O ELOGIO DE DEMÉTER - I

 

 

      1. UMA QUESTÃO DE IDENTIDADE                  


"Somos irmãos das rochas e primos das nuvens"

 

HARLOW SHAPLEY (citado por Robert Jastrow em "A arquitectura do Universo")

 

"Amo aquele cuja alma é transbordante a ponto de perder a consciência de si próprio, e em si traz todas as coisas; pois é a totalidade das coisas que causa a sua perda."

 

NIETZSCHE , "Assim falava Zaratustra"

 

"A razão humana tem este destino singular, num género dos seus conhecimentos, de ser sobrecarregada por questões que não sabe evitar pois elas são-lhe impostas pela sua própria natureza, mas às quais não pode responder, porque ultrapassam totalmente o poder da razão humana."

 

KANT, "Crítica da Razão Pura"

 

"Afasta-te das estradas principais e segue por veredas ..."

 

PITÁGORAS de Samos (citado pelo neoplatónico Iâmblico)

 

"Os Gregos estão errados ao admitir o nascimento e a morte; pois nada nasce ou morre, mas tudo se une e separa, a partir das coisas que existem. Por isso, andariam melhor em chamar ao nascer composição e ao morrer dissolução."

 

ANAXÁGORAS de Clazómenas ,(citado pelo neoplatónico Simplício)

 

 

 

 

 

 

 

    A consciência do Tempo, da inevitabilidade da mudança, da passagem à obsolescência que a todos os seres preside é algo que só se adquire numa fase evolutiva relativamente tardia [1], parecendo sugerir que a apropriação desse parâmetro tão densamente real e tão profundamente abstracto só é suportado em espécies e indivíduos altamente estruturados, portadores de níveis de complexidade declaradamente profundos, capazes de sustentarem o impacto da abertura ao "não.-Ser", ao "Vazio" e ao "Nada", correlativos duma embrionária percepção ontológica. Quer isto dizer que a temporalidade pode instituir-se como uma das dimensões mais profundas que percorre o plano dos seres e coisas existentes, muito antes de assumir qualquer estatuto especial num plano cognitivamente objectivado. [2]

    Numa dimensão mais primitiva e elementar dir-se-ia que a emergência dos seres vivos liminarmente rudimentares, [3] ao revelarem uma inesperada fragilidade nos seus mecanismos auto-subsistentes, nomeadamente quando comparados com os componentes pré-biológicos, [4] de imediato se revelam como sistemas abertos, como globalidades criadoras de fluxos de informação e trocas de energia com um meio que lhes é simultaneamente exógeno e endógeno, isto é, desde logo instituindo sucessões de acontecimentos não reversíveis, capazes de assumirem a configuração de estratos arcaicos dum Tempo mais obscuro e carregado que aquele que é suposto em abordagens de dominante mecanicista. Nestas, a espacialização da duração leva a acentuar procedimentos apoiados na reversibilidade, nos quais passado, presente e futuro frequentemente se assumem na perspectiva mais redutível e tranquilizante do "antes", "agora" e "depois", susceptíveis de justificarem um repetido retorno ao ponto de partida, na convicção de que este movimento de vai-vem se pode processar sem quaisquer custos adicionais quanto à inteligibilidade de seres e acontecimentos cuja inovação ontológica consiste em iniciarem um caminho que tendo antecedentes não tem propriamente passado, no sentido denso que a esta expressão se possa atribuir! Com a abertura biológica [5] singulariza-se a via de acontecimentos reveladores duma organização de natureza não estritamente cumulativa ou sumativa, irrompendo por esta brecha um continente qualitativamente inovador, cuja fragilidade e contingência desde logo se inscreve no ciclo irreversível do seu material genético, na condenação à inelutável fragmentação dum "corpo" individualmente provisório e decomponível. Por agora, germinam os arcanos duma memória que, um dia, após as bifurcações [6] milenares de que o Tempo é feito-desfeito, atingirá o plano da linguagem e da arte, será a consciência fantasmática e fugidia que Proust procurará "À sombra das adolescentes em flor"! [7]

    A apropriação da temporalidade só adquire uma relativa autonomia à medida que se vai libertando duma imanência objectivada em "corpos" (micro ou macro, para o caso é irrelevante!) sujeitos a ritmos individuais inelutavelmente transitivos, de forma a inscrever-se num património meta-genético como aquele que parece revelar-se à medida em que a diversificação das espécies permite afirmarem-se linhas evolutivas que se encaminham para seres progressivamente sociabilizados, cerebralizados e individualizados. Nestes, uma primitiva consciência do tempo passa não só pelo aperfeiçoamento de relações instrumentais mais complexas com o meio circundante, que supõem operações de manipulação adaptativa dos ingredientes-em-bruto disponíveis no respectivo biótopo, mas também pela génese de procedimentos que permitam fixar duma forma permanente e durável experiências insusceptíveis de uma transcrição unívoca no material genético, [8] a não ser sob a forma de "mecanismos" (sistemas nervosos mais complexos e autónomos) capazes de suportarem e favoravelmente ampliarem a própria possibilidade ocasional e imprevísivel duma multi-experiencialidade capaz de tudo permitir, o melhor ou pior, a sobrevivência ou a extinção! Não se trata ainda e por enquanto de uma apropriação substantiva do Tempo, pois tudo é demasiadamente diluído para que irrompam quaisquer configurações dramáticas, que só uma irrecusável percepção de finitude e insubstituibilidade individualizadas é passível de concretizar. Esta percepção só parece ser viável nos estádios finais da hominização, quando a tecitura da experiência possa ser filtrada num conjunto de operações transcendentais selectivamente "articulativas", capazes de edificar redes de memória cuja permanência sequencial se impõe como imprescindível condição ao nascimento de um "Eu" que não só conheça num plano meramente operativo-funcional, mas re-conheça a autonomia e contingência duma separação-individuação que lhe abre as portas ao sonho, à História e à morte... [9]

