da vida humana expressa em carta a J.M. Faria e Maia:
«A nossa vida, meu João, verdadeiramente, só é vida da nossa alma, do nosso misterioso e sublime EU que somos no fundo, ora esse EU, ou essa alma, tem a sua esfera na região do impessoal: o seu mundo é o da abnegação, da pureza, da paciência e do contentamento, na renúncia do indivíduo natural e de tudo quanto o limita, algema e obscurece é que consiste a sua misteriosa individualidade».
Observemos que há uma individualidade, mas esta, por ser «impessoal e misteriosa» leva a um imanentismo do Bem que é fruto de uma liberdade racional sem que a pessoa, como ser humano, seja mais do que um momento na realização da Razão Providencial que ecoa na consciência como muitas vezes ele insistirá.
Não será clarificador de nenhum pensamento a aceitação do «mistério» sem que se caia numa fé ou crença providencialista a que a «fada negra da Razão» se opõe veementemente. Este tom lúgubre dado à Razão contraria ainda a divisão entre apolíneo e dionisíaco, pois a fada negra, título dado à Razão num longo poema seu, retira a luminosidade com que António Sérgio a via e em que só seria nocturno o lado sentimental e romântico. A luminosidade das ideias torna-o pessimista e dá um desalento que não se coaduna com a tese do jovem António Sérgio, (1883-1969) que esteve muito em voga.
Por exemplo, Óscar Lopes, aceita como válidas as duas facetas sergianas de Antero, colhendo nele a noção de um Antero nocturno (romântico) e luminoso em que se encerraria o poeta filósofo que «exalta, como paradigma pedagógico» bem como uma «filosofia da imanência onde a componente proudhoniana era a mais valorizada[25]. Mas agora, passado já bastante tempo, levanta-se uma crítica mais atenta pois o polemista é, na altura em que escreve muito novo ainda (1908-1909) cerca dos seus dezanove anos de idade e apenas a sua juventude e inexperiência lhe permitiam discorrer assim. O próprio Fernando Catroga, da Universidade de Coimbra, em Conferência de 1991, no Liceu Antero de Quental de Ponta Delgada, nas comemorações do centenário da morte do poeta, afirmava já que as designações apolíneas e dionisíacas atribuídas a Antero são mais sergianas do que anterianas e correspondem melhor à personalidade racionalista de António Sérgio.
De facto será difícil conciliar a personalidade de Antero com tais dicotomias pois há nele sempre uma busca de síntese, uma tentativa embora adiada de uma unidade que nem as mais arrebatadas formas de optimismo ou pessimismo, impulsividade e arrojo, ironia e sátira mordaz, serenidade ou inquietação, lograram posicionar como diametralmente opostas mas antes uma multiplicidade de facetas polarizadas numa busca de síntese muito ansiada e que, mais uma vez, neste escrito está presente.
Podemos encontrar não uma dicotomia mas múltiplas vertentes nos escritos anterianos, desde os polémicos, aos poemas com variados temas, aos discursos inflamados, às teses contraditórias, às prosas políticas ou pedagógicas.
De modo algum foram superadas as contradições de Hegel. O Bem, nas “Tendências Gerais…” só encontrará a sua resposta na consciência do «eu» - pobre eu – onde a espontaneidade, que era o impulso e a aspiração das coisas, se efectiva. Vemos aqui um hegelianismo retardado e um evolucionismo inovador, pela inserção das ciências, na longa caminhada racional do Espírito para o Absoluto.
A virtualidade infinita do Ser dirige-se para o fim, a realização dessa virtualidade é a libertação lenta da humanidade para a perfeição e plenitude do Ser que finalmente se absolutiza.
Por todo o necessário rigor de estudo, serão de evitar citações sem verificar o devido fundamento e em que o que está escrito não parece conservar-se fiel ao que o espírito pretende comunicar e é essa a árdua tarefa que cabe a um “desconfiado” e rigoroso «aprendiz de filósofo» mesmo que quem o diga seja António Sérgio. Lendo as suas «Cartas ao jovem aprendiz de filósofo», com os seus preciosos conselhos temos de contradizer o próprio mestre quando ele se afasta dos princípios que tão admiravelmente tentou incutir aos discípulos.
A dado passo de uma carta familiar, transcrita por Bruno Tavares Carreiro na sua monumental obra biográfica, Antero insiste no seu pendor para o seu sentido socrático de filosofar, mostrando mesmo o prazer que teria em ter discípulos, um só que fosse, reservando para si, não o papel do teórico Platão, mas o do dialogante Sócrates. A tendência para escriba era muito pouco evidenciada nele e por temperamento as longas explicações teóricas fatigavam-no ou não passava de mirabolantes e fantásticos planos de futuras exposições de ideias.
No final da sua vida, o seu pender para o diálogo socrático e a impossibilidade de escrever longamente, causados pelas suas doenças, será lamentado amargamente, reconhecendo que já não podia nem lhe restaria tempo para empreender um estudo aturado e sério do que sempre o prendera: a filosofia.
As interrogações de sempre, o que Antero considerava “questões filosóficas”, estão bem claras no questionamento com que se inicia o “Testamento” que Sant´Anna Dionísio em boa hora coligiu, para dar a conhecer ao público em geral, o âmago do seu pensamento:
«O que é o Absoluto? O que é a realidade? Em que relação estão, como se comportam um para com outro estes dois elementos do Ser?
Qual é, em vista dessa relação, a razão necessária que preside ao Universo? (…). Todas as nossas ideias se reduzem ao Ser (itálico dele).
Esta ideia encerra uma antítese. Segundo a experiência, o Ser é a Realidade. Segundo a razão, o Ser é o Absoluto. Estas duas noções são irredutíveis – como são a experiência e a razão. Elas constituem o limite da nossa capacidade: como tal, são o facto primeiro e o ponto de partida da especulação e determinam a matéria e o método da Filosofia[26]».
Estas questões estão implícitas nas “Tendências Gerais…” podendo-se acrescentar que Antero possuía uma extraordinária memória, notando-se ecos de escritos seus datados da sua mocidade claramente presentes nestes últimos artigos.
Já aos 28 anos chamara à Alemanha «o país da Pedagogia» no entanto ele mesmo admirava-se da sua incoerência e falta de conciliação entre o hegelianismo e o idealismo francês, o socialismo e radicalismo e ainda com as ideias do historiador Michelet, Quinet e Proudhon ao que ele rotulava os seus «mistérios da mocidade».
É uma nota curiosa que se faz notar acerca da sua posição conciliadora finalmente assumida perante as anteriores posições e a manifestação das contradições do seu próprio pensamento, marcado por mil pensadores, trilhando tantos caminhos, não mostra tanta ignorância como ele se penitencia de ter, mas é mais uma ignorância socrática de quem gostaria de encontrar a verdade e de se conhecer finalmente. Porém acaba sempre por encontrar um caminho circular que o leva a enfrentar de novo a Esfinge (tal como bem soube escrever José Marinho ao referir às suas buscas e caminhadas[27]) e a ser como que esmagado por ela e pela sua interrogação sempre desafiante.
«Qual é o animal que ao amanhecer anda de quatro patas, ao meio-dia com duas e ao entardecer com três?»
Questão que todos se apressam a responder com uma certeza ingénua, enquanto é na própria resposta que se encerra o grande enigma, o enigma maior, o homem, esse insondável Mistério!
