"Regresso dos Magos"

  • O apelo das "sombras"!

    ©  Lúcia Costa Melo Simas .( 2011 )

 

 

               

Ser o que é

[  Rasto de ave marinha. Praia de Outono.Ofir. 2009 . ]

© Levi Malho - Imagem digital

         


                                                                       

                              

   Pode parecer estranho mas a mentira tem muitíssimo mais impacto e resulta bem melhor do que a simples verdade. Quando um fenómeno raro aparece, logo misteriosas sugestões e respostas cabalísticas são dadas. Ora, se alguém resolve investigar e descobrir a verdade, não só é pouco aceite como também desfaz um encantamento que as pessoas tanto procuram.
    Uma verdade sem brilho não é nada ao lado de uma luminosa mentira!
     Quando se explica um truque de ilusionismo parece que nos sentimos duplamente enganados. A forte desilusão ao descobrir a verdade mostra que as pessoas preferem viver num país de contos de fadas, de boatos, de mentiras, de espíritos vagabundos, almas penadas e vampiros que nunca tiveram uma tão grande voga.
   Torna-se até impossível de medir a credulidade pelo grau de cultura ou do saber das pessoas. É um fenómeno transversal a toda a sociedade que a muitos seduz, desde os enganos dos astros, da “força da mente”, do poder mágico de curar pessoas, ao Reiki que nada tem de científico ou provas de ser mais do que um placebo. Apesar disso, aplica-se em hospitais quando os médicos não conseguem resolver casos mais complexos, como acontece com a dor crónica. Muitas vezes, por trás destes padecimentos, estão outros problemas e razões psicológicas. Há sempre mil fórmulas pseudo científicas, naturopatas, homeopatas, aromo terapias, tudo vagamente oriental com auras e forças da mente que podem curar tudo o que os pobres mortais não atingem por vias científicas.
    Parece que ninguém quer ser enganado, mas não é bem assim. Há quem seja crédulo, ingénuo e incauto de nascença, apesar de toda a ciência que acumula ao longo da vida. Outros são fanáticos pela saúde e tudo o que for “natural” ou contenha algumas “propriedades ocultas” é óbvio que darão resultado!
    Há quem prefira que pensem por si, a dar-se a esse árduo trabalho. Os incautos e os supersticiosos caem nos mais evidentes enganos. O anátema das energias negativa e as cargas pesadas e sombrias de certas pessoas carregariam e espalhariam à sua volta são outro dos medos que pode atacar, mas nada mais são do que as velhas superstições do “mau olhado” transferido para a pós modernidade.