    A emergência autónoma duma subjectividade que a si própria se atribui "identidade" inscreve-se num património sociológico carregado de situações de natureza comunicante, isto é, no interior de fluxos informacionais complexos, de situações de dependência física e afectiva, de conjunturas de dominação-submissão, de parâmetros convivenciais que oscilam entre a aceitação plena e a segregação implacável. Se a erupção da consciência reflexiva no Sapiens é ainda um enigma nas suas razões mais profundas, poder-se-á afirmar que "nasce" no interior de campos culturais (proto-culturais) tempestuosos, sujeita que é a pressões oriundas do "ponto-limite" em que seres frágeis apostam numa fuga-em-frente, [10] fuga a que nenhum plano prévio provavelmente corresponderá, mas que na diáspora que exige, cria as "regras" que presidirão a um destino ainda não escrito. A consciência de uma primitiva identidade é correlativa da descoberta duma primitiva alteridade, o Mesmo reconhece-se pela oposição do Outro!

    O gérmen da "presença" que apercebemos em nós próprios, essa qualquer coisa que permite manter o fio da identidade pessoal apesar das mudanças incontroláveis a que o corpo está sujeito pela degeneratividade do Tempo, [11] é algo que sendo essencial para a nossa constitutividade única, paradoxalmente não possuímos, habitados que somos por essa sombra oracular que, como diria Sartre, nos "lança para as pedras da rua", para o exterior objectivado do mundo. O acto do nosso nascimento como unidades autónomas passa pelo jogo de espelhos do "real", [12] o "mesmo" que acabamos-por-ser resulta do paciente "patchwork" tecido pela multidão dos "diferentes" directa ou indirectamente presentes no nosso campo experienciável. Nada em nós verdadeiramente nos pertence, a não ser o enigma desta esfinge de silêncio que escolheu como morada o coração do Homem.

    Seres em "segunda mão", jamais o absolutamente novo nos é dado de imediato, sempre o produto decantado de algum filtro estranho se interpõe entre as ilusões psicológicas duma intuitiva apercepção de nós e a aparente evidência das transfinitas mediações que são o sedimento mais provável da contingente precaridade da individualidade Sapiens. Todo o conhecimento, todos os processos de consciencialização têm esta marca de ambiguidade, esta espécie de domínio sem posse, de originalidade feita de vulgaridade, [13] de luz que se acende para que melhor se veja a imensidade da noite. Eis o rosto gélido da divindade que nos compele ao transfinito desejo de tudo questionar, de tudo saber porquê e como, para sempre ficarmos no limiar do vazio! A Filosofia aqui não é senão uma propedêutica ao ser no não-ser, espécie de ontologia negativa que se ergue no fim daqueles "Caminhos que não levam a parte alguma" de que nos falava Heidegger...

    Deste modo, a consciência reflexiva faz a sua mediação pelo campo fenoménico transubjectivo e é ao longo desse périplo que o seu reconhecimento se vai tornando mais sólido, [14] ao mesmo tempo que se criam condições para um efectivo desenvolvimento das suas capacidades criativas, pressupondo não o exclusivo de concepções hiper-individualistas --- mesmo tendo em linha de conta o caso de pensadores e criadores individualmente geniais --- mas o cabal entendimento da indesmentível correlação entre formas sociais hiper-complexas e os tipos de individuação mais originais e "in-determinados". [15)] Os circunstancialismos ocasionais e localizados para explicar cada um destes seres singulares permanecerão sem enquadramento cabal talvez ainda durante muito tempo, parecendo que nestes casos mais nos não é licito que descrever e tipificar o nicho ambiental em que ocorrem estas individuações de excepção. Até porque, se tentarmos ir um pouco mais longe dentro destas situações únicas, somos desde logo atirados para o campo das probabilidades muito fracas, dos mecanismos estatisticamente ocasionais, do indeterminismo que provavelmente presidirá à "lógica" dos processos estocásticos.

