"Era das Incertezas"
Carta 9ª ao Século XXI
© Lúcia Costa Melo Simas .( 2011 )
Murmúrios de Pandora
[ "Atomium! (pormenor). Exposição Universal de Bruxelas de 1958. Bruxelas. 2007 . ]
© Levi Malho - Imagem digital
A velocidade dos acontecimentos da nossa época torna já distante o 11 de Setembro de 2001. O modo de olhar o mundo, que tanto marca pensadores, politólogos e sociólogos mudou. Insistia-se que seria um virar histórico. Esse marco catastrófico porém, depressa se somou a outros. A escolha agora até pode recair, com mais realismo, nas trágicas terras do Japão, onde se deram catástrofes de tamanhas dimensões que ainda não podemos fechar as páginas desse terrível capítulo.
Os acontecimentos correm mais velozes do que nuvens num céu de tempestades.
Catástrofes maiores podem chegar. O 11 de Setembro revelou uma faceta do terrorismo que levantou sérios problemas aos Estados Unidos quando viram essa nova vulnerabilidade. A ordem mundial subverteu-se e o medo juntou-se à perplexidade da incerteza de todos. O temor de um novo inimigo, agora com um rosto anónimo e assustador, surgia com uma ameaça a quem culpados ou inocentes estão atreitos.
A globalização, a vida do próprio Planeta e o modo como vivemos nele sofreram mais interpelações e dúvidas. Já, de acordo Cyril Aydon, “o facto do ataque às “Torres Gémeas” ter sido praticado por fundamentalistas islâmicos teve consequências particularmente infelizes”[i]. De algum modo, pode legitimar a luta entre civilizações com “uma guerra contra o terror” ou talvez fundamentar a ideia de um “choque de civilizações”.
Com a tragédia no Japão, houve também uma ruptura no rumo previsível dos acontecimentos. Desta vez, ao contrário do 11 de Setembro, é óbvio que aumenta ainda mais a insegurança em qualquer parte do mundo, onde quer que o vento sopre, a chuva caia ou as correntes dos mares se dirijam. O que Chernobyl questionara, coloca-se agora com evidência.
Há escolhas sem retorno. Nesta fase da história, não há portas que se fechem aos outros. Nós somos os outros sem apelo, sem separações, isolamentos, classes ou estilos de vida. Fomos nós que acabámos com a divisão entre civilização, tecnologias e natureza. Agora, a natureza não pode ser pensada separada da civilização.
Ao terramoto, que por si só já seria terrível, veio juntar-se outro mal ainda pior com o “tsunami” destruidor e, por fim, a quebra da segurança das centrais nucleares que há muito, (2000) por culpa de um punhado de seres humanos, sem escrúpulos ou sem inteligência, ameaçavam riscos por não estarem em boas condições. Então, o que não devia acontecer e ninguém prevenia, ocorreu. Mais do que Chernobyl, os riscos espalham-se por todo o planeta e temos medo pelos outros porque outros somos nós todos.
A civilização tecnológica domesticou a natureza. Está nos seus domínios da pior forma e condicionou as reacções de plantas, águas, animais do lado de dentro. Desapareceu aquele lado de fora que ingenuamente se julgava eterno.
Se é possível falar de uma metáfora, será a de um barco, uma nova e estranha Arca de Noé, que nunca teve tanto sentido. O planeta viaja com o medo e o risco no seu bojo. Estamos num tempo em que tememos o Sol, a água das chuvas, os alimentos e os próprios animais. Na verdade, tornamo-nos mais iguais; receamos os mesmos riscos aos quais ninguém se pode furtar. Nada se pode democratizar mais do que os riscos e perigos a que todos estamos sujeitos.
Conforme reflecte Ulrich Beck,” Pode-se deixar de fora a miséria, mas não os perigos da era atómica.”[ii]
O quotidiano das sociedades continua sem mudanças na superfície. Os indivíduos estão entregues aos seus afazeres e dentro de um estilo de vida que parece continuar o mesmo. Mas a incerteza cresce, o medo torna-nos apreensivos, os riscos agigantam-se quando sabemos que um povo, com cerca de 127 milhões de pessoas, está ameaçado de morte. As repetidas réplicas são verdadeiros terramotos e todos somos impotentes perante isso. Os açorianos, de algum modo, estão mais “habituados”, a enfrentar os sismos. Talvez por isso, sabemos admirar a coragem dos que se arriscam a uma morte pavorosa tentando evitar uma maior catástrofe na missão mais altruísta de dar a vida por outras. Tal como os pilotos suicidas da Segunda Guerra Mundial, os “kamikaze” tornam a mostrar saber enfrentar a morte de frente e sem recuarem. Agora os sentimentos são diferentes. O risco é enorme e a ameaça de morte aterradora. As incertezas cada vez maiores e eles arriscam a morrer salvando vidas, com tal abnegação que os admiramos.
Tanto a relatividade como depois o princípio da incerteza da ciência emigraram para a literatura, as ciências sociais e adaptaram-se a qualquer sociedade o que, no mínimo, é um perigo quase oculto mas bem real. Face ao risco calculado que servia no início para as companhias de seguros, a situação sofreu muitas anomalias. As mudanças climáticas e as devastações que o nosso planeta sofre levantam cada vez mais fortes incertezas pelo amanhã. O hoje já nem nos pertence. Assim, a avaliação do risco calculado não existe mais.
Não há margem de estimativa para catástrofes cada vez mais aterradoras. Uma região, em que o povo tem taxa “per capita” tão elevada, nada tem a ver com Haiti, e detém possibilidades de retorno das seguradoras que põem gravíssimos problemas financeiros.
Baseado na trilogia de Agustina Bessa Luís, “O Princípio da Incerteza” Manoel de Oliveira realizou uma obra cinematográfica com esse tema que encerra mais desafios à condição humana.
“Tempo de incerteza” chamou à nossa época, António Barreto, numa obra sua. Sóbrio e escorreito, retrata um país cujo atraso é o mais cruel nas políticas. E, de repente nada parece já funcionar e o sistema envelheceu e a população com ele. Passámos do país mais jovem do sul da Europa para o mais envelhecido. “Quase de repente instalou-se um clima de medo.” Os portugueses também descobriam a incerteza.
NOTAS:
[i]
Aydon, Cyril, Breve História da Humanidade, Cento e cinquenta mil anos da nossa história, Edição Gradiva, Colecção Trajectos, Lisboa, 2010, p. 474.[ii]Beck, Ulrich, La Sociedad del riesgo, Hacia una nueva modernidade, Ediciones Paidós Básica, Buenos Aires, Argentina, 2002, p.14. (tradução nossa).
- © Lúcia Costa Melo Simas (Texto) - Regressar a " Os "Trabalhos e Dias" "
- © Colaboração na concepção da página - Levi Malho.
- Actualizado em 22.04.2011
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