NÃO VEJO O TEJO

 

     Do sítio onde escrevo, contrariamente aos poetas de antanho, não vejo o Tejo, só cimento e alcatrão. Uma réstea de céu azul aparece nos limites do toldo vermelho da Buondi que dá ao meu precário horizonte uma dimensão de banda desenhada!
     Pois bem. É Sábado de manhã, são 11, 30 H. , e as gentes da Foz misturam-se nesta zona, entre os "queques", as vendedoras ambulantes de peixe e meia "pr'á sinhora", os eternos grupos de reformados à esquina da Távi com a descida que vai dar ao túnel da praia, toda a gente traz a carro até à porta das lojas, bufam, engalfinham-se, passam senhoras com 6 sacos de supermercado em cada mão, putos pedem "cornettos".
     E estão felizes porque, como diria o Vinicius de Moraes, "hoje é Sábado" ("mañana Domingo. . . "). As chuvas da semana passaram, o céu cinzento abriu-se em azul, um vento morno corre as ruas, as roupas de verão saem à liça, desesperadas por se mostrarem.
     Aqui, no café, entram casais com os semanários, o grossíssimo "Expresso", o "Semanário" e a fofocagem da "Olá", os títulos blasé e neo-conservadores do "Independente", tudo berrando com o referendo e o "Tratado de Maastricht" que é, actualmente, a discussão "in" nos meios político-jornalísticos.
     Ai que vamos perder a "Independência Nacional", que os nossos antepassados se levantam dos túmulos em Alcobaça, Batalha, Jerónimos! Ai que vamos ser criados de Bruxelas, Ai que nos vão roubar!
     Ora, a Verdade é que nos roubam sempre. . . Desde o Tratado de Methween que somos roubados. Roubados na Flandres, em Olivença, em Timor, nos Brasis e Áfricas, nos mapas cor-de-rosa e no parque de estacionamento do "Continente" da Senhora da Hora. Sendo assim, não será preferível entrarmos com quota paga para a quadrilha de ladrões?
     Sendo a ladroagem um facto, prefiro um Arséne Lupin, de casaca e monóculo, que deixa cartão e os cumprimentos, a um facínora menor que, para se locupletar com um castiçal, deita a casa abaixo! Antes o Jacques Delors que a Associação Portuguesa de Futebol, antes o "Bundesbank" que o Presidente da Junta, antes um estranho sensato que a besta do colega de escritório, português dos quatro costados, cabrão até mais não poder!
     Desconfio de todo o Poder e sei a sua tendência potencialmente mafiosa, mas o "Tratado" obriga a que as quadrilhas se vigiem mutuamente e força os gangsters a não cortarem as unhas em público, a falarem várias línguas e a satisfazerem periodicamente a populaça com pratos de lentilhas de boa qualidade!
Afinal de contas, não é isto a Civilização?

13. 06. 92