ESPÍRITOS
Sei que o espírito que me visitou nestes últimos tempos se está a encher de mim, já me chupou o tutano e quer partir para os mares do Sul. O "dom" da escrita apaga-se lentamente, os compassos de espera entre frases crescem, já não é aquele correr de alma mais rápido que a caneta, a reboque de evocações, metáforas, paisagens, marés insólitas que a gente até se surpreende por ter tanta coisa dentro de nós.
Mas não é verdade! É um deus brincalhão que passa, olha para baixo e, devagarinho, escolhe um pedaço de corpo para repousar, adormecer. E são os seus sonhos, porque um espírito tem mil almas, que nos dão esse acréscimo gratuito que nos levanta da modorra, dos dias boçais, do roncar e grunhir, desta prisão onde fomos encarcerados por obscura razão que desconheço.
Mas o dia chega em que tudo passa. Acordamos e sentimos essa ausência, portas a bater, um fechar de malas, um murmúrio de asas. Foi para onde tinha de ir, pois há coisas mais fortes do que nós. Como nas casas para alugar, resta-me "pôr escritos". Alma aluga-se. Várias assoalhadas em bom estado. Recantos aprazíveis. Exigem-se referências.
13. 07. 92