A ética que vai focar é mais um retorno do que uma chegada, pois antes mesmo do final da sua vida o seu maior interesse irá para Hegel e depois para Kant, com os quais melhor se concilia e se captam ecos nos Sonetos.
A «categoria do ideal», que atribui a Kant, será uma certa ambiguidade entre princípios lógicos e princípios ontológicos que ele mal aprofundou. O Professor Joaquim de Carvalho, não sendo sensível a estes pormenores de rigor pois a sua época era pouco propensa a isso, acentuou o que mais importante realmente ali estava:
A única síntese das tendências gerais do pensamento europeu que se fez em Portugal nos fins do século e em termos de análise e busca de um rumo para a filosofia, mesmo que tudo isso ficasse em aberto.
Nenhum outro pensador português realizou tal tarefa.
Ferreira Deusdado, (1856-1918) sendo mais novo catorze anos que o poeta Açoreano e um seu incontestável admirador, estudou os mesmos problemas neo kantianos, por certo com algum rigor e profundidade, mas com bem menor abrangência na visão do panorama europeu. É com o maior respeito que Ferreira Deusdado cita as poucas vezes que se encontrou com Antero e o ouviu discorrer filosoficamente, bem como a carta que este lhe enviou a felicitá-lo pelo seu trabalho “Ensaios de Filosofia Actual” (1888) que lhe enviara e que Antero leu e se inteirou pois assim o demonstra ao agradecer ao seu autor.
Notemos que a revolução copernicana de Kant é muitas vezes vista como um começo e uma negação da Metafísica. Ora, tal não seria o seu propósito e segundo o comentador e estudioso G. Kruger
[28], tratar-se-ia precisamente do contrário:
«A intenção de Kant situa-o, não no começo do pensamento moderno, mas no fim da antiga metafísica teísta, A crítica kantiana é a última tentativa para a salvar».
A achega dos trabalhos de Ferreira Deusdado será a partir deste mesmo ponto, mas num sentido ainda mais radical pois é na religião que irá realizar-se, em seu entender, a melhor obra filosófica e pedagógica. Toda a moral sem religião parece-lhe imprudente senão impossível.
Neste ponto, Kant é mais céptico e não podemos deixar de recordar o episódio e as palavras, com todo o seu sabor irónico, que teria dito ao seu desolado criado, o velho Lampe, debulhado em lágrimas face às suas dúvidas e discussões com amigos acerca da existência de Deus:
«É preciso que o homem seja feliz, logo Deus deve existir para que o homem tenha uma vida feliz neste mundo».
Assim, é numa esperança muito brumosa que possibilitaria o homem ser digno de ser feliz e aspirar por isso a uma hipotética felicidade que a razão prática postula através da afirmação da existência de Deus e da imortalidade da alma.
Pelo que podemos averiguar, Antero não leu obra kantiana que o pudesse elucidar sobre esse assunto. Na sua biblioteca não há obra alguma de Kant sobre a moral. Não temos notícia de que tenha conhecimento da “Fundamentação da Metafísica dos Costumes”, ou da “Crítica da Razão Prática”, por isso não insiste no dualismo que divide as duas “Críticas”, para não falar no dualismo antropológico kantiano e ver o dualismo cartesiano insustentável, como de facto se tornou, quer porque, como ideia pura, Deus não é mais do que o garante do Cogito, quer porque, como Soberano Bem, é a tentativa para garantir a metafísica porque essa foi sempre a disposição natural do homem no pensamento kantiano.
Interrogamo-nos até que ponto a leitura indirecta que fez, através de Ferreira Deusdado, da moral de Kant o pode ter influenciado, já que as datas o aproximam?
Se a revolução copernicana, quanto ao conhecimento, é bem observada e estudada por Antero, já a segunda revolução quanto à moral, que aliás estará no âmago do último artigo, não está bem clara.
Assim afirma que, da crise do cientismo, saiu renovado o espiritualismo, porque analisa o problema do ângulo da consciência moral, do tipo rousseauniano, com o mesmo estilo dogmático e sem apelação que o autor do «Bom selvagem» exclamava:
«Moi, je crois et ça me sufit!» .
Crer deste modo não basta para afirmar a existência de Deus por mais veemência que ponha na “evidência” ou intuição encontrada.
A voz que «baixinho afirma o Bem» é o mesmo tipo de voz que faz Rousseau irritar-se contra quem o contradiga.Com fina ironia, Bertrand Russell, quanto a isto, insiste que prefere os argumentos ontológicos e outras provas racionais com que defendem a existência de Deus esses teólogos todos, do que essa atitude emotiva e sentimental em que cai Rousseau e em que se vê tombar Antero no que se refere à consciência moral.
Nas “Odes Modernas” já este saudava o espírito novo, saído da revolução como Lei Providencial, e em
[29] “Contra os Jacobinos socialistas de
Proudhon tem o método das antinomias, teses antitéticas, que se não se revolvem «por contradições acumuladas, deixa o dever de procurar a verdade do conjunto». Daqui as críticas de Marx que o acusa de adulterar ou falsear a dialéctica de Hegel, o Mestre!
Utópicos, tanto Proudhon como Antero, opõem ambos o Absoluto moral e a revolução da consciência ao materialismo relativizante de Marx com a busca da lei económica para justificar a presença da lei moral e deste modo o que é justo interessa como fim apenas num determinado espaço e tempo. A moral marxista entende o valor, seja ele qual for, o resultado de uma estrutura que deve ser sempre desmascarada e logo não terá sentido algum mudar coisa alguma da sociedade de modo subjectivo se, objectivamente não corresponder a uma mudança da realidade das forças económicas que é o que interessa a Marx. Nesta utopia anteriana estaria uma forma de «consciência infeliz» que nunca pode ser o motor da mudança das estruturas e consequentemente das supra estruturas.
O filósofo pensador devia dar lugar ao filósofo actuante, da praxis, fundamentalmente revolucionário e consciente e tal nunca aconteceu.
Antero não foi sensível ao conflito entre Marx e Proudhon, pelo menos neste presente trabalho. Via o hegelianismo dentro do proudhonianismo e não mostra notar a evolução de Marx, embora se diga seu adepto, tal como refere na famosa carta autobiográfica de 1887 que escreveu a W. Storck.
Quando Antero atribui ao Cartesianismo a «carta de alforria» da razão humana com o «cogito ergo sum» foi para o remeter a Espinosa e ao seu panteísmo e depois chegar à conclusão da «identidade do ser e do saber». Considerou assim que Descartes não tentara ultrapassar o dualismo que ele próprio criara.
Porém os propósitos do filósofo francês eram bem mais ambiciosos e não tentavam apenas um fim mecanicista ou idealista como parece supor. Basta recordar como intitulou Descartes a sua obra que ficou conhecida apenas, talvez infelizmente para respeitar o seu pensamento, por “Discurso do Método”. Mas o título é bem mais do que isso! Chamou o grande filósofo à sua obra: “Discurso do método para bem dirigir a Razão e encontrar a Verdade nas Ciências”. É o sonho da unidade do conhecimento, a propedêutica para uma epistemologia, a fundamentação de um racionalismo que, a aceitar a verdade nas ciências, estaria em perfeito acordo com o que Antero preconizava
A união da alma e da matéria (extensão e movimento) teria sofrido com o espiritualismo uma crise da qual surge a única realidade que ele aceita: a consciência, por estranho que pareça em vez de apontar para uma ciência que sairia da Psicologia ou do criticismo, Antero não pretende tal e constrói uma ética com bases numa unidade materialista e se volve metafísica e é este o fim da evolução. Como Fernando Catroga intitula muito bem é o que se chama «metafisicizar a ciência». O espírito é o que se ocultava por trás de todas as formas vagas «mitológicas» até como lhes chama.