    Viemos da tribo com seus feiticeiros, passámos pelos oráculos, pelos astrólogos, bruxos e feiticeiros medievais e, em plena pós modernidade, não falta quem coloque a superstição à frente da lógica e do bom senso. O risco maior é quando alguém que tem um poder sobre multidões de seres humanos, tem por conselheiro nem mais nem menos um astrólogo, tal como refere o matemático Jorge Buescu[i], com exemplos concretos um pouco assustadores.
       Deste modo, quem pensar positivo fica curado. Se não conseguir tal cura, então a culpa é toda da pessoa por não ser forte e vencer a doença com a força do espírito. Mas já alguém pensou em curar uma perna partida com os tais pensamentos positivos, ou recuperar de Alzheimer, hepatite A, B, C, ou outras maleitas  apenas com essas tais energias positivas do pensamento?
         Entre intelectuais de renome, tal como entre ingénuos e ignorantes, grassa a mesma curiosidade pelo que não entendem e a preferência por explicações por causas assombrosas, misteriosas e cheios de enigmas que atraem muito mais do que a verdade pálida e sem brilho que a ciência oferece.
    Tudo o que é científico só se revela depois longos e cansativos trabalhos que retiram aquela curiosidade pelo mistério e por fenómenos inexplicáveis que nunca existiram, mas dão fantasia à vida, por vezes demasiado rotineira, prosaica ou desbotada para resistir ao encanto dos espíritos parapsíquicos, gurus com forças ocultas e grandes magos dos nossos dias. O certo é que são muitos os que enriquecem com as suas habilidades sem escrúpulos que exploram os pobres crédulos ou doentes que lhe caem nas mãos. 
   Um exemplo comum, que obteve grande moda, é o uso generalizado dessas pulseiras que prometem “equilibrar a energia” com uns hologramas, tal como os há nos cartões de crédito e outros. Um simples cartão desses, já fora de uso, tem também o tal holograma e, quem bem quiser, pode colocar isso numa pulseira. Assim não gastava mais nada. As tais energias poderosíssimas energias estariam lá! 
    Essas pulseiras atingem vendas formidáveis, sejam elas a Power-Body, a Power-Balance ou a Infinite, porém não passam de placebos que se tornaram numa forma de enganar pacóvios e ganhar muito dinheiro à sua custa. Desde Cristiano Rolando, às diversas personalidades mediáticas, ostentar tais objectos cujo efeito é nulo, só pode ser por imitação, moda, ou triste crendice.
   No fundo, o bem disso tudo está no espantoso e insofismável lucro para quem tal promove e se aproveita com todo o oportunismo da inexperiência e crendice quase geral.
   Há muitos anos atrás, já apareceram umas pulseiras de aço, das quais se diziam maravilhas, mas nunca se pôde provar nada, como acontece com esta nova aluvião. Afirma-se que risco de “ionização negativa”, (sic) seria vencido pelas “frequências naturais emitidas por hologramas”, e mais uma série longa série de frases sem conteúdo válido, mas extremamente assertivas que revela um engodo muito bem montado. Os cientistas insurgem-se em vão contra o abuso da falsa linguagem científica porém a corrida aos embustes aumenta.
   Afinal, a banha de cobra vendeu-se bem em todos os tempos. Agora não são nas feiras medievais, nem nas praças mas nos tentadores e espampanantes anúncios que tudo prometem e não passam de chamarizes para quem quer ser enganado.
   Em ambiente bem organizados dá-se a entender que tudo depende de umas tais energias e equilíbrio. Referem-se a descobertas milenares e com estudos determinados, com séculos de hermetismo e longos estudos mais avançados de Física, nas suas várias modalidades. A linguagem sedutora não deixa de espantar pela engenhosidade de meios e capacidade de usar conceitos fora do seu rigoroso contexto.

   Ora na Medicina estritamente convencional, por muito antiquado ou cabeça no ar que seja o médico, temos a certeza de que passou por um crivo de muitos e muitos anos de estudos e exames até poder dar um diagnóstico. Além do mais, uma tecnologia cada vez mais sofisticada acompanha qualquer processo.
   Nada disso é comparável a cursos de fim-de-semana, de duvidosa proveniência e com aplicações ainda mais confusas. Depois há os chás depurativos, os clisteres de café, a libertação das toxinas pela purgação, forte transpiração, os banhos de lama ou os mergulhos na areia horas a fio. Esta série de procedimentos para quem se submete a tais métodos pela sua complexidade até pode convencer de que algo irá produzir. Água, muita e muita água para “limpar e purificar” parece ser o primeiro princípio a levar em consideração seja lá para o que seja.

