AS TIME GOES BY
As luzes apagavam-se, uma cortina subia, uma imagem descentrada dos "Exclusivos Triunfo" com cavalos e quadriga da Porta de Brandenburgo avançava com os acordes da "Sinfonia do Novo Mundo". Eram as actualidades da "Pathé" que abriam a sessão dos cinemas de há tantos anos. Uma "voz off" comentava o chanceler Adenauer, a OAS da Argélia, um novo tipo de avião as jacto, uma passagem de modelos, uma inauguração do Américo Tomás. Depois, desenhos animados, Tom e Jerry ou Mr. Magoo, apresentações de filmes, o intervalo para comprar chocolates, tomar uma laranjada, passear nos imensos átrios do Coliseu, do Rivoli, nas carpetes fofas do S. João. Seguia-se o prato forte do filme de fundo, comentavam-se no fim as interpretações, que o tempo era dos "artistas" e não dos "realizadores". A escandalosa Brigitte Bardot, o moreno do Gary Grant (agora morto com Sida! ), a pureza quaker do Gary Cooper, as graças do Cantinflas, os decotes de Sofia Loren, o ar distante e introvertido de James Dean.
Mas isso era o "cinema fino", em dia de mesada ou aniversário. Para encher o olho, havia o Carlos Alberto, duas sessões, dois filmes, cadeiras de pau, barulheira infernal, índios e cow-boys, submarinos, guerra da Coreia, Japoneses e Alemães com cicatriz na cara, Totó, Fernandel, as cantorias esganiçadas de Joselito, as lamúrias de Antonio Prieto em "La Novia".
"Blanca y radiante se vá la novia", lenços a sair das carteiras, fungares e tosses. Era o género que interessava, filme de guerra, de espionagem, policial, de amor, drama, comédia, cómico e por aí fora. Depois apareceu o estupor da cultura, o "travelling", o "contre-plongé", o plano americano, os "Cahiers du Cinéma", a tese! E como se estava naquelas idades das coisas profundas, a armar ao pingarelho, cineclubes para trás e para a frente, gramei um curso de cinema, estopadas sem fim, "Último ano em Marienbad", sem perceber nada, encafuado na cadeira, coisa fina. Nem um torpedo, nem um destroyer a ir ao fundo, nem um assalto com fuga. Pois sim, ganhava-se a "mensagem", a "ideia", ainda hoje a espero, o raio da mensagem. . .
A gente já ficava contente quando era a cores, VistaVision, CinemasCope mais tarde, montanha-gelada da Paramount, holofotes a rodar da Fox, leão da Metro, e aventuras como no "Cavaleiro Andante", o "pirata Vermelho" do Burt Lencaster, ilha de Tortuga, donzelas de Espanha, um duelo a espadalhão que subia e descia escadas, eles no fim com um beijo, "The End" no écran, toda a malta já a sair e a olhar para trás!
O frio cá fora, guarda-chuvas que se abriam, um regresso a casa sonhando com batalhas, naufrágios, pradarias, espiões, gajas com boquilha que nos mandavam para "Rilha Foles" com um sorriso nos lábios.
E os filmes de natação? ! A Esther Williams a descer como quem vai para uma recepção com duzentas nadadoras no meio dum salão-piscina, muito penteada a entrar e sair da água, cem pernas, quinhentos pés, quatrocentas mãos sincronizadas? !
E o Fred Astaire a fazer sapateado, de casaca e chapéu alto, os "musicais" da 'grande depressão' em que, quanto maior fosse o desemprego cá fora, mais champagnes, diamantes e luxos na tela! Filmes de "Corte e realeza", a Sissi e o Francisco José austro-húngaros, os salões de Viena, as valsas, as estalagens no Tirol, os hussardos de casaco com uma manga, cheios de alamares, uma espada a arrastar no meio de faisões, javalis assados e galinhola transportada em cortejo por vasta criadagem de libré? !
O canastrão do Humphrey Boggart no "Rick's Café" de Casablanca, smoking, depois a gabardine ritual e o chapéu, rosto cirrótico, maus fígados, durão, hoje objecto de culto. Salvava-se, no piano, uma espantosa melodia, uma pérola eterna, confesso a fraqueza. "Play it again, Sam! ".
29. 07. 92