Por outro lado estão esboçados os alicerces de um sistema em que a evolução se afirma e todo o saber é transfigurado numa unidade do espírito totalmente nova. Seria de novo a teologia, a ciência e a filosofia em que esta pontificava!
Ao transcrever uma admirável página do célebre “Ensaio Filosófico sobre as probabilidades” de Laplace, para apoiar as suas ideias sobre o Universo, não sabia, como quase todos os da sua época, de que antes deste, já Kant escrevera, no seu período pré critico, uma obra científica extraordinária sobre astronomia e antecipara ideias que este cientista e matemático iria expor. Com grave injustiça para a verdade histórica das ciências, o nome de Kant ficou no olvido e, até há bem pouco tempo, só se mencionava o de Laplace.
Porém essa foi uma escolha muito feliz do texto, uma vez que, não se trata ali da defesa do determinismo, mas sim de manifestar já como o cientista captava noções que hoje são aprofundadas e defendidas com experimentação por novos cientistas como Stephen Hawking na sua célebre obra “ Uma breve história do tempo”.
A página transcrita vem demonstrar, mais uma vez, o seu pendor para a explicação do Universo com fundamento numa Inteligência ou Razão cujas leis movem tudo e abrangeria todo o Cosmos com uma capacidade que ultrapassaria tudo o que existe na inteligência humana.
No entanto, a racionalidade do Universo é ao mesmo tempo a grandeza da consciência dele no homem e a sua oportunidade de realizar a caminhada histórica para a redenção do Ser que é o que Antero conclui. Tudo agora se vai resolver num plano moral e por aí vemos por que caminho é que se dá o regresso a Kant.
As questões que o poeta filósofo levanta em seguida pretendem verificar a necessidade de um elo fundamental entre as ciências, a História e a especulação filosófica que depois redundará na sua visão ética. Dá superioridade à filosofia, como já antes manifestara, ao escrever:
«O espírito percebe o Universo, não adaptando-se a ele, mas adaptando-o a si»
notamos logo um paralelo com a conhecida frase de Kant por todos nós bem conhecida: «Nós é que mandamos» e que alcança uma revolução tão importante a que Antero estava bem atento.
As características que atribui ao «Espírito» são as que se aparentam com o entendimento kantiano na “Critica da Razão Pura”, sem excluir os princípios lógicos da razão. Serão esses princípios lógicos que se aplicam às leis do Cosmos e que só no homem seriam conscientes dada a sua racionalidade que adapta as leis a si. Esse seria o grande triunfo do ser humano no Universo, entrevisto por Laplace no citado texto, anteriormente afirmado por Hegel e depois verificado nas teorias científicas.
A leitura que Antero teria feito da obra de Ferreira Deusdado, neo kantista que já referimos, teria sido importante para o que vai escrever na terceira parte das “Tendências Gerais…”. A querela que refere Pinharanda Gomes na sua obra sobre o tomismo em Portugal[30] e na qual tomaram parte, por um lado Ferreira Deusdado e por outro Barata Moura, estando o primeiro a favor do idealismo das três regras de Kant e o segundo a favor do utilitarismo de Stuart Mill acerca dessas mesmas regras, tal como os ingleses pragmaticamente iriam considerar, teve como moderador Antero. Este vai dar razão aos dois. Ora tal facto demonstra que não terá reflectido sobre a segunda revolução kantiana pois é impossível aceitar as duas teses tão contrárias. Por um lado há uma ética consequencialista de Mill face à deontologia kantiana, que não é consequencialista e se descobre logo neste a fundamentação metafísica no que consta à razão prática que ele advogava.
Esta revolução moral e a autonomia do sujeito são hoje aceites cada vez mais na ética internacional e no direito das Nações. Kant defende na sua obra do final da sua vida, “A Paz Perpétua” (1795) tal progresso em que o optimismo se acende no velho filósofo, e torna o opúsculo fundamental para o compreender bem como o kantismo, tal como é revisitado hoje em dia por políticos e juristas e mesmo pelos defensores do ambiente.
As críticas de Antero ao «apriorismo» não podem dar azo ao que ele chama o «verdadeiro realismo», colocando o problema do espírito, onde Kant coloca o problema na legitimidade de legislar que deve ter a Razão prática e a consciência que não é mais do que a liberdade racional, que o poeta coloca como “espírito” para que uma acção seja realizada por «puro dever». Este é o formalismo que se baseia em princípios e nunca nos fins. Só o homem é um fim em si mesmo e tem autonomia moral. Assim se afasta Kant do pragmatismo de Stuart Mill.
A problemática adensa-se quando se propõe analisar a ideia de Deus como ser livre como postulado de uma «realidade» que não se confunde coma realidade empírica mas que para ele é a única verdadeira realidade.
O problema de Deus foi crucial toda a vida para Antero e aqui ele coloca a sua realidade em itálico para dar um outro sentido a «verdadeiro», insistindo nesse tema, que já referira em cartas, como o fundamental para que é tal a «realidade», que nos rodeia, não seria mais do que uma aparência de manifestação de algo mais «real e verdadeiro». Esse real e verdadeiro não nos é dado pelo «mundo fenomenal» mas pela razão a qual é essência do ser humano quando nos reporta de modo intuitivo ao afirmar:
«só pela razão somos verdadeiramente».
Este ser pelo qual «somos» tem forte raiz na razão hegeliana quando o nosso poeta fala da «identidade do ser e do saber», agora é transposta para a consciência moral. Esse «pobre eu que nós somos», tanto podia levar a um budismo romântico, seguindo o caminho do Não-Ser, como a um eu ideal, um «eu» do Dever Ser numénico do homem formal da moral kantiana.
Insistimos em que é de todo injusta a critica a Hegel da falta de uma reflexão mais profunda face às ciências. Afinal o seu tempo não ser ainda do grande avanço científico que já se verificava na época de Antero. É impossível imaginar como reagiria Hegel perante esse tremendo avanço e as teorias de Darwin pois morreu em 1831 e só em 1859 é que surgiu a obra do evolucionista inglês.
As objecções não são assim totalmente conseguidas pois, ao longo do desenvolvimento das ideias, Antero não se liberta de um ideal supremo imanente sempre presente que «palpita» e é a aspiração de tudo. Esse «fim soberano» - Ideia Pura – é o centro e a «chave do enigma desse Universo». Negando a fatalidade da necessidade e o determinismo cai na alçada de uma liberdade que seria a continuidade desse determinismo cego, mas que no espírito do homem se torna consciente e a suprema virtude.
A liberdade trazida por Cristo, na perspectiva hegeliana, é uma liberdade não dada mas apenas prometida, porque ainda não se efectivara,nem realizara. Seria esse o papel da Reforma. Embora na sua essência todos os homens sejam livres, só o serão realmente quando, obedecendo a si mesmos, na lei moral no dizer de Kant, e no Direito, como afirma Hegel.