   Claro que a verdadeira doença aumenta enquanto se imagina purificar o organismo com a tal reequilibração das suas funções com toda a “limpeza e despoluição” física e mental. Para a naturopatia e demais “medicinas” alternativas todo o organismo tem necessidade de limpeza. Assim, é lógico que os rins, os intestinos, a pele, os pulmões e até as toxinas presentes no nariz, nos ouvidos ou no estômago precisam de “ajuda” com tudo o que a imaginação possa supor para retirar as “impurezas” que todos carregamos.
    Desintoxicação e revitalização tornam-se duas faces da mesma moeda com a crescente obsessão pela saúde até à ironia de ficar doente. A medicina alternativa e suas congéneres enquanto aplicadas em pessoas saudáveis que querem regimes vegetarianos e formas ditas “naturais” para a melhor prevenção de doenças, não terá muito risco. Na terra de ninguém, que fica entre doença e saúde, não faltam casos bem divertidos como o da geoterapia para cura das varizes, que nada não é do que passar uma hora inteirinha de cabeça para baixo, pois as pernas devem estar acima do coração (sic) ao sol da manhã! E pode ainda beber a miraculosa argila misturada com cebola ralada ou passear na banheira cheia de água horas a fio!
    As dietas nunca deixam de ter chá de nabos, couves, ou misturas incríveis, tal como barro diluído, o que não deve ser lá muito fácil de engolir, estranhíssimos sumos acompanhados de forte persuasão de assim conseguir um bem-estar crescente e cura completa. As cataplasmas de plantas e unguentos acompanham os tratamentos, mesmo que o olfacto muito sofra com isso. Por vezes, usam-se uns mirabolantes aparelhos capazes de retirar as horríveis impurezas que o nosso organismo por certo carrega. Em alguns casos, apenas com o simples mergulho dos pés num recipiente que se diz ser sempre cientificamente provado, como o mais eficiente de todos os tratamentos, para libertação das impurezas.
   Interrogamo-nos ingenuamente acerca da razão da medicina convencional ignorar estes prodígios!
  Fala-se de humidade do coração e de calor ou frio do organismo, do funcionamento da fleuma, vagamente a recordar a velha tese de Hipócrates de um modo tal que nos parece ter recuado de repente muitos séculos até mãos míticos tempos dos quatro humores. Toda a panóplia de tratamento dá a estranha impressão de que estamos sujos, mas podemos ter um organismo “imaculado” se fizéssemos uma “lavagem de roupa”, igual a uma velha barrela das nossas avós, numa preocupação pela limpeza corporal que roça o doentio, com a obsessão de beber água a todo o momento e nos locais públicos menos adequados.
   Diagnosticar, tratar e curar tudo pela força da mente é o objectivo, acompanhado de imprescindíveis limpezas das toxinas porque somos todos umas tristes vítimas da contaminação conspurcada e transportamos resíduos que o nosso organismo conserva indevidamente.
    Entendemos que, quando uma pessoa se vê perigosamente doente, se encontra desesperada  e sem grandes esperanças dos médicos, não há dúvida que quer tentar tudo o que possa dar alguma luz nesse negro desanimo. É então que a credulidade aumenta na ilusão de haver uma possibilidade de cura. A sua fragilidade pode ser explorada por pessoas sem escrúpulos, mentalmente muito perturbadas, ou intrujonas que não hesitam em praticar os maiores disparates em processos que não passam de mistificações sem sentido minimamente científico ou com bom senso.
     O que se exige ao iniciático, ou pobre doente, é que acredite e colabore em tudo. Mas quem pode colaborar pela força da mente na cura quer numa irritante frieira, ou numa pneumonia? Não seria o mesmo que tentar consertar um computador colocando-o nas mãos de uma pessoa que o lavasse ingénua e escrupulosamente? Para quê chamar um técnico se, com a força da consciência, se pode ir muito mais depressa?
    Repare-se que se trata de ilusões tão bem planeadas que tem paralelo com aqueles contractos que os incautos assinam de boa fé, depois de tudo lhes ser explicado, menos aquelas letrinhas muito miudinhas, quase invisíveis que também trazem os tais remédios miraculosos, naturais e fantásticos. Lá podemos ver escrito o que nunca está na propaganda, nas grandes frases dos sorrisos das pessoas saudáveis ou de bata branca para dar impressão inconscientemente de estarem ligadas à medicina. Assim se pode decifrar com extrema dificuldade frases neste género “sxs” é um suplemento alimentar. Este produto não tem a intenção de diagnosticar, prescrever ou prevenir doenças.
    Isto dá a dimensão da fraude e de toda a falsa honestidade.
    Nunca tais palavras, lidas com algum bom senso, se podem aplicar a um medicamento que não diagnostica, nem prescreve (sic)  e muito menos pode prevenir seja do que for. Para quem se der ao trabalho de aprofundar isto, vê logo que se trata de uma protecção perfeita para qualquer problema se não der algum efeito nem cura, nem melhoras. Maquiavel não faria melhor na sua diplomacia: “manha de raposa e ânimo de leão” pois retira todas as promessas que estão nas curas esperadas e testadas, com testemunhos fantásticos, em anúncios espectaculares das regenerações maravilhosas de uma saúde mais do que perfeita.
   O certo é que há fases de doenças muito graves que manifestam um exacerbamento repentino que pode assustar muitíssimo o pobre doente. Em seguida, a doença recua e tem uma fase estacionária em que todas as esperanças de cura regressam.
   Se, por acaso, num momento de desespero que é muito natural, o doente na fase de grande sofrimento e de desânimo encontra uma pessoa, um grupo ou até uma clínica que promete milagres, o certo é que corre para lá, cheio de esperança. E começa realmente a sentir-se melhor, mas forte e animado.