    Aqui, verdadeiramente, a raiz de nós perde-se entre o acaso que presidiu a milhares de hipóteses combinatórias, em que nenhuma delas à partida está predestinada a ser mais que unia mera possibilidade de existência entre tantas e tantas outras que nunca chegarão a ser. Eis-nos perante as fronteiras biológicas da ontogénese humanizada, os obscuros domínios que se abrem quando criticamente nos aproximamos do problema das origens e da questão do Sentido eventualmente subjacente às explicações de natureza predominantemente funcionalista. [16] A reflexão filosófica, ao abordar a estrutura dos circuitos unificadores e sistematizadores da temporalidade num Eu determinado, para além de constatar a ausência de regras fixas que presidam às múltiplas configurações capazes de modelar o campo transcendental sobre o qual opera a memória, [17] confronta-se ainda com a consciência dum progressivo esvaziamento ao proceder a uma análise regressiva sobre os esquemas caracterizadores da individuação humana. Quer isto dizer que o horizonte último sobre o qual se sustentam procedimentos de natureza teleológica tão característicos do Homem é susceptível de nos abrir uma esfera de não-sentido ("non-sens"), entendido como o fundo remoto "sobre" o qual a significação se edifica. A consciência nasce do meio da noite, [18] o que não é equivalente a dizer que se cria do "nada", pois esta "noite" de que falamos é apenas ausência de luz, mas não de ruídos in-identificáveis, de tutelares presenças sem rosto, de estados in-apropriáveis por estarem aquém (além?) da Linguagem que tudo presentifica [19] e fora da qual só sugestões para-estéticas podem simular uma via de acesso.

    Origens da Consciência, do Tempo, da Memória e do Eu, apresentam-se como uma das enigmáticas redes que especificam o tecido antropológico, lançando para bem longe as aspirações triunfalistas daqueles que julgavam que a Razão moderna acederia passo a passo às verdades imperiais. Actualidade de Sócrates e Nicolau de Cusa que bem poderiam subscrever o físico Enrico Fermi quando dizia que a nossa época começava a saber com um rigor apreciável aquilo que não sabia!

    De qualquer forma, se a hipótese dum "non-sens" se configura como plausível na longínqua fronteira em que emergirá a temporalidade imanente ao Sujeito, não é menos verdade que uma analítica do "tempo presente" poderá sugerir que nos encontramos imersos num real carregado de "sentidos". [20] Naturalmente, a noção de Presente não é uma pura forma abstracta, capaz de manter uma integral operacionalidade independentemente das situações concretas em que se manifesta. Há muitos "presentes", do cronológico ao histórico, do psicológico ao mitológico; em todos eles, claras demarcações de extensão, conteúdo e intensidade podem ser constatadas. Todavia, se por agora nos situarmos no âmbito das sociedades industriais poderosamente urbanizadas e tecnológicas, um dos interessantes fenómenos que podemos aperceber é o que resulta do conflito da multiplicidade caótica dos "discursos-com-sentido", dessa espécie de excesso de informação que paradoxalmente encaminha quem com ela contacta para zonas de opacidade compreensiva, oriundas das tensões, bifurcações e incompatibilidades inerentes à singular compresença desse amontoado de registos interpretativos. Nesta perspectiva, o presente revela poderosas dimensões de desordem, abrindo a porta a gigantescos depósitos de informação indigerível e "a-culturada" perante os quais a reflexão crítica se arrisca a sucumbir no abismo duma hiper-fragmentação delirante e esquizóide. [21] E não é só a sobreposição contraditória dos discursos que subjaz a este sindroma; é também a obsolescência alucinante a que todos estão sujeitos, a substituibilidade instan- tânea das "verdades" de ontem pelas de hoje, as de hoje pelas de amanhã. Por excesso de "conhecimentos" e falta de "sageza", o homem contemporâneo vê o mundo escapar-se-lhe no momento em que julga possuí-lo. Actualidade pois da questão do "Sentido" no mesmo instante em que este parece desvanecer-se, urgência dum sentido do Tempo para que o "Eu" se não esfacele irremediavel- mente perante as perplexidades da existência quotidiana. Trata-se aqui não dos imperativos dum agir inevitável e cego "porque sim", mas da procura das linhas globais orientadoras da acção e do mundo; não da paixão incontrolável de tudo fazer, mas da consciência dos limites desejáveis do querer, na abertura a um perfil ético do pensamento filosófico. [22]

    A Filosofia não pode nem deve abandonar um conjunto de questões hoje tidas como residuais, como "pontos-críticos" em que a reflexão se;enfrenta com aporias e bloqueios aparentemente insuperáveis. [23] Esses problemas parece terem emergido com a própria consciência diferenciadora que irrompeu ao longo da hominização, nomeadamente ao instituírem um,sentido da diferencialidade absoluta homem-mundo, através da consciência da morte, da fragilidade contingencial imanente ao quotidiano, da obcessiva presença dum Universo que o Homem sabe não ter "produzido", mas que não é capaz de encarar como um dado-de-realidade desprovido de explicação. A subsistência e consistência ontológica do Homem e da Natureza, incapaz de se auto-justificar através de um Logos teórico, [24] por enquanto uma miragem no Futuro, exige o recurso a explicações eficientes pela funcionalidade com que preencham esses imensos espaços esvaziados por onde a perplexidade insu- portável do Nada e do "não-Ser" permanentemente se infiltram. Aquilo que a consciência "desligou" a mesma consciência "re-ligará", o Logos sagrado e ritualizado é companheiro pertinaz dos espaços-tempos profanos, o mito e o rito colmatam durante incontáveis séculos as aspirações "arqueo-nómicas" [25] que por todo o lado se postulam. A Natureza e o Mundo assumem então urna face amigável ou hostil, um território onde a Palavra [26] pode operar por uma via encantatória os sombrios percursos que respondem ao seu chamamento. As grandes questões, as origens do Mundo e do Homem, da Terra e dos Céus não são recalcadas nem esfaceladas, a cultura Sapiens defende-se como pode e sabe da solidão "a-sémica", da ausência de "razões-de-ser" que acom- panham uma primitiva percepção ontológica, antropológica e noológica.