Ele aceita a distinção das raças superiores e inferiores, segundo as tendências da época, tal como o amigo Oliveira Martins embora este ser menos radical. Antero chega a falar com tristeza e desprezo por todo esse «pobre Portugalório» para o qual chegou a sonhar uma União Ibérica. Denuncia o seu asco pelo agiota sem consciência moral, o semita, preso numa religião orgiástica e o orgulho pela raça ariana que era idealizada. Era a essa raça que atribuía verdadeiramente o génio do cristianismo e não às origens confusas com todo o passivismo de uma raça inferior como seria a semita. Será em Atenas e não na Judeia que se realizaria a espiritualidade e o idealismo cristão e só por isso alcançou a grandeza que o tornou universal.
Apesar de todas as suas teorias, entra em conflito consigo mesmo, pois não consegue passar à actividade pratica, alterando o seu modo de viver, embora sonhe em se tornar tipógrafo, pedagogo, escritor ou outra ocupação, já que tinha o curso de Direito embora se considerasse um medíocre legista, mas teria de encontrar um trabalho que se coadunasse com o seu pensamento moral sem a dependência paterna ou mais tarde dos rendimentos do património herdado.
Quando a fase da sua grande depressão final se lhe impõe, mostra-se sem forças para aceitar um cargo de acordo com os diplomas que tinha, mas apenas missões esporádicas como foi o caso do Ultimatum Inglês que o impulsionou a tentar, mais uma vez, ter uma missão que dele tanto os seus amigos e admiradores esperavam.
Os grandes pensadores que aqui se reflectem, vêm das mais variadas partes e as suas personalidades eram bem fortes e desiguais sem se terem encontrado nos caminhos da vida neste nosso mundo!
A vida do filósofo Parménides foi a de um prestigiado legislador da cidade de Eleia e, teve tão grande fama, que chegou a governar a sua cidade. Foi o filósofo do Ser e Antero oscila entre o Ser e o Dever Ser, sendo este o seu melhor abrigo para quem já tantos reflectira e não abandonava a filosofia, entendida esta como diz «Bertrand Russell «a terra de ninguém» onde a ciência e a teologia perdem o pé e a especulação racional, os grandes castelos de sonhos tomam forma, em profunda polémica, mas é nessa riqueza do pensar que a ciência encontra uma irmã, ou uma inimiga, e a teologia uma serva ou uma adversária. Tal como entre as boas tribos ou famílias, teologia, filosofia e ciência, unidas na mesma raiz e com uma larga herança do passado, não conseguem viver umas sem as outras. Vê-se como Antero tem razão nesta parte porque é nessa «terra de ninguém» que ele se sente à vontade, dialoga, teoriza, influencia e tem sempre uma mensagem com múltiplas leituras e uma obra sempre em aberto.
Kant, ao contrário dos pensadores anteriores, era de famílias muito humildes, com uma educação pietista que lhe deu sua mãe e uma fé que parece ter conservado toda a vida, mas de um modo muito próprio. Seu pai era artesão e com muitos filhos por isso o jovem Emanuel, após ter conseguido tirar um curso com grande tenacidade, trabalhando mais de doze horas por dia, apesar de toda a sua frágil saúde e extremas dificuldades financeiras, conseguia estudar e dar aulas como preceptor, depois conquista uma cátedra e tornar-se no orgulho de todos os seus amigos e incontáveis admiradores. Se viveu humilde e oculto, se nasceu pobre e filho de pobre também, morreu como um rei e quem todos se apresaram a prestar-lhe as suas homenagens.
Hegel, mostra logo, no olhar com que nos fita nos retratos, toda uma férrea disciplina e firmeza, uma claridade nova no horizonte que só ele era capaz de ver. Embora na mocidade fosse teólogo e revolucionário, tornou-se depois num filósofo de cátedra indiscutível, triunfando de um modo único também na sua sociedade. A sua morte repentina deva à epidemia de cólera, causou como que o desabar de um grandioso castelo no alto de uma montanha onde poucos ou nenhum ousara entrar.
O final deste trabalho, para alguns, como é o caso de António Sérgio[31] é de menor qualidade, mas para outros é o que de melhor Antero escreveu e de mais pessoal ali se encontra. Não se trata já de um resumo, de uma análise epistémica, mas de um apelo ético-moral em tom quase poético e trágico que transportou para o campo metafísico.
Na época em que o positivismo vigorava com toda a sua força, este trabalho revela toda a importância de procurar de modo muito diferente do positivista, uma salvação moral para o homem que com toda a sua sinceridade e serenidade possível quis mostrar.
«A última oportunidade do homem». Assim diria Bertrand Russell, e neste caso Antero regressa à Metafísica e à Ética. Evita assim mergulhar definitivamente no ecletismo, sincretismo ou noutro sistema como o de Auguste Comte que não teve o génio da dialéctica e do devir e a sua lei dos três estados também teve de tombar por terra pela própria força da utopia que assenta num cientismo exacerbado sem lugar para o espírito.
Antero refere-se à Igreja e ao Templo para separar claramente uma síntese filosófica do que se poderia tornar, pelas suas palavras, num símbolo teológico. Tal cuidado é muito curioso, porque é cristã no mais verdadeiro sentido do conceito de templo, já que esse templo está no coração do próprio homem e tal conclusão é mais religiosa do que filosófica, se é que a filosofia não é uma teologia racional quando surge tal como ele a pensa. Estamos face ao problema dos filósofos que para o serem necessitam de negar o cristianismo e este seria mais um dos casos como foi o de Hegel, Feurerbach e tantos outros que apesar de tudo ficaram presos nas malhas da sua teia mística e teológica.
Antero vai mais longe quando coloca no coração do homem a vontade do bem que o leva à renúncia de si mesmo, identificando-se com uma vontade absoluta que mais não seria que o que é a necessidade anteriormente vista no campo das leis da natureza. Surge uma metafísica logo que afirma no homem a generosidade, a bondade e a justiça pois admite uma transcendência na vontade impessoal nessa tentativa de alcançar a união com o Absoluto. Na natureza nada disso existe. Como será então o justo para Antero?
O Dever Ser do homem ideal é a necessidade de renúncia ao egoísmo, ao «eu», a todas as inclinações e desejos. Porém que valor ou sentido pode ter uma renúncia sem transcendência ou, se é o Não Ser, o pretende afinal? Para quê renunciar à vida, se viver é a vontade mais forte, afirmada por toda a parte, a flor, por certo efémera, mas que todo o ser vivo e especialmente o homem desejam?
Estamos muito distantes do homem grego, trágico ou absurdo, belo e heróico que, mesmo sabendo que é joguete dos deuses, ri, canta e celebra a vida.
Esta renúncia é um grito de revolta de todo o ser humano que não vê na virtude abstracta da «suprema liberdade» essa realização que nem os estóicos, os epicuristas atingiram nem sequer pelo dever se tornaria em direito objectivado na liberdade racional de uma nova sociedade.
O homem não pode assumir tal renúncia sem um fundamento que não seja fruto da sua inquietação e da aceitação da voz interior que todo o homem pode ouvir e mais não seria do que o Evangelho eterno. O sentimentalismo de Rousseau é o que mais se aproxima dele aqui.
Todo o homem, afastando-se do mundo em que vive, ouviria a voz do Bem. Mas esse viver assim torna essa renúncia estranhamente desprovida de todo o interesse, sem um objectivo que não seja uma abstracção da virtude e só saberia escolher o Bem fora de todos os condicionantes de raça, educação, história, todas as circunstâncias fortuitas.