  Este foi o caso do famoso actor Steve McQueen[ii], um, entre muitos dos doentes americanos, que recorreu a uma das muitas clínicas do México, existentes perto das fronteiras onde pôde ser tratado com o produto “laetril, proibido nos EUA, e que nada mais é do que uma substância química extraída de frutos e que nem sequer é inofensiva. Claro que tanto este actor que, no início, dizia maravilhas do tratamento, acabou por morrer tragicamente como muitos outros, enquanto através tratamentos convencionais a taxa de curas é cada vez mais elevada.
    Os doentes em tratamento podem estar numa fase regressiva da doença, depois de uma terapia de quimioterapia em que normalmente atingem um estádio muito negativo com o quadro muito sombrio para os leigos, e o tratamento fraudulento coincide com as melhoras que a quimioterapia trouxe mas atribuem ao novo “tratamento” com as águas miraculosas, as dietas fantásticas de limpeza. Apesar disso, as pessoas em causa mostram-se muito ofendidas quando duvidamos dos efeitos reais de toda a encenação e a morte dos pobres doentes é atribuída à sua falta de “força de vontade” e resistência a “colaborar” na cura!
    Para se protegerem da falta de aceitação de tais “métodos”, os adeptos destas ditas medicinas alternativas, naturopatas quitostáticas,  medicinas herbais e uma legião de diferentes títulos mas com o mesmo conjunto de mistificações, recorrem habilmente a teorias da conspiração. Na maior parte dos casos, são agressivos, intolerantes ou mostram-se infelizes e inocentes vítimas de incompreensão e má vontade da ciência que se recusa aceitar o que não entende e é avessa a ideias novas ou ao espírito aberto.
    O certo é que é ilusão ou forte distúrbio acreditar que se pode controlar com a mente tudo o que nos rodeia como se nós fossemos uma espécie viva de um posto receptor das forças cósmicas, como nos querem fazer crer, que adquiria o poder, o dinheiro, a felicidade e a auto cura está com a vontade mental.
   Seja a lei da gravidade, o rumo das estrelas, a irritação de um taxista, a inveja de um colega, ou uma queda na rua, não há energias “positivas” ou “negativas” que mudem o caso.
    O nosso corpo não tem nenhum “campo energético” a emitir e a receber “forças” do Universo como se fosse um radar ou receptor e emissor. O embuste embrulha-se em fraseologias científicas à mistura com vaga sabedoria oriental que pode até relacionar-se com a Física quântica!
    Ouvindo um desses gurus, temos de ter muita atenção para com a sua dissertação quase convincente no início e que vai tomando fôlego para entrar nas filosofias, nas místicas orientais, nas ciências de que se apropriam com a maior leviandade. Os cursos são rápidos, as lições por vezes á distância, a observação de de doentes e recurso científicos são mais do que superficiais.
     Depois, com toda a possível seriedade com ares de sábios mestres, lêem os exames, as análises e toda a documentação da medicina convencional como pudessem ser peritos em tais campos que onde a sua ignorância é crassa e se limitam a dar parecer de “entendidos”.