    Se posteriormente, durante o percurso do Logos pós-filosófico subsequente ao pensamento grego, [27] muitas destas pulsões interrogativas são abandonadas, isso deve-se mais à estratégia operacional que preside ao desejo dos vários discursos científicos, do que ao desaparecimento dos problemas de fundo já assinalados. O discurso indutivo oriundo das ciências exactas, ao perscrutar fracções cada vez mais reduzidas do "real", em virtude da sub-divisão do trabalho e das perspectivas progressivamente especia- lizadas em que opera, não pode nem quer tomar em consideração questões que considera demasiado gerais, demasiado "opacas", desprovidas de qualquer interesse na óptica pragmática que quase sempre o anima. Deste modo, o pensamento científico dado-em-actualidade não dá "solução" aos problemas de fundo pela própria natureza metodológica da sua estratégia operativa, encontrando-se frequentemente na situação de indisponibilidade teórica para reflectir sobre dimensões integradoras e totalizantes do mundo, que considera como apanágio dos terrenos "meta-físicos"! Não é, por conseguinte, de admirar a permanência milenar das atitudes religiosas que, se outras funções não tivessem, pelo menos nunca ignoraram a decisiva importância antropológica do Problema das origens, ao assumirem a preocupação de sobre ele tomarem posição, mesmo que consideremos que essa tecitura explicativa se não apresenta como coerente ou demonstrável. Todavia, porque o fenómeno religioso supõe uma adesão prévia do "sujeito-crente" não apoiada aprioristicamente em esquemas lógico-racionais, a função colmatadora da intranquilidade angustiante do reino dos princípios e dos fins é subjectivamente preenchida. Talvez aqui se encontre uma das razões sócio~antropológicas mais relevantes para justificar a singular expansão dos fenórnenos religiosos e afins na segunda metade do século XX, [28] na própria altura em que se assiste também a um espantoso desenvolvimento da razão tecnológica, que pela sua "lógica" deveria conduzir a uma mundividência hiper- -positiva. Abre-se, disso estamos convencidos, a fronteira que aponta para a restauração duma era neo-romântica, no sentido mágico-afectivo que a esta expressão se pode associar. Melhor ainda, a época em que vivemos associa duma forma radicalmente paradoxal tendências que em situações análogas pareceriam excluir-se mutuamente, isto é, enquanto que noutras conjunturas sociológicas, a um ascendente de tudo aquilo que de intuitivo, biológico e afectivo exista no homem, quase sempre corresponde um apagamento dos factores racionais, positivos e logicizantes, o século XX consegue manter com um rigor equilibradamente competitivo estas duas grandes formas de aperceber o "real" e de estar-no-mundo. Dir-se-ia até que estes dois parâmetros ocupam na actualidade espaços sociológicos deveras confusos, pois tanto vigoram nítida ou clandestinamente no campo dum "saber de ponta", [ 29 ] como se encontram disseminados na zona correspondente a uma cultura de massas veiculada através dos grandes mass-media. O que é indesmentível é a aceitação por parte de amplos sectores da opinião pública das sociedades industriais contemporâneas de "discursos" que fazem apelo à magia, ao maravilhoso, ao esotérico, ao fantástico-inexplicável! A inquietação perante o presente e a intranquilidade face ao Futuro justificam a desusada expansão de atitudes proféticas, de perspectivas divinatórias, de fanatismos tão grandiloquentes e exarcerbados como aqueles que se abrigavam sob as vãs esperanças daqueles que julgavam que o domínio,da Natureza pela técnica se vislumbrava ao virar da esquina... Quererá isto dizer que nos encontramos na iminência de entrar numa nova "era de trevas", ou tratar-se-á simplesmente dum "Despertar dos Mágicos", [30] para utilizar a expressão presente no título do livro de Louis Pa-wels e Jacques Bergier, dois dos mais característicos representantes deste género literário-discursivo a-racional?

    É de admitir que nos confrontamos com um dos muitos sintomas que caracterizam a época de crise que vivemos, o momento de transmutação duma cultura que já não sendo uma "coisa" ainda não é "outra"; uma tal compresença de factores contraditórios, talvez represente o reconhecimento, pela primeira vez desde há muitos séculos, do facto da "realidade-dada" não ter uma característica exclusivamente unidimensional, pois trata-se de aceitar as múltiplas vias de acesso a um universo verdadeiramente hiper-complexo, cuja tecitura é um interminável jogo de máscaras em que as coisas nunca são aquilo que parecem. [31]

    A nossa cultura, as nossas formas gerais de pensar e sentir, hoje como ontem, pretendem instituir-se como totalidades englobantes de sentido, desejando enquadrar no seu corpo teórico as perplexidades com que se confrontam. Só que este tão desejado objectivo parece estar cada vez mais distante, na razão directa das contínuas fragmentações parcelarizantes a que o pensamento contemporâneo tem estado sujeito. A aspiração de Totalidade tão comum à tradição filosófica, tende a esvair-se perante as objecções que lhe são feitas por concepções científico-positivas que confundem necessidade de integração duma informação multi-regional com tentativas dum enciclopedismo auto-complacente e satisfeito. [32] É evidente que um tal enciclopedismo em nada contribuiria para desbloquear as grandes questões de fundo que temos vindo a propor, uma vez que nada mais seria que um amontoado ordenado de factos e informações parcelares oriundas dos vários campos do saber actual, sujeitos a rápida desactualização, na razão directa da avalanche de novos dados que diariamente vêm a público nas sociedades contemporâneas.