Seria assim a liberdade essa virtude que daria imortalidade ao justo. A vontade é dissolvida e as leis da natureza transformam-se numa perfeição capaz de dar felicidade a todos através dessa beatitude em que a virtude é a liberdade suprema. À hipotética existência de seres humanos assim justos e desprendidos, admite também uma sociedade onde as ciências fariam parte de uma grandiosa síntese em que a filosofia seria o acerto entre o programa hegeliano e do positivismo, num espiritualismo idealista reunindo todas as tendências. Primeiro a síntese teria carácter indutivo, aceitaria a dialéctica do realismo mas com um critério transcendental, pois se pela base é realista e indutiva,
é dominada pelas ideias metafísicas. O criticismo e a dúvida seriam como que guardiães contra o risco do dogmatismo.
Agora Antero apela para a linguagem mística que considera ter um fundo racional que ele agora revela. A união do justo com o ser perfeito é, para ele, sempre uma renúncia. Há uma visão próxima do budismo no aniquilamento do «eu» individual, mas sem passividade, pelo contrário uma acção constante, a luta pelo bem, coragem dos heróis, a intrepidez e toda a boa acção insistentemente afirmada. Assim
«o drama do ser termina na libertação final pelo bem»
todavia o que realmente acontece é que o Ser passou a um Dever Ser e de ontológico tornou-se axiológico. A liberdade toma pois um duplo sentido, mas há uma identificação do Ser com o Bem e a racionalidade deste último é o que segue o filósofo dos Sonetos. Trata-se do «calvário» de toda a humanidade que se traduz na libertação da Ideia cativa, na realização desse Ser que se consciencializa na vida do santo. O resultado supremo da evolução de todo o Universo seria assim a santidade que vencendo o fatalismo seria a aspiração de tudo e todos, mas só no homem se iria concretizar. Mas que sentido tem este santo, sem outro ideal a atingir que não seja a aniquilação final?
É agora que Antero preconiza a alvorada de uma nova síntese e de um sistema que ele julga que se iria formar. Para o novo século que se aproxima, a nova sociedade teria de existir um sistema sublime que ele visiona. É para esse novo sistema que quer contribuir com as suas ideias.
Um sistema grandioso como nunca existiu. Para ele esse será:
«o único e definitivo sistema»
Antero não segue o determinismo, nem aceitou o Ser como pura Inteligência, como fez Laplace mas aceita a perfeição do Ser e a Razão astuta e cruel que retira o bem das paixões e do mal dos homens. Falharia de outro modo o que há de mais humano no homem não a sua racionalidade mas a sua afectividade. Sem amor a Inteligência não é humana. É um problema irredutível sempre implícito
O «puro amor» que o poeta filósofo refere é a transformação do fatalismo vencido na natureza, para existir pela vontade e que dissolve o dever por obrigação. O eu identifica-se então com a «sua essência absoluta» a que ele não quer referir como Deus e opta pela «perfeição do ser:».
Isto torna compreensível que Antero ame Sócrates e não o Cristo judeu, esse Messias libertador, vindo de um povo julgado inferior que elenão suporta. O forte apelo ao racionalismo moral parece dar aos Árias uma nobreza que lhe parece superior à bondade de Jesus toda perdão e amor.
Sócrates é esse justo, todo renúncia e firmeza que morre pela Lei e pela Polis. Cristo queria mais. Morre somente pelo amor, o amor a todo o ser humano no seu sofrimento e mistério.
O espiritualismo «enxertado» no materialismo é menos do que hegelianismo e mais do que proudhoniano. De Kant traz o selo do transcendental e das ideias metafísicas da Razão prática que aparentam inspirá-lo.
Craveiro da Silva atribui-lhe uma «imaginação escaldante» e aponta para uma antinomia entre a razão e a intuição sendo esta o «coração[32]».
Assim não podia nunca realizar alguma forma de síntese senão pela renúncia e a verdadeira realidade é a idealidade. Esse impessoal não pode o ser o Nada de um Nirvana mal conhecido, mas um esforço activo de libertação.
Face à dualidade criada entre helenismo que advoga e cristianismo que quer ultrapassar, dá-se a fuga para um budismo que infelizmente apenas tem inspiração em Schopenhauer e na busca da tal aniquilação da vontade segundo o aforismo sânscrito que o seu amigo Vasconcelos d´Abreu[33] lhe deu a conhecer e que ele muito admirou:
«Tudo estudou, aprendeu tudo e tudo executou, quem voltou as costas à esperança e se ampara descansado em nada esperar».
Se muito lhe agradou tal máxima, não a toma por muito tempo como lema de uma serenidade que desse tréguas à sua inquietação, pois o filósofo se rebelava nele e acrescenta dolorosamente:
«que interesse tem em viver num mundo assim?».
É isto que orienta a revolta de Nietzsche contra Sócrates e talvez por isso José Marinho diga que a Esfinge confundiu Oliveira Martins e aniquilou Antero[34].
Francisco Machado de Faria e Maia[35], uma das mentes mais brilhantes entre os amigos de Antero, advogado e escritor, em carta a Cannizaro de 1892, pouco depois da morte do poeta filósofo, refere certos aspectos pertinentes do que sabia da filosofia do amigo e de algumas falhas e mesmo incoerências do poeta, por não ter rompido, na sua especulação metafísica, com a filosofia de Leibniz. Na carta a este amigo, Faria e Maia, datada de 1885, Antero dá preciosas indicações do esquema do sonhado sistema e de como entendia ser a“sua” nova filosofia, por ele abordada poucos anos depois nas “Tendências Gerais …”
Depois de enaltecer o isolamento de Vila do Conde, afirma a vacuidade de todos os Panteísmos, revelando o seu pensamento na expressão poética e ao qual chama como um «misticismo moderno, misticismo cientifico e positivo” e descreve ainda o esboço das suas especulações que depois queria desenvolver e estão no final do seu artigo. É pois o que se pode chamar um budismo activo aquele que procura e não a passividade dos Orientais!
Assim, escreve acerca da missão da filosofia de amanhã:
«Em vez de partir da Substância, para chegar dedutivamente ao mundo físico, uma Filosofia realista deverá proceder inversamente; partirá dos dados elementares da sensibilidade, sobre que se baseiam em última análise as ciências naturais, isto é, dos Átomos, para indutivamente chegar ao que não é Átomo, mas o pressupõe: a Substância. Numa palavra, é preciso vazar toda a metafísica dentro do
Átomo, e depois então trabalhar com ele, assim transformado»[36].
Parece aqui afastar um certo idealismo para retomar o Kant da “Critica da Razão Pura” e logo segue outra via e admite a noção de Substância, o que bem podia ser o «fenómeno» kantiano, pois como podemos hoje saber sub estância leva-nos a uma afirmação implícita de um “númeno”.
Regressando à filosofia do Ser, da Ideia, esboça e um sistema que nos põe o problema de “metafisicizar” a ciência. A mesma linha de pensamento ganha peso quando escreve o final de “Tendências Gerais…” pois a sua preocupação em partir dos dados da percepção para a ciência e atingir por essa via a metafísica parece ter permanecido tal como a possibilidade de um sistema.
Oliveira Martins estava sob a influência socialista tal como Antero mas este último sente-se mais como adversário do positivismo no qual não crê encontrar a resposta para os problemas da sociedade considerando a existência de três metafísicas, a antiga a que se subordinava a Leibniz, e a que estava em formação combinando a actividade e a passividade de todo ou qualquer Ser ou substância.
