OS ARTISTAS

 

     Pum! Pum! Pum! PUM! PUM! PUM! CATRAPUM!
     Um tambor, um tamborete, uma gaita de foles transmontana descia a rua que dava para o mar, na mira da enchente de banhistas de fim-de-semana e de amealhar uns tostões. A "troupe" era constituida por dois miúdos com ar triste nos tambores, o pai na gaita de foles e provavelmente mãe e filho mais velho que cobriam a frente e a retaguarda com uma sacola verde, espécie de barrete de campino, onde chocalhavam as moedas recolhidas. Uma grande melancolia saía daqueles olhares, como nos arlequins azuis e rosa de Picasso.
     A melodia fazia lembrar manhãs celtas, montes, águas, coisas profanas e antigas, dum continente mais velho que a Cruz e o Crescente, curandeiros, bruxas, fadas e duendes. Era como se a cidade cosmopolita, civilizada mas a armar ao pingarelho, apressada, supermercados, Multibancos, "Expresso", visse sair das entranhas da terra uma legião de 5 pobres fantasmas, disfarçados de saltimbancos, como aquelas almas que se perdem na estrada de Douat e esperam pela noite de Todos-os-Santos.
     Encantado, fiquei a ver os artistas passar, esse lado-de-lá das paradas com "majorettes", dos saracoteios do Roberto Leal, da gaforina suburbana do Marco paulo, radio-cassette, ciganada, feira, camisa Lacoste autêntica por um conto e cem!
     Artista pobre, palhaço pobre, circo "Maravilhas" que ia pelas vilas e aldeias. As "troupes", era assim que se dizia. Às vezes ginastas, pequenos contorcionistas vestidos de grená com tapete estendido, que se dobravam para trás, uma cabra treinada que subia para a tampa duma garrafa, um tambor a acompanhar, sempre um tambor. Um realejo, um macaquito vestido de pessoa com uma caneca de lata, uma pandeireta à espera não da esmola, mas do reconhecimento pela grandeza da Arte.
     Arte, derradeira tábua na desgraça, vejam lá! Os cegos, as cadeiras nas esquinas, um violino, um banjo, um acordeão, duas ou três melodias sempre a girar, transmutadas em meio quilo de broa, umas batatas, o "comer". As "marionettes", os "Dom Robertos" na Cordoaria, a eterna história repetida, vozes esganiçadas por baixo duma barraca vermelha, bonecos em pau pintado, onde sempre aparecia um General, uma Menina e, fundamental, o DIABO! ! E pancadaria nas cabeças da bonecada, com um enormíssimo marmeleiro.
     --- Ai! O meu rico Artur! Toma! Toma! Toma! !
     Era a parte melhor, as entradas e saídas de cena, rapidíssimas, da esquerda alta para a direita baixa. Um espanto.
    Lançadores de facas, engolidores de espadas, vomitadores de fogo, ginastas, domadores, homens-das-forças. Artistas.
     Eh! Galerias. Eh! Museus. Eh! Gulbenkians. Eh! "Arco's" de Madrid. Eh! Bienais de Veneza, S. Paulo, Cerveira. Eh! Críticos, Jornal de Letras e outros que tais. Eh! Cambada. Abram-me por uma vez esses olhos cheios de néon e "vernissages", coktails e sessões de autógrafos. Venham ver passar os Artistas.

11. 07. 92

 


  • © Levi António Malho   -  Regressar a   " De Literatura, um pouco..."
  • Actualizado em 18.04.2001
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