    O "especialista" num determinado ramo do saber, por muito dedicado que seja ao seu trabalho e ao desejo de actualização, não é capaz, nos dias de hoje, de acompanhar tudo aquilo que se edita ou publicamente se afirma na estrita área da sua especialidade. Quer isto dizer que existe uma incomensurável quantidade de informação flutuante que já não é pertença de ninguém e cuja existência dominantemente se manifesta no plano das entidades informativas potencialmente disponíveis, habitando bancos de dados, arquivos-síntese de repertórios bibliográficos ou a memória objectivada e silenciosa das bibliotecas. Fenómeno paradoxal este, em que a real neguentropia que se concretiza em tanta informação, parece não escapar a uma concepção alargada da tendência entrópica proposta no 2º princípio da Termodinâmica.[33] Por outras palavras, dir-se-ia que assim como nas trocas energéticas uma parte da energia se degrada irreversivelmente sob a forma de calor, tornando-se desse modo inutilizável, também com as trocas informativas generativas, significativos "blocos" de informação acabam por cair numa espécie de estado de imponderabilidade que, apesar de não poderem ser vistos como "desperdícios", objectivamente assumem um estatuto análogo ao da degradação "calórica", apontando para um status indiferenciado, para a singular existencialidade das "coisas" inaproveitáveis, despojos remanescentes nos meandros do imenso labirinto que a condição humana vem tecendo.

    Dizia La Rochefoucauld que "nem o Sol nem a morte se podiam olhar de frente" e, em boa verdade, da mesma forma que um excesso de luz pode impedir a visão, um excesso de informação facilmente se institui como obstáculo à sua complementarização integrada em função dum objectivo.[34] Trata-se não duma questão de quantidade, mas de qualidade, mais duma ponderação estratégica de escolhas e deliberações que da desenfreada vontade de correr para o lado onde sopra o vento, tanto mais que uma das possíveis razões para o "vento soprar para esse lado" se deva à acelerada migração daqueles que para ai se dirigem...

    A reflexão crítica sujeita-se a perder o necessário controle perante tudo aquilo que de excessivo se lhe apresenta e a Filosofia deve ser capaz de saber parar o animatógrafo caótico da infinda amálgama de perspectivas e opiniões, livros e revistas, artigos e citações, que nenhuma vida seria capaz de aperceber. [35] É um apelo não à auto-suficiência satisfeita de quem despreza o trabalho alheio, mas ao direito e dever de Pensar sem a objeção de ilimitadamente perscrutar pontos de apoio oriundos dos inúmeros "outrem" que nos dão luz verde para andar caminhos já andados, ou para abrir portas abertas. Em resumo, perante as pressões que compelem à saturnal informativa que nos faz naufragar antes mesmo de partirmos, aqui deixamos uma espécie de elogio às virtudes purificadoras do jejum!

    Nesta paisagem depurada de falsas sombras, de objectos fantasmáticos, das modas passageiras do "hit-parade" duma civilização de néon, a Filosofia confrontar-se-á outra vez ainda com as questões de sempre, [36] com os núcleos problemáticos mais densos e trans-epocais que em todas as culturas humanizadas se instituíram como o poderoso estímulo que projectou os descendentes de pequenos seres gráceis expulsos das florestas terciárias, para a aventura dum Futuro imprevisível, para os amargos frutos da árvore da Sabedoria. Só este desejo absurdo duma lucidez sem limite nos tem continuamente permitido o dramático enfrentamento com a transfinitude do Universo, com a omnipresença do Vazio e do Nada, esses irmãos gémeos da Consciência e do Ser.

    O sentido da nossa apropriação intima está indissoluvelmente unido às pulsões para uma apropriação do "Sentido" e esta, quanto mais nos projecta para o nosso mundo interior, mais nos diz que esta viagem está misteriosamente ligada às miríades de sinapses que se estendem dos átomos às estrelas, [37] às secretas vozes há tanto procuradas neste arquipélago de silêncio que nos habita desde os princípios do Tempo.

 

 


NOTAS DE FIM DE TEXTO

 

 

[1] – Admitindo-se que a idade da Terra se aproxime dos 4 600 milhões de anos, parece que só nos finais da era pré-câmbrica, inícios da era primária (600 milhões de anos), se manifestam os primeiros sinais de acontecimentos biológicos na sua fase mais rudimentar. Aceitando-se o ponto de vista evolucionista, só com a hominização é viável introduzir o conceito de consciência da temporalidade; ora, tais ramos evolutivos remontam, na melhor das hipóteses, aos finais da Era Terciária, princípio da Era Quaternária, isto é, há aproximadamente 4 milhões de anos.

 

 

[2] - Pretende-se distinguir dois níveis no conceito de Tempo. Numa dimensão "forte", supõe uma consciência reflexiva subjectivamente apropriada por um ser individualizado; numa dimensão "fraca", a temporalidade decorre do ciclo de crescimento, maturação e degenerescência impresso na matriz genética de todo o organismo, por mais simples que seja. Neste último caso, a sua existência "de facto" não envolve qualquer tipo de apropriação "activa", pois assume-se como parâmetro imanente a um organismo que o "sofre" duma forma passiva.

 

[3] - Referimo-nos a seres unicelulares ou pluricelulares muito simples, que se supõe terem o seu biótopo num meio aquático (e.g., algas, corais, etc

 

[4] – Os componentes pré-biológicos reportam-nos para elementos físico-químicos organizados em campos de estruturação menos complexos que aqueles que se revelam nos sistemas vivos. Em si mesmos, cada um destes elementos mais simples, manifesta uma resistência à degradação incomparavelmente superior àquela que se revela no tecido relacional de que participam enquanto peças-partes dum sistema vivo. O organismo degrada-se (morre) mas os "componentes" subsistem na sua forma atómica e molecular.

 

[5] - A ideia de "abertura biológica" encontra-se excelentemente explorada na obra de Edgar Morin, numa primeira fase no "Paradigma perdido - A natureza humana" (Seuil, Paris, 1973) e mais recentemente no 2º volume de "0 Método - A Vida da Vida" (Seuil, Paris, 1981).

 

[6] - Referimos aqui o conceito de "bifurcação" aplicado à temporalidade no sentido de não-reversibilidade implícito ao Tempo, uma vez que tomar determinadas decisões em certas circunstâncias, supõe o encaminhamento para certas séries de consequências em detrimento de outras possíveis. Uma vez dado tal passo, não é possível regressar atrás e refazer o "jogo" novamente Deste modo, as sequências temporalizadas assumiriam a configuração de séries bifurcativas indefinidas. Veja-se, a este propósito, I. Prigogine e I. Stengers, "A Nova Aliança" (Seuil, Paris, 1980).

 

[7] – A referência a M. Proust deve entender-se corno a tentativa estética de apreensão da nebulosa complexidade da temporalidade antropológica, com os processos recorrentes implícitos a este parâmetro que flutua entre o onírico e o racional, entre o aparente rigor perceptivo e as divagações imaginário-simbólicas da memória. A obra referida no texto poderia ser também qualquer outro dos volumes que compõem o imenso painel que é "À Procura do Tempo perdido".

 

[8] - A arnbiguidade das apercepções provenientes da experiência pela via da aprendizagem, dificilmente são programadas no material genético. Uma das impressões que decorre duma analítica dos mecanismos evolutivos é a constatação da criação de sistemas vivos capazes de suportarem níveis crescentes de "irnprevisibilidade" (desordem, ruído) através de "instrumentos" susceptíveis de a integrarem no momento adequado. Tais instrumentos (sistemas nervosos progressivamente complexos) é que são geneticamente previsíveis quanto à respectiva construção "mecânica", que não pode deixar de estar demarcada na informação matricial.

 

[9] – Se bem que seja impossível datar a consciência reflexiva corno fenómeno antropológico essencial, não deixa de ser curioso que ela se associe com a prática de atitudes que revelam uma dimensão de perca inelutável de um "outro" (alter-ego), como é patente sempre que se pratica um ritual funerário. Este erige-se desde logo como uma cerimónia muito complexa, exigindo envolvirnentos colectivos, práticas socialmente expressivas, como aquelas que há 100.000 anos eram praticadas pelo "Sapiens Neandertalense".

 

[10] – A pulsão hominizante, apesar de ainda hoje permanecer obscura relativamente a circunstâncias tidas como indiscutíveis, parece estar ligada a fenómenos "desviantes", a "heterodoxias", a "excepções" ocorrentes em campos periféricos. A genealogia deste fenómeno remete-nos para grupos primáticos evoluídos que, pressionados pela precaridade de eco-sistema florestal dos finais da era terciária, abandonam este "útero" protector e partem para os riscos da savana, que inevitavelmente compele a urna acentuação dos nexos inter-pessoais e inter-grupais.

Veja-se, a propósito, A. Leroi-Gourham, "Le Geste et Ia Parole" (Albin Michel, Paris, 1964, 2 volumes) e Serge Moscovici, "La Société contre Nature" (U.G.E., Paris, 1972).

 

[11] - A questão levantada é a que se interroga sobre qual a estrutura que, no plano transcendental, possibilita a consciencialização da temporalidade imanente à subjectividade, estrutura que não pode ser ontologicamente confundível com a sucessão das inúmeras vivências. Tal problema é um dos cernes da reflexão husserliana, designadamente no campo das reduções transcendentais operadas sobre o "polo noético", do "Eu-empírico" ao "Eu-absoluto".

 

[12] - Afinal, o que está em questão, é o problema da consciência indirecta da nossa experiência subjectiva, das mediações implícitas no conceito de "Intencionalidade" da Consciência.

 

[13] – Entenda-se esta expressão no sentido de que se pretende reforçar a importâncias das informações provenientes de meios exógenos ao Sujeito cognoscente, o que pressupõe a acumulação diacrônica de "dados" em si mesmos insignificantes, mas sem os quais não é possível qualquer contributo crítico inovador.

 

 

[14] – Não escondemos aqui a explícita influência hegeliana, no que diz respeito a este ponto de vista.

 

[15] – Parece interessante reforçar a ideia de uma inter-dependência entre os dois fenômenos. A autonomia máxima dum sistema vivo "paga-se" com a dependência máxima relativamente a um macro-sistema social englobante. É esta maleabilidade dúplice que constitui um dos cernes da hominização e que se prolonga duma forma evidente nas transfinitas relações de aculturação entre um "Eu" individualizado e o nicho social em que se implanta.

 

[16] – O problema das origens é metodicamente abandonado em inúmeros campos das actuais Ciências Humanas, quer pela dificuldade de tema --- o que seria compreensível --- quer por se considerar que a questão não tem interesse, uma vez que aquilo que está em jogo é tentar estabelecer os nexos funcionais e a "mecânica" duma situação "de facto". Assim, acaba por se tornar exclusivamente legitimada a posição segundo a qual só é razoável colocar questões num plano em que se vislumbre a respectiva resolubilidade. Por outras palavras, tal tipo de posição, supondo-se hiper-pragmática, arrisca-se a fechar as portas à resolução futura de campos problemáticos que só podem ser dilucidados se alguém os tentar equacionar, independentemente de qualquer esperança pragmática quanto à obtenção duma resposta em tempo útil.

 

[17] – A natureza de tal campo transcendental é uma das tarefas mais complexas com que é confrontado o pensamento humano. Campo inter-disciplinar e trans-disciplinar por excelência, diante dele estamos ainda numa verdadeira "pré- -história" cognoscitiva, tendo em atenção que nele confluem contribuições que vão da Biologia à Psicanálise, da Linguística à Teoria Geral dos Sistemas, da reflexão histórico-filosófica às vertentes estéticas e míticas.

 

[18] – Entenda-se a expressão no sentido em que nos não apercebemos diacronicamente da sua estruturação nem num plano subjectivo, nem numa dimensão trans-subjectiva (filogenética). Só "post-factum" procuramos as "raízes" anunciadoras da sua emergência futura, como alguém que, perante o seu retrato actual, tenta buscar nas descrições e fotografias da infância os traços prenunciadores que o Tempo há-de criar..

 

[19] – As linguagens convencionais são tanto mais operatórias quanto se reportam à transcrição de "experiências" com carga significativa maximamente universalizante, o que quer dizer subjectivamente menos rica e densa. A Linguagem sente-se melhor no domínio do Mesmo que do Outro, no terreno da Repetição que no da Diferença, na área da Quantidade, que na da Qualidade! Ao tentar apropriar-se destes territórios, tende a transitar para as fronteiras estéticas, ganhando em expressividade e transtemporalidade, aquilo que perde em presentificação multi-subjectiva

 

[20] - Isto é, conjuntos acabados de interpretações globais sobre a totalidade do "real", por vezes incompatíveis entre si e perante os quais somos confrontados como potenciais consumidores serniológicos, sempre subrepticiamente ameaçados pela dúvida de ter de adquirir uma mercadoria cujo prazo de validade está prestes a expirar...

 

[21] – Somos sempre lançados de "ponto de vista" em "ponto de vista", de livro em livro, de citação em citação, na ameaça constante de que Algures "alguém" diga ou escreva algo que ignoramos. O pensamento dispersa-se, impedido de aglutinar duma forma personalizada e não-neurótica as grandes linhas de rumo duma visão unificada do "mundo". Tal como nas perturbações orgânicas, poder-se-ia falar numa patologia da erudição.

 

[22] - A reflexão filosófica pode ter uma dominante gnosiológica, que oriente terminalmente os inúmeros campos em que a Filosofia se desdobra. Porém, parece legítimo postular uma prioridade axiológica e ética em função da qual se seleccionem os domínios de pesquisa fundamental.

 

[23] – É o caso do problema das origens nas suas múltiplas facetas (antropológica, sociológica, cosmológica, etc.). Reforça-se aqui a ideia dum sentido não imediatamente pragmático inerente ao discurso filosófico e da consequente abertura a horizontes metafísicos.

 

[24] – Fala-se de "Logos teórico" atribuindo-se a esta expressão um referente que se reporta às origens e desenvolvimento do discurso filosófico, de cariz tendencialmente universalizante, cuja inter-subjectividade lhe advém da possibilidade de ser inserido numa função pedagógico-crítica. É admissível referir um "Logos" não orientado para a "Teoria" mas para a "estesia", ganhando em impacto simbólico, aquilo que perde em transparência pedagógica.

 

[25] – Isto é, o desejo de preencher os problemas que se reportam aos "princípios fundadores" das diversas configurações assumidas por uma consciência solitária-solidária.

 

[26] - Não deixa de ser curioso assinalar que a comunicação com as forças oriundas do espaço do invisível seja frequentemente codificada em discursos orais claramente delimitados e cuja enunciação se circunscreve a núcleos sócio-simbólicos muito rigorosos. Urna das funções essenciais do "sacerdote", do "xamane" ou de quem quer que seja que ocupe um espaço funcional análogo no tecido social, é a de preservar a especificidade da "Palavra" não banalizada, esse mediador de excepção entre a ordem natural e a imprevisibilidade dos respectivos suportes cósmicos. Veja-se, a propósito, Pierre Clastres, "A Sociedade contra o Estado" (tradução do francês por Bernardo Frey, Afrontamento, Porto, 1079) e "Recherches d’anthropologie Politique" (Seuil, Paris, 1980).

 

[27] - Sugere-se a perspectiva segundo a qual as aspirações "teórico-universalizantes" imanentes à fase originária da Filosofia se autonomizam a prazo nos diferentes "discursos científicos", que concretizam duma forma parcelarizada, mas progressiva, aquilo que inicialmente pouco mais era que urna apetência de Totalidade. Esta posição foi sustentada em comunicação apresentada ao Congresso Luso-Brasileiro de Filosofia (Braga, 1980), intitulada "0 Deserto da Filosofia".

 

[28] – É o caso dos fenómenos de saturação de conjunturas sociologicamente "banalizadoras" por via da expansão tecnológica e da expurgação das vertentes "maravilhosas" da mente humana, que criam condições para a libertação de pulsões arcaicas não superadas pelos parcos séculos de Revolução Industrial. Magia "branca" e "negra", desenvolvimento de literatura "astrológica", de grupos imbuídos dum fanatismo exacerbadamente maniqueísta, são algumas das facetas mais notórias desta sintomatologia nos países industrialmente avançados.

 

[29] - Veja-se, a propósito, a obra de Raymond Ruyer, "La Gnose de Princeton" (Fayard, Paris, 1974) e "Science et Conscience - Les deux lectures de l'Univers" (Stock, Paris, 1980), designadamente no primeiro caso os capítulos XIX a XXIII (p. 265/407) e no segundo caso as comunicações intituladas "L'Expérience de Ia conscience et sa place en physique" e "Le Tao de Ia Physique", por Brian D. Josephson e Fritjof Capra, respectivamente (p.31/57).

 

[30] – Jacques Berger, Louis Pauwels, "0 Despertar dos Mágicos", Bertrand, Lisboa, 1968.

 

[31] – "(...) Uma primeira observação se impõe: enquanto existe uma lógica e uma matemática "puras" --- no sentido de que não se referem já a objectos concretos ou particulares mas apenas a objectos virtuais e "quaisquer" --- facto é que não existe simetricamente uma física "pura" no sentido de que se trataria apenas de objectos (ou das suas aparências puramente fenomenais, no sentido de sensoriais, de acordo com a aspiração de Mach), sem um mínimo de quadros lógico-matemáticos. As percepções, por si sós, não constituem uma física ---- e, isto, apesar de se encontrarem já inteiramente impregnadas de estruturações protológicas e protomatemáticas. (...)". Jean Piaget, "As relações entre o Sujeito e o Objecto no conhecimento físico", apud "Lógica e Conhecimento científico", 2.º volume, tradução do francês por Francisco Sardo e Sousa Dias, Civilização, Porto, 1981, p. 135/136.

 

[32] – «( ... ) Du coup, le problème insurmontable de l'encyclopédisme change de visage, puisque les termes du problème ont changé. Le terme encyclopédie ne doit plus être pris dans le sens accumulatif et alphabébête oú il s'est dégradé. Il doit être pris dans son sens originaire agkuklios paidea, apprentissage mettant le savoir en cycle; effectivement, il s'agit d’en-cyclo-péder, c'est-à-dire d'apprendre à articuler les points de vue disioints du savoir en un cycle actif. (... ) ». Edgar Morin, « La Méthode - La Nature de Ia Nature », Seuil, Paris, 1977, p. 19.

 

 

[33] – Os problemas que com este terna se relacionam serão analisados mais detalhadamente na segunda e terceira parte deste ensaio.

 

[34] – Tal excesso situa-se num domínio exclusivamente quantitativo e, como tal, devido à impossibilidade de controlar a totalidade dos dados disponíveis, torna-se necessário o "saber parar", de forma a tentar estabelecer nexos relacionais que permitam a elaboração provisória dum "ponto de vista" interpretativo-conclusivo.

 

[35] - Sem desvalorizarmos a importância da formação de pendor historiográfico na esfera da reflexão filosófica, entendemos que se deve acentuar a vertente problemática da Filosofia, aliás aquela que mais originalidade imprimiu aos maiores nomes da sua História.

 

[36] – Questões essas que se resumem em poucas palavras: "Que é o Mundo?"; "Que é o Homem?"; "Que e como conhecemos?"; "Porque existe o Ser e não o Nada?"; "Que fazer e quais os critérios do Agir?", são porventura os problemas de fundo inerentes ao "essencial" da Filosofia. Na nossa maneira de ver, o desvio ou a subalternização destas interrogações corresponde à liquidação objectiva da aventura milenar inaugurada pelos jónios.

 

[37] – "(...) O caminho evolutivo retrocede mais no tempo --- desde os antepassados arborícolas do Homem até ao primeiro mamífero; depois, até um réptil semelhante ao cão, uma espécie que já não existe; até ao primeiro vertebrado; desde os vertebrados a uma sucessão de animais de corpo mole perdido nas areias da I-listória; depois, finalmente, há muitos e muitos milhões de anos, muito antes da existência do sistema solar, para a nuvem-mãe de hidrogênio. (...) ". Robert Jastrow, "A Arquitectura do Universo", tradução do inglês por Verónica Ferreira e Margarida Cabrita, ed. 70, Lisboa, 1977, p. 188.