Estas são as ideias que os amigos melhor lhe conheciam no fim da vida e que se vão evidenciar neste seu último trabalho em que aspirava conseguir encontrar o Norte para onde a História se encaminharia e uma salvação que considera possível para o Universo através do Homem.
Como homem do seu tempo, Antero não era um adaptado. A sua vida fadada para o ócio no sentido pleno do termo, para as grandes discussões metafísicas, dava azo a um fraco sentido da realidade envolvente que estava na transição dos séculos.
Hoje não poderia ter sobrevivido, com a sua aristocracia inata e as suas amizades teriam soçobrado num mar de incompreensões e não teria sobrevivência sem os parcos rendimentos de que dispunha. As circunstâncias da época pouparam-no porque, na altura, não se colocava ainda a tirania do trabalho com a violência e acuidade que lhe colocaria e cada vez mais escraviza o pensamento e um saudável ócio. Mesmo nessa época, nenhum outro pensador português se limitou a levar uma vida de reflexão e leituras como ele realizou, pese embora a doença que o isentava de muita tarefa. A sua atitude perante a vida seria inexplicável nos nossos dias e até no seu tempo são muitos já os amigos que se lançam na vida activa, até mesmo mulheres como D. Carolina de Michaellis de Vasconcelos, alemão de nascimento e professora na Universidade de Coimbra, Alice Moderno, seguia a carreira de jornalista no meio hostil de Ponta Delgada, o seu dilecto amigo Alberto Sampaio trabalhava na sua Quinta no Norte de Portugal, Joaquim de Araújo que, se passeou ela Itália, é porque na altura se tornara embaixador de Portugal e em missões oficiais se deslocava ao estrangeiro ou até o seu conterrâneo Teófilo Braga que era um escritor incansável, além de leccionar e ter elevada actividade política. O ócio, cada vez mais condenado, põe as grilhetas do trabalho, seja ele qual for, para dar sentido à falta de sentido da sociedade pós industrial.
Sócrates no seu século, Antero é o único, de todos os companheiros da «Geração de 70», o que nunca se “acomodou”. A isto reponde Sant´Anna Dionísio, seu grande defensor, apontando-o como figura ímpar de pensador reflectindo e polarizando para si muitos amigos que ele conseguia levar a diversos empreendimentos. O caso não pode ser provado e até o seu amigo Oliveira Martins, ao aceitar um cargo político, deu-lhe um forte desgosto e, se não censurou o amigo, de alguma forma se sentiu desiludido por este socialista entrar uma ordem que não era a sua, responsabilidades políticas que aliás cumpriu honrosamente e que fez como que uma reconciliação entre ambos e confirmou a amizade mútua.
Notemos mais uma vez que Antero não escapa ao logicismo hegeliano, numa visão unilateral da filosofia o que foi usual no seu tempo, o «panlogismo» era o que mais se salientava na época quanto à interpretação do sistema de Hegel. O grande e rápido desenvolvimento das ciências abalava a Metafísica titubeante, pouco segura dos seus fundamentos, do seu conteúdo e da sua finalidade.
Teremos de considerar que Antero conseguiu realizar a obra que tanto desejava e escrever o que mais original e profundo foi capaz de pensar e reunir tudo isso na obra “Tendências Gerais…”?
Não, se nos ativermos a um sistema filosófico novo, saído das ideias do seu tempo, esse sonho do último sistema e ainda para mais definitivo. A exposição as suas ideias revela a mente enciclopédica que possuía e a capacidade de organizar as grandes linhas de planos sintéticos, mas quando inicia tal exposição é já como palavras finais. É como quem se despede deixando uma obra aberta, um trabalho inacabado, com a sedução das pistas, com a complexidade das ideias e noções para desbravar muito e cada vez mais.
Sim, se repararmos que não desejava expor a sua filosofia. Mas nem era propício a escrevê-la, nem o tempo em que vivia suportaria outro sistema depois de Hegel. Estávamos já num outra época, Antero dá-se consciência disso e a sua obra é um trabalho de charneira. Se por um lado há um retorno ao kantismo, acha-se também ciente da revolução do Darwinismo e que estava já a mudar o eixo das ciências e das mentalidades. Podemos dizer mesmo que o novo paradigma ainda não está completamente resolvido e afinal não parou.
A nova era que se aproxima trará um paradigma que se vislumbra já vagamente mas talvez a ciência dita normal de hoje não seja a herdeira aceite mas antes um obstáculo que não se identifica como tal.
Todos os sistemas estão condenados ao fracasso. Até o próprio Antero que admitia a sua tendência para o dogmatismo ficaria descontente que conseguisse tal resultado.
Colocando-se do lado do espiritualismo que recolheu na França, apesar da sua fraca expressão, é na sua espontaneidade e que é a sua essência que vê a evolução filosófica.
Todavia há que reparar como Antero está atento ao facto do de ser o espírito que percebe o universo:
«Não adaptando-se a ele, mas adaptando-o a si».
É provável que recebesse tais ensinamentos da “Critica da Razão Pura” tal como é descrito aí o sujeito do conhecimento. Por isso:
«O Universo, tal como ele se nos apresenta, é, no fundo, uma criação do espírito, se existe para nós é porque o concebemos; aparece-nos, não reflectido na inteligência, mas verdadeiramente visto nela».
Em traços largos, Antero vai demonstrando a racionalidade do Espírito através da racionalidade da liberdade e por fim atinge uma unidade fundamental que é a unidade da racionalidade e do universo. A natureza inteira obedece a leis, todo o Cosmos também, mas só o homem pela sua racionalidade capta essas leis e as torna conscientes.
A sua afirmação do universo racional destrói o dualismo do espírito e do mundo, pois as leis de um serão as leis do outro. Temos de nos ater a um «realismo» e não um idealismo platónico ou outro qualquer pois a mesma razão existente no Universo e que presente nele é a mesma que actua no uso das leis que o homem aplica ao que pode saber. Pelo menos é isto o que podemos conhecer. Para além desse Universo captado pela inteligência não se exclui a possibilidade de outras realidades mas que não afectam o que já alcançamos. Antes se põe a esperança de mais poder descobrir.
O episódio, que se contará muito depois acerca de Einstein, vem à mente a este propósito. No seu gabinete, o cientista teria descoberto, através de cálculos matemáticos, a existência de uma estrela num dado ponto do Cosmos. Mas ao tentar visualizar o astro este não aparece! Assim a racionalidade humana não se adaptava ao Universo e poder-se-ia negar o apriorismo da razão. Porém, passados que foram uns anos, a possibilidade de vislumbrar mais longe no espaço foi conseguida. A construção do Hubble abriu espaços admiráveis e nunca sequer imagináveis. Pode-se então verificar a existência da estrela de Einstein e concluir que afinal, neste caso como em tantos outros exemplos, a racionalidade se adapta ao Universo de modo admirável.
A maravilha que daqui se pode retirar é a do poder do espírito. Antero declara que depois de uma longa e lenta evolução, em que só o fatalismo cego conduz todo o Universo, agora na história realiza-se a liberdade racional do espírito humano com todo o seu poder:
«A razão, dando um passo decisivo, deixou cair de vez a máscara da fatalidade (…) O progresso da humanidade é pois essencialmente um facto de ordem moral: a obra tão maravilhosamente começada pelo inconsciente só pela consciência podia ser levada a cabo».