   Após a aparição das medicinas quânticas, espalhadas aos quatro ventos, uma pasmosa e enganosa farsa, sem fundamentos científicos, apresenta a Física absolutamente desvirtuados e vítima de abusos aterradores para enganar incautos e ingénuos. Seria inofensivo e até humorístico, se não se fizesse fortuna e nada de bom pode dar aos ingénuos, para além do habitual efeito de placebo.
  É certo que a força da sugestão pode durar algum tempo. Porém, mais tarde, os resultados podem ser devastadores e irremediáveis. A obsessão pela despoluição e purificação está patente em todas as formas de medicina alternativa. Assim é com a chamada medicina Ayurvédica que tem por fim libertar as toxinas presentes no nariz ou estômago, intestino tal e qual como antes a panaceia para tudo eram as sangrias do tempo das comédias de Molière.
   Nos inícios do século passado, numa obra cheia de humor e sentido prático, bastante esclarecedora, dois Esculápios dedicaram-se a investigar os remédios das “Bonnes Femmes”. Foram os dois médicos Cabanès e Barraud,[iii] mostravam claramente a causa da validade da medicina popular. Interrogando-se acerca da sua origem a resposta era: “a terapêutica popular é a terapêutica científica de outrora. Observando um qualquer desses remédios e iremos encontra-los aconselhados por um médico, numa determinada época da história da medicina, depois de Hipócrates e Galeno e que chegou aos nossos dias.
  O povo não esqueceu nada, a medicina popular não é mais do que a medicina de todos os tempos, conservada até aos nossos dias. São os remédios científicos de ontem. (…)".
    Não sabemos que os remédios que usamos serão afastados com os avanços científicos do futuro, apesar de toda a sua aclamada eficácia de agora?
     “Em geral, os velhos costumes e hábitos doutras eras desaparecerem pouco a pouco a maior parte das províncias. O nosso século de progresso, graças ao vapor e á electricidade, fez uma ruptura quase completa, em detrimento da beleza e do pitoresco fio condutor das memórias que nos liga aos nossos antepassados e, se é que se pode dizer, das tradições, têm os dias contados.

    Na época em que escreviam, 1907, a medicina moderna dava os primeiros passos e os autores incriminam a sua classe de não ser mais aberta nas explicações dadas aos doentes. Na verdade, os termos técnicos podiam ser inteligíveis mas também sem partilhar das novas teorias e conhecimentos o povo e mesmo as pessoas mais instruídas nunca teriam tanta confiança nos médicos. Aprofundando a relação do médico com o doente e falando por experiência própria, faziam ver que especialmente

     " (...)os camponeses gostam de explicar longamente o que sentem. Antes da consulta, já têm um discurso preparado e estão convencidos de que tais explicações são absolutamente necessárias. Se o médico lhes corta a palavra ou os interrompe, ficam absolutamente desorientadom. (…) Imediatamente formarão esta opinião da qual nunca mais saem: «Como pode ele saber o que tenho, se não me deixou explicar nada?» [iv]” (tradução nossa).

 

   Nos tempos mais recentes, as medicinas alternativas rodearam-se de uma certa dose de psicologia, um pouco ao nível dos livros de auto-ajuda, para entender o que tem o paciente e como quer ser tratado. Isso leva a que sejam bem longas as conversas de modo a criar uma confiança grande, quase familiar, ou uma devoção temerosa de “alguém” com certos dons acima do comum dos mortais.

   Foi o Dr. Deepak Chopra, um indiano que seguiu a medicina Ayurvédica, quem teve grande êxito, com a mirabolante ideia de relacionar a física com a medicina quântica. As afirmações que faz acerca do espantoso poder de retardar o envelhecimento e até de conseguir o feito de alcançar “moléculas felizes” com um treino de auto cura que não tem mais finalidade do que “vender esperança”. Obteve excelente resultado pessoal com um enriquecimento espantoso e uma fortuna extraordinariamente próspera.
   É tal a sua confiança nos pasmosos efeitos dos seus tratamentos que afirma «Se pudesse viver em sintonia, então é que sentiria o sabor da eternidade».
   Não há quaisquer provas de que os benefícios que não sejam mais do que um certo relaxamento. Mas este médico, agora já riquíssimo que não exerce medicina, afirma ainda que “ ao contrário de nossas noções tradicionais de envelhecimento, podemos aprender a dirigir a forma como o nosso corpo metaboliza o tempo”.    A promessa é mais do que tentadora e o sonho de Fausto podia agora realizar-se sem Mefistófeles roubar a alma de alguém.  
   Pena é que Fritjof Capra, físico vienense, na sua obra,  “O Tao da Física”[v], (1975)   tivesse encontrado um enorme acolhimento sem que com isso a sua obra seja verdadeiramente séria. Alcançou mesmo algum sucesso entre pensadores e filósofos que deviam ter mais cuidado em entrar em áreas que não dominam. O que começa por ser um livro que tem uma exposição aceitável caia em desvarios de relacionar a boa ciência com a má metafísica hindu que na Antiguidade nada tem a ver com a ciência de hoje. Todavia, já no seu prefácio, Capra denuncia alguma perturbação que, com algum bom senso, serviria de aviso, dado que afirma ter chegado às suas conclusões com a ajuda de “plantas do poder” cujo efeito alucinogeneo é conhecido. Foi assim que o autor confessa ter encontrado parecenças entre a dança de Shiva e a teoria quântica. A insistência em teses que unificam as distantes relações entre misticismos, danças cósmicas com toda a sua linguagem metafórica e até reminiscências de mitos egípcios e a física quântica pertence aos seguidores da New Age, mas o sucesso provem bem mais de uma ânsia de encontrar um sentido para a vida e uma busca da felicidade que reverte muito confortavelmente para os seus adeptos em receitas e vendas consideráveis por todo o mundo. Mais uma vez, nada há de verdade ou de curas em tudo isso. Apenas mais uma forma de ilusão que tanto mais se espalha quanto mais as pessoas sentem o vazio e a incerteza das suas vidas numa época de pessimismo e crises, muito propícia para tal resultado.

  O famoso e credível físico, autor de “O Código Cósmico” e outras obras de inegável cientificidade, Heinz Pagels rejeita com veemência “qualquer conexão significativa entre as descobertas da física moderna e as afirmações metafísicas da “medicina” Ayurveda.” Tal seria uma burla em que a obra de Capra é exímia e que iludiu alguns filósofos menos atentos ao que é verdadeira linguagem científica com o seu rigor e os seus limites. A esse respeito temos também a apreciação que fez Robert Carroll[vi] que afirma violentamente indignado “A apresentação das ideias da física moderna lado a lado, e aparentemente em apoio, às ideias de Maharishi[vii] sobre “consciência pura”, podem apenas se destinar a enganar aqueles que não conseguem aprender nada de mais útil. Ler esses materiais (...) dá-me agonia, pois sou uma pessoa que valoriza a verdade. Ver as belas e profundas ideias da física moderna, o trabalho de gerações de cientistas tão perversamente distorcido, provoca-me um sentimento de compaixão por aqueles que podem ser enganados por essas distorções.

    Mas os domínios alternativos não parecem ter fim Através da alfa biótica, existe a crença no vitalismo e depois a afirmação de que todos os males derivam de um desequilíbrio e carência de “energia vital” Usando meios espirituais e uma série de discursos superficiais e sem coerência apenas por meios “espirituais trata-se de desbloquear, harmonizar e unificar o corpo e a mente. A falta de resultados satisfatórios “explica-se” por carência de energia vital e de empenho pessoal em seguir os passos com todo o rigor que os discípulos dóceis devem manter. Se não for correctamente aplicada e no tempo devido a purificação não se fez e já as
pessoas não limparam devidamente a mente e o corpo e por isso não podem viver melhor e por mais tempo.   
     Foi o “génio” da mente que veio a descobrir segredos que estavam ocultos desde a pré-história. Basta porém aceitar este falso argumento para daí surgir toda uma série de falácias com o argumento da autoridade, recurso a citações de um pobre filósofo, de um discurso bem complicado que nada diz, citação de algum cientista famoso, a NASA ou o MIT para saltar em seguida para a prédica de um guru todo místico e com a panóplia subjacente da New Age a reforçar a lastimável ladainha de desintoxicação, purificação, limpeza do espírito e do organismo, quer pela água, ervas e raízes, quer pela força do pensamento!
   Uma breve consulta da Mecânica quântica orienta-nos para áreas de profundo saber em que somos leigos, mas temos de ter a humildade de reconhecer que tais estudos são fruto de árduo trabalho científico, que só está ao alcance apenas de alguns.
     Claro que a lei de Murphy torna-se num caso humorístico, pois podemos relacionar uma série de coincidências a partir do momento em que começamos a pensar num antecedente que se toma por causa. Entre o antecedente e a causa real muito se pode congeminar. Quem está atento a sinais de coincidências tomadas por causas reais verá certos acontecimentos com tanta parcialidade que é depois difícil afastar sem bom senso e rigor lógico de ver o todo em vez da parte. O caso da torrada que cai “sempre” no chão do lado da manteiga é paradigmático. Quando assim acontece tomamos atenção e em todos os outros casos não damos conta.  
  Quando algo nos corre mesmo mal, temos tendência para estar mais atentos e imaginar uma correlação qualquer que a nossa atenção descobre pois elimina o que de bom também acontece.
    Há já um tempo atrