"A Busca"

  • Carta 8ª ao Século XXI

    ©  Lúcia Costa Melo Simas .( 2011 )

 

 

 

               

Ser o que é

[  Estrada na manhã. Zona de Ponte de Lima. 2010 . ]

© Levi Malho - Imagem digital

         


                                                                       

                              

Parece que o ser humano nunca amou tanto a vida como agora. A intensidade da sua vivência leva a não aceitar respostas simples nem sentidos pré definidos para nada. A rebeldia atinge o quotidiano e há um vendaval de constante mudança. Causamos estranheza uns aos outros. Cada vez somos mais universais e as semelhanças até atemorizam. Sem causas a defender, sem certezas, a inquietação é o estado mais vulgar e o absurdo é uma presença que interpela cada escolha.
     Ao procurar o mais profundo dos sentidos para tudo acaba-se por não encontrar nenhum sentido. De súbito, depara-se com a injustificação para o que se faz ou pensa. É então que todos os sentidos são colocados como relativos, paradoxais ou ausentes.
    A perda do sentido criou  uma  regressão e debilidade social que rouba os valores tradicionais e não oferece outros. Esta perda vem tanto do nomadismo dos bons a que se refere Pierre Levy, ou a Bauman acerca dos intelectuais que ganham uma liberdade vazia, sem raiz. Ser estrangeiro em toda a parte é um anátema de quem não tem centro. O que está perto é estranho e o que está longe é bem mais conhecido.


    Na Idade Média, na época da reconquista cristã, a Península Ibérica era um mar revolto com “ ilhas" em fortificados castelos, ou alcáçares. Árabes e cristãos separados enquanto valentes combatentes varriam as planícies invadindo as “terras de ninguém”.
        Ao invés de caminharmos para uma continuidade, as “ilhas” cada vez mais se isolam num processo paradoxal de afastar de nós quem se parece demasiado connosco. O sentimento de pertença, no meio de multidões, diminui ao contrário do crescimento da continuidade medieval. Tudo acaba e recomeça até nos sentirmos “a mais”. Voltamos a questionar o sentido. Não faltam respostas, abundam mesmo em demasia. Conhecemos tantas ao longo de séculos. Cáucaso de Prometeu, torre de Babel, Graal, Sonhos de noites de Verão, Invernos descontentes, viagens de Verne, Gulliver, Alice e até a Lua. Não bastam. Queremos outros. Mais longe sempre tem de ser o horizonte e sem fim o sentido.
    Oferecem-nos circo vazio dos poderosos. A loucura da moda e do efémero. Descobrimos o cerne da negatividade do valor existir só para o instante da aceitação que é já sinal de morte. Se o homem antigo ou medieval encontrava sentido em tudo, agora ninguém o encontra e se o encontra raramente o consegue partilhar profundamente com o Outro. O problema não é a perda do sentido. Antes fosse isso. Mas é bem mais a descoberta. Nisso os artistas plásticos e poetas como o nosso Fernando Pessoa estão de acordo. Não há sentido nenhum. “O único sentido das coisas é elas não terem sentido nenhum.”
    Não será por aí, mas no coração humano que poderá encontrar resposta, e, mesmo assim não será do sentido mas da impreterível busca de sentido que é missão de andarilho e não estalagem de repouso.

A estrada, seja lá que isso signifique, é a verdadeira condição