CAFÉS

     Que grande invenção são os cafés! Estes espaços públicos e anónimos onde por 60$00 se aluga uma mesa com 4 cadeiras, água, luz e telefone e onde estamos sós sem estarmos isolados. São uma forma de civilização que aprecio, dentro da qual nasci e onde me sinto bem. Mas, atenção, têm de posssuir um mínimo de frescura, não estarem a abarrotar de gente aos guinchos, miúdos ao "bate-fica" entre as mesas, senhoras a pedir-nos: "Dá-me licença que lhe leve esta cadeirinha? ". É que então o caldo está entornado, porque um Homem sente-se nú, como aquele jarrão da China que o António Silva estava sempre na iminência de destruir no "Costa do Castelo". . . Em resumo, os cafés ideais são aqueles que não dão lucro aos proprietários, (que também parecem não se dar mal com isso! ) e em que toda a gente tem tempo para desperdiçar. Reformado absorto no preenchimento de boletins do Totoloto, criado partindo cigarros ao meio, patrão limpando vagamente o balcão dum resto de laranjada, estudante a sublinhar, sublinhar, sublinhar, um casal que se come com os olhos, um cauteleiro que entra oferecendo a "Sorte Grande", uma ou outra mosca que esvoaça, Portugal no seu melhor.
     Cafés de vila e aldeia, sempre chamados "Arcádia", que dão para um jardim com coreto, muito antes da invasão do "cimballino" e dos pacotinhos de açúcar, só café de saco numas caldeiras de cobre, onde periodicamente se despejavam litradas desse líquido negro para dentro dum saco de flanela que, encardido, coava as borras e refazia o "nível", um pequeno tubo de vidro, espécie de barómetro de Torricelli, onde a pressão do mercúrio era substituída pelas pequenas oscilações do "preparado", depois tirado através de torneiras com cabo de marfim, ora viva o luxo!
     Cafés onde havia "Salão de Bilhares", de pano verde e ambiente sombrio, onde pendiam do tecto lâmpadas rectangulares arregaladas sobre as mesas de jogo, três ou quatro cadeiras para os mirones, os tacos, o giz azul para evitar o "espirro", o marcador que virava aos 50, lá ao fundo o WC com cheiros a criolina e a mijo, com palavrões nas paredes, portas para o inferno.
Cafés onde conspirei, amei, ouvia falar da guerra em Angola e na Guiné, cafés de estudo, cafés dos amigos, das conversas, das noitadas, das justificações perante a malta: "Então isto são horas de se chegar? ! Por onde é que andaste? ". E a gente respondia como se estivesse perante a bófia, que a coisa não era para brincadeiras.
Cafés onde se discutia futebol, política, as "gajas", os ricos, as mentiras que dizíamos uns aos outros, pois a regra era essa, "Tu aguentas o que eu digo e eu aceito as tuas histórias! ! ".
     Cafés que morreram, substituidos por bancos, companhias de seguros, centros comerciais, "snack-bars" de balcão comprido, combinados, "finos" e "francesinhas". É proibido estudar. É proibido ler. Pede-se aos Srs. Estudantes o favor de não estudarem.
     Nomes que ficam. Diu. Estrela Verde. Aviz. Imperial. Embaixador. Piolho. Primar. Café d'Arca d'Água. Juventude. Limonete. Munique. Ceuta. Canoa. Milano. As derradeiras viagens de Fernão Mendes Pinto

04. 07. 92


 

  • © Levi António Malho   -  Regressar a   " De Literatura, um pouco..."
  • Actualizado em 18.04.2001
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