PEQUENOS NADAS
O cérebro mole, corpo a cair de cansaço às dez da noite, as ideias escondidas num recôndito da alma, estiraçadas em sofás, transparentes, espreme-se e não dá nada, eis as férias! Está-se de tal maneira treinado para a canga do trabalho que se desaprendeu a descansar, essa ciência do "dolce far niente" que exige pulso, olho atento, nervo firme. Há as civilizações do trabalho, os loucos japoneses, os cronométricos germânicos, as formigas de Taiwan. Esses desgraçados que produzem Samsungs, Mitsubishis, Toyotas, Siemens com garantia da cuba até ao ano 2.000. E há também os povos-pastelões, a sorna latino-americana, a vaidade árabe, o "vai-se dar um jeito" do Mediterrâneo! Dar de comer a um frango, engordar um porco, semear uns milhos, regar uns legumes, fazer-que-faz.
Claro que os tempos estão contra os da preguiça, só reestruturações, perestroikas, PIBS, PNB'S, produtividades, nos altares da ganância dos "workoolics", jovens leões da Católica, do Técnico, MBA'S, Continentes, cultura empresarial, sucesso, o mundo a seus pés. Fatos Valentino, cueca Boxer, relógio Rolex, leasings, merchandising's, cartão Visa Gold, férias na neve.
Ao fim da tarde musculação e jacuzzi, à noite "um copo" num bar "in" da Ribeira, espernear no "Indústria" até às seis da manhã, meter a focinheira na montra da Ferrari da R. da Boavista, submissos e arrogantes, falam no Belmiro e no Amorim como se os tratassem por tu, ao fim de semana uma Harley Davidson e fato de couro com bota a condizer, à porta do "La Copa" ou do "Bela Cruz".
Telefone no carro, ignoram a chegada das marés, a hora única em que as coisas emergem da bruma, como no instante da criação, a brancura dum carinho, o olhar doce e redondo dum cão, as mil faces do Deus escondido que medita, estupefacto, a nossa insensatez!
28. 07. 92