FESTANÇAS
Clac! Clac! Clac! Paf! Pum! Catrapás! Shhhiiiiiiit Catrapam! Fumarada, lixo, estoiros, manjericos, "lambada", gritaria. É o S. João no Porto. E repenica, repenica, repenica, o S. João a suar em bica! Cabritos assados, caldo verde, carrinhos de feira, fogos fátuos, corridas, espectáculos de "lazer" pagos pela Câmara, "panem et circences".
Fujo disto tudo como diabo da Cruz. Observo circunspecto a festança pelos ruídos que chegam ao cair da noite, os pequenos episódios que vão do prédio da Srª Dolores ao bairro da tribo do Engenheiro, com quem repartimos muro de quintais.
Ontem decidiu cortar a sebe, com escadote e tesoura de jardineiro, no pico do calor da tarde. Bufava, esticava-se no limite da tesoura, por entre as hastes dum limoeiro, tentando apanhar uma "ponta" rebelde. Via-o pelos interstícios das persianas corridas, esganiçando-se como um "chiclet", suando e imprecando. Claro que lhe falhou um pé, escorregou e ficou de papo em cima da sebe, tesoura pelo ar, braço esquerdo num ramo do limoeiro, pernas em movimentos natatórios:
--- "Ó Elsa! Ó Elsa! Chega aqui depressa! ! ".
Encostei-me ao frigorífico rindo como um possesso, pensando porventura na maldição do Sr. António, o jardineiro que os detesta porque nunca mais lhe encomendaram as podas e limpezas de Primavera, com as quais contribuem metodicamente para a paulatina destruição da flora urbana de Aldoar.
Agora, que é meio-dia, o Porto está moribundo, com os bofes de fora, gente ensonada, os derradeiros martelinhos ainda TAC, TAC, destruindo cérebros, medulas, mas também exalando os últimos suspiros desta festança cada vez mais plástica e menos popular. Salvam-se os balões, essas luas vermelhas que sobem na noite e são arrastados pelo vento, luzindo, até que um nada os destrua! Única beleza desta noite de inferno, coisas frágeis e belas, pequenas almas que brilham e sobem, pois é esse o seu destino. Nisso, são exactamente como nós, luzes anónimas num solstício de Verão.
24. 06. 92