A liberdade é a virtude na sua plenitude e assim o evolucionismo é centrado na moralidade, o que leva para o campo metafísico a lei da razão e a lei do Cosmos. Apesar de todo o pessimismo «emprestado» de Eduardo Hartmann, Antero parece acreditar na missão do Homem concatenando as descobertas científicas com a moral. O fatalismo de um «suicídio cósmico» pode ensombrar a esperança, porém o suicídio seria visto com repugnância e a sua própria morte será um enigma que se não pode abordar aqui nem nos parece justificável dentro da linha de pensamento que o orientava neste trabalho. Aponta sim para um futuro e todos os riscos e possibilidades estão nele contidos.
Mais tarde, reflectindo sobre a obra realizada pelo homem, Teilhard de Chardin afirmaria que tínhamos de enveredar por um pessimismo ou um optimismo completos não nos podendo ater a uma posição tíbia face ao futuro.
Há como que um prenúncio do evolucionismo de Teilhard entrevisto na noção do justo, numa convergência de toda a espiritualização da Terra. O homem seria em ambos o despertar da consciência do Cosmos! Isso é uma herança hegeliana presente em ambos.
Depois de cristificar a matéria, mesmo correndo o risco do panteísmo que não assume, Teilhard atribui à odisseia humana uma dimensão nova e uma esplêndida aventura que só agora começa. A formidável energia cósmica que era quantificável na matéria agora é incomensurável pela espiritualidade crescente. O homem não é mais o centro mas sim uma seta que aponta para o Infinito! Não pode ser um delírio metafísico mas a caminhada para o sobre natural e um crescente aumento de consciência nesse homem que é o “Fenómeno Humano” e ontologicamente é cada vez «maior».
Cientista pela experiência, Filósofo por vocação e Teólogo pelo coração, Teilhard adivinha pela sua fé uma formidável visão transfiguradora do lugar do Homem no Universo e a sua espantosa aventura para a qual encontra uma resposta pelo evolucionismo que ainda não mentiu.
O desprendimento e a renúncia assemelham-se às noções de Antero:
«Adorar, ontem, significava preferir Deus a todas as coisas, ou referindo-lhas ou sacrificando-as. Adorar, hoje, é entregar-se de corpo e alma, ao acto criador, associando-se a Deus, para completar o mundo pelo esforço e pela investigação. (…)
Ser desprendido, antes, era não interessar-se pelas coisas ou usar deles o menos possível. Ser desprendido, agora, será superar cada vez mais toda a verdade e toda a beleza por força do mesmo amor que se lhes tem.
Ser resignado, antes, podia significar aceitar passivamente as condições presentes do Universo. Ser resignado, agora, só será permitido ao lutador que cai nos braços do anjo»[37].
Esse homem novo que se libertará para realizar uma renúncia activa, é então esse que abandona o «eu» limitado para se inserir numa esfera mais alargada que é a realização da tarefa do Bem. Agora surge o esboço do que seria o utópico sistema anteriano:
Partindo do realismo, sem nada dever ao positivismo pois dele só retira a lógica dos dados científicos, buscaria o transcendental e reuniria em si as grandes correntes do pensamento mesmo que nunca consiga conciliar todos os pontos de vista, como sublinha, a síntese filosófica existirá. Mas a construção do sistema, se bem que preparada pelos filósofos, seria «a obra colectiva da humanidade culta».
Temos um castelo luminoso de sonhos do futuro para a humanidade! O sistema anuncia-se, depois de todo o pessimismo, surge agora uma visão de esperança num espiritualismo idealista que, vazado num materialismo científico seria conduzido pela intuição mística de uma filosofia moral.
Se, para o seu comentador António Sérgio, espírito fiel de racionalista, este final é «um terramoto de cenário» e uma «pretensão exorbitante» que acusa de toda a falha de método, rigor e crítica que encontra remetendo a obra para o poeta e não para o filósofo[38], não se pode deixar de louvar o esforço de síntese, a única no Portugal da sua época. Está ali presente não a síntese perfeita, mas a síntese possível. A busca da definição do espírito de uma civilização foi realizada, ele não mentiu à missão que se obrigou. É uma encruzilhada de fim de século que nele também se polariza e por conta disso pode ser a sua última mensagem.
O panorama das ideias que mais se reflectiam na Europa e se traduziam para Portugal está patente. Vivíamos uma época muito pobre e árida em filosofia no nosso país. Um pessimismo de fim-de-século cobria as inteligências com um véu de cepticismo e de descrédito. Face a um Positivismo e um Cientismo asfixiantes, o trabalho de Antero foi o único que trazia um vento forte para varrer muito poeira, mas não chegou a chamar muito a atenção. Publicado numa revista com pouco repercussão, passou quase desapercebido. Só vinte anos mais tarde o interesse começa a aparecer. Se foi entendido, seria outro problema a analisar dado que os novos leitores não tinham aquela profundidade de conhecimentos para avaliar o seu significado.
Antero foi lido por quem não tinha então conhecimentos de Kant, Hegel, Proudhon, Hartmann, e sem consultar muitas das leituras que fez durante toda a sua vida, as quais são muitas e se reflectem neste trabalho. Uma leitura assim será sempre uma tarefa inglória que remete para uma falsa compreensão da obra.
Os literatos e críticos de literatura são os primeiros a aplaudir as ideias filosóficas e os filósofos os primeiros a ver a beleza da sua escrita poética.
Sabemos hoje, mais do que nunca que as leituras se fazem sobre sedimentações de sedimentações e com esta profundidade de compreensão teremos sempre que recomeçar quantas vezes ainda quisermos para iniciar um bom trabalho filosófico. A obra de Antero é um convite e uma porta aberta para cada geração que passa dela conseguir tirar frutos e colher uma sabedoria de uma época e representativa de um pensamento português.
Antero queria vislumbrar as «auroras do futuro» e viu muito mais longe do que possamos alguma vez supor. Fica-nos a pergunta esboçada no início:
Como é que na sua solidão e isolamento ele pode ter sido o único a ver até onde o nosso olhar ainda não alcança?
[1] Quental, Antero de, Tendências Gerais da Filosofia na Segunda Metade do Século XIX, Edição Fundação Calouste Gulbenkian,
“Estudo de Joel Serrão”, Leitura de Ana Maria Martins, Lisboa, 1991, pp..3-39
[2] Idem, ibidem, pp.35-36
[3] Carreiro Tavares, José Bruno, Antero de Quental - Subsídios para a sua Biografia, Instituto Cultural de Ponta Delgada, 1948, 2º. Vol. p.113.
[4] Antero de Quental, Cartas II, (1881-1889) – Organização, introdução e notas de Ana Maria Martins, 1989, p. 966.
[6] Tavares Carreiro, Bruno, Idem. Ibidem. 2.º Vol. P. 183.
[7] Idem, ibidem, p. 176.
[8] Carvalho Joaquim de, A evolução espiritual de Antero e outros escritos, Colecção Antília, nº 3, Terceira, Açores, 1983.
[9] Ponty Merleau, Maurice, Elogio da Filosofia, Edição Ideia Nova, Guimarães & C.ª Editores, pp. 70, 75-76.
[10] Martins, Oliveira, o Helenismo e a Civilização Cristã, Prefácio de José Marinho; Guimarães Editores, Obras Completas, Lisboa,
1951, pp. 229-232
[11] Kant, E. Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Notas e comentário de Viriato Soromenho Marques, Colecção Textos de
Filosofia pp. 31.
[12] Tendências Gerais… Idem, Ibidem, pp. 66-67.
[13] Silva Craveiro da, Antero de Quental – A evolução do seu pensamento filosófico, Livraria Cruz, Braga, 1959.
[14] Idem, Ibidem, pp. 59-61.
[15] Testamento Filosófico de Antero de Quental, Antologia, Prefácio e notas de Sant´Anna Dionísio, Seara Nova, 1946, pp. 47-48.
[16] Idem, Ibidem, pp..47-48
17] Idem, Ibidem, p.47
[18] Hegel,
[19] Tendências Gerais, Idem, pp. 72.
[20] Este poema foi recitado de cor, por Antero de Quental, num serão de Carnaval em que um médium procurou hipnotizar o grupo, em que
ele se encontrava. Nunca se comparou o poema recitado com este, mas todo ele é fruto da memória prodigiosa do poeta que se prestou a
entrar nessa farsa e que curiosamente se assemelha a uma tentativa surrealista de entender o real. É interessantíssimo notar como as
parecenças são enormes e o que parecia algo original de Antero é uma adaptação deste poema de forma livre mas sem dúvida nele baseado.
[21] Tendências Gerais…, Ibidem, p. 86.
[22] Marques, Ângelo Raposo, “O Socialismo de Antero, Ensaios, Edição Arquipélago, 1959.
[23] Causas da decadência dos povos peninsulares.
[24] Chatelet, Francois, “O pensamento de Hegel”, B.C.H. Editorial Presença, n.º 52.
[25] Lopes, Óscar, Antero de Quental, - Evolução de uma Filosofia da Imanência; pp. 52-67
[26] Dionísio, Sant´Anna, Testamento Filosófico de Antero de Quental, pp33-34.
[27] Helenismo e Civilização Cristã, Ibidem, Prefácio.
[28] Critique de
[29] Prosas, Vol II, p. 139.
[30] Gomes, Pinharanda, “A filosofia tomista em Portugal , Livraria. Lello, 1978.
[31] António Sérgio “Notas sobre os “Sonetos” e as”Tendências Gerais da Filosofia na segunda metade do século XIX” ,
Lisboa, 1908-1909
[32] Silva, Craveiro da, Idem, Ibidem pp. 121-129.
[33] Abreu, G. de Vasconcellos d`, “No tédio doloroso” `Antero de Quental “In Memoriam”; Editorial Presença e Casa dos Açores
de Lisboa, 1993, pp.31-35.
[34] Prefácio “Oliveira Martins e o sentido da História” in “O Helenismo e a Civilização Cristã” Guimarães & C.ª Editores, Lisboa, 1951,p. XXXIII.
[35] Maia, Francisco Machado de Faria e, “Cartas” Edição Delfos.
[36] Cartas de Vila do Conde de Antero de Quental, Introdução organização e notas de Ana Maria de Almeida Martins, Lello & Irmãos, -Editores,
Porto, 1981, pp. 112-115.
[37] Teilhard de Chardin, Pierre Marie, in. “Cristologia e evolução”. 1955.
[38] António Sérgio “Idem Ibidem.
Actualizado em 18.03.2006 Visitantes:
Não podemos esquecer de que se estava a viver em Portugal uma fase muito delicada na política, após o desaire sofrido pelo Ultimatum Inglês. A última parte desta obra revela como a mente do seu autor se alterara com isso e modifica tudo o que até então escrevera, o estilo é outro e os objectivos também, mas infelizmente sem ter capacidade de escrever mais alguns capítulos o que seria excelente para um melhor tratamento filosófico do tema final que toma um colorido profético e pessoal ausente no restante texto.
Longe de Portugal, na mesma época, Nietzsche, (1844-1900) também não tinha forças, fora um pobre combatente numa guerra que não tinha sentido, não conseguiu a cátedra que desejava, nem teve leitores para as suas obras que ninguém, no início comprava. Mas não deixou de tentar, até à loucura, escrever a sua obra, não um sistema, mas antes rebentar com todos os sistemas. Basta para isso lembrarmo-nos que disse de si mesmo: «Eu não sou um homem, sou dinamite!». Deixou também uma obra aberta, sempre pronta a descobrir, fragmentada, mas acima de tudo a obra de um génio do qual não se pode nunca ter uma só síntese, mas onde a Sombra e a Luz são uma constante luta de eterno retorno.
Tal como assume Craveiro da Silva[13], um dos muitos pensadores que estudou Antero, pelo menos até meados do século vinte, a influência de Hegel sobre o pensamento português acerca da História teve grande peso. O poeta filósofo, mesmo a criticar o sistema, não deixa de reflectir essa sua preferência e chega a tirar conclusões sobre o cristianismo, a manifestar a maior admiração pela moral dos Árias, tal como Oliveira Martins fizera, preterindo a figura de Jesus e mesmo atribuindo a S. Paulo e à força do idealismo grego a existência da religião cristã.
No trabalho de Craveiro da Silva sobre a evolução do pensameto anteriano há uma visão sóbria e atenta, mas a principal dificuldade deste autor será a do seu pendor cristão e um certo espiritualismo do catolicismo com que pretende marcar talvez excessivamente o poeta Açoriano.
Quando afirma[14] que Antero é quase contemporâneo de Hegel comete um lapso de tempo que algum modo tem a sua justificação pelo atraso do conhecimento em Portugal acerca do filósofo alemão.
Vá ler os meus livros.
Condena o apriorismo absoluto do sistema e apoia-se, entre outros cientistas, no célebre Alexandre Humboldt, que já anteriormente noutro seu trabalho citara, pois era um grande naturalista e humanista alemão que é considerado como profeta da Geografia de hoje, mas que tinha em bem pouca consideração as obras de exploração dos portugueses no mundo e a sua acção nos descobrimentos por querer, naturalmente a parte de leão para os alemães. Parece-nos que Antero não conhecia isto, mas sabemos que nutria por ele uma grande admiração, chegando ao ponte mesmo de o citar acerca do papel dos filósofos que:
Já anteriormente, num trabalho seu intitulado “A Filosofia da natureza dos naturalista” de 1886 que é indispensável conhecer para entender como este seu segundo artigo das «Tendências Gerais…» pois é o primeiro dos seus últimos escritos filosóficos e está em complementaridade com este, citara a frase para defender o mesmo ponto de vista. Para ele, era perigosamente erróneo querer partir da especulação para prática científica. Por isso escreveu:
«que achava singularíssimo aqueles naturalistas que pretendiam fazer química sem molhar a ponta dos dedos»[15].
É uma busca já não da Metafísica mas do sentido epistemológico da filosofia que Kant desejara criar e assim sucede com o nosso poeta que vê que «a ciência é irmã da filosofia, mas não sua serva», e vai colocar a «hipótese» do método científico sob a alçada e égide da filosofia e esse seria o ponto de contacto e de intersecção da filosofia com a ciência.
À filosofia caberia a função de se apropriar da ideia de cada uma das ciências e com essas ideias fundamentais assim reunidas, então elaboraria as suas especulações. Só à filosofia caberia o papel de interpretar o grande quadro, o Universo, agora com novos fundamentos e possibilidades oferecidas para descobrir o grande enigma dessa maravilhosa tela.
De modo algum esta tarefa poderia ser entregue aos cientistas. Eles que querem filosofar mostram uma estranha falha que o filósofo sabiamente já antes tinha apontado: