" Memória da Eternidade "

  •  O amanhã das Palavras

    ©  Lúcia Costa Melo Simas .( 2012 )

 
 
 
 
  

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   Véspera dos Ventos

 [  Floração primaveril de "dente-de-leão". Matosinhos. 2012 ]

© Levi Malho - Imagem digital

         


               

    Uma vez acreditei que estava na eternidade. Quando acreditei, tudo era perfeito e sabia que não precisava de nada. Nem sequer o nada era uma coisa por tudo ser completo. Cada vez que se precisa de alguma coisa, a eternidade começa a afastar-se, fica distante e por fim foge. Basta ter uma janela para não ser tudo completo e ela foge. Quando há um fora e um dentro, só há fragmentos.
        Os fragmentos colam-se, mas as feridas sempre feias estão lá marcadas mesmo que se finja não ver.É preciso aprender bem a não precisar de nada para que a eternidade venha devagar, muito lentamente, pé ante pé e, de repente, chega ou regressamos  lá. Tudo isso é sempre incógnita e segredo, menos para a eternidade. Nunca se sabe quando vem ou se vai. O importante é acreditar e não querer nada. Nem vale a pena fechar os olhos com muita força e tentar fazer milagres.
    Fazer milagres é raro de entender, é o impossível do possível para pessoas. Já desejar milagres é diferente e menos tonto do que parece. Desejar não pode ser proibido como o acontecer. Quando se deseja milhões de milagres, todos impossíveis podem ser de se esperar.
        O absurdo do milagre, de todos os milagres, é chama-lo banalidade.Não há milagre nenhum em nada porque nada não existe, só milagres. Perceber isto é caminhar. Quando se caminha tem de se colocar asas na esperança e voar. O caso é que temos de ter asas antes. Não servem quaisquer asas para desejar milagres. Os dos anjos das procissões não aguentam vendavais e os dos pássaros são só para eles e nunca para gente que há muito deixou de saber voar. Fácil voar era em criança. Cada sonho de menino tem asas dentro. Essas serão boas para os voos da esperança. Mas só as pessoas crescidas precisam de esperanças e saudades. Com uma certa ordem. Confundem-se tantas vezes e são tão diferentes. As crianças sabem disso. Por que é que se esquece o que sabe um menino tonto?

    As crianças esperam, não precisam de esperança. As crianças regressam e não precisam de saudades. A infância é um regresso constante a lugar nenhum carregada de presenças.A eternidade é o que mais quer um adulto que a perdeu. Em vez encontrar um meio de achar a eternidade, viaja, vai a pé ou de avião, de comboio e depois encontra um lugar. O risco é haver lugar. Ou pensar que há. Na eternidade não há lugares, nem nuvens infantis de quem sonha o céu celeste com harpas e anjos sonolentos com rostos demasiado velhos para serem meninos.
    É muito aborrecida a eternidade quando se quer coisas. Demora muito esperar por elas. Demora tudo. Ou aborrece a espera que alguma coisa chegue. A espera é o contrário da eternidade. Nunca deviam aprender tais coisas. Depois esquecem o que é importante. Enchem a cabeça de conhecimentos, mil milhões de dados e depois não sabem bem onde arrumaram a sua velha eternidade.
     Encontrar é muito complicado porque sempre se procura já sabendo o que se quer achar. Mas não é assim que se procura bem. Procurar bem é não saber o que se vai encontrar. É insistir em procurar e andar para a frente. O que se vai encontrar não é o que se procura. Até pode ser o contrário e ser o que de melhor podia achar. O segredo de procurar não é saber, é não saber. Depois encontra-se. Claro que se encontra. Mas primeiro é preciso gostar de flores, de andar a pé sem relógio, andar muito sem saber para onde se vai e não se importar com isso. Mas andar não é só mexer os pés por aí. Pode-se correr muito mundo que mais ninguém conhece, ver muito onde está sempre o mesmo.

    Há tantas espécies de eternidades como de encontros. Mas tem de se abrir muita porta. Sem aquela certeza que dá quem tem chave. Abrir portas não é encontrar as chaves e rodar na fechadura. Isso era fácil de mais. É saber que portas se querem abrir e esperar. Outra vez esperar sem saber o que está atrás da porta.Seja lá o que for que esteja atrás da porta, isso não importa. As portas fechadas são a prova da existência da eternidade. Não quer dizer que é porque fique atrás da porta, mas porque é onde não se entra por porta alguma e, no entanto, pode-se estar lá.       
    Pensar na eternidade já é uma forma de não estar aqui e ir em busca de uma que toda a gente uma vez teve. Já teve e perdeu porque se esqueceu como é que chegava lá. Por uma questão de colocar portas e  medo. O medo faz todas as portas com chaves e fechaduras pesadas e isso não  pode haver na eternidade. Melhor do que olhar todas as portas de todas as casas, de todas as ruas, de todas as terras que se fizerem por querer que fiquem sempre fechadas é amarrar o medo e nem ver as portas.
    É óbvio que se fazem portas para as fechar! É óbvio que têm de ter uma chave. Uma porta aberta é sempre exceção. Abre-se para se fechar. Entre portas quer dizer breve. Ora o medo nunca é breve. Trancam-se bem as portas, selam-se, colocam-se fechaduras. A força das portas é fundamental.
    A beleza das portas é irónica. Porta é porta, como uma chapada na cara. Filtra, espreita, desconfia. Ah sim, desconfia sempre. Por isso, casas, ruas, terras não procuram. Menos ainda eternidades. Chegar ou partir não traz porta lá dentro. Ficam todas fora. As pessoas é que querem a segurança das coisas fechadas. A eternidade é completamente inútil por isso é muito complicado lá estar. Mas as pessoas todas já o pressentiram e algumas estão sempre lá.O certo é que os outros não ficam cá fora e também é certo que não entram. Porque descobrir a eternidade é estar lá. Acreditei na eternidade e já estive lá. Quando acreditei era muito bom porque estava lá dentro e não precisava de nada.Tudo isso foram palavras para explicar. Há sempre mais perguntas que respostas enquanto existirem portas e permanecerem a fingir muros.

    Não se chega à eternidade, isso são só palavras. Por trás de todas as palavras é que está a eternidade e o milagre. O importante esfuma-se, quando se decifra a luz. Porque nem era importante. Depois de lá estar descobre-se que não se procura nada e todos os ridículos ficaram espalhados pelos degraus do tempo. De repente, descobre-se, e já está. Qualquer um descobre. Fica alegre, mais do que um canto de pássaro. Mas tem de partir do fim e nunca do princípio e de não saber o que procura e insistir em procurar.
    Gente crescida tem de saber que as coisas mais difíceis são as mais fáceis. Seja como for, a eternidade é tão difícil por ser tão fácil e está com todos, sem exceção. O problema é alinhar as palavras, partir por elas fora e, quando elas acabam, continuar a andar sem cair ou então voar. Aí são úteis, mas não indispensáveis, as asas. Aí acabaram-se saudades, chaves, esperanças ou portas. 

    É um outro estar por toda a parte, tudo ser certo e nada ser preciso. Não há farol nem sinaleiro, não há mapa nem roteiro, mas já se chegou lá.
Assim como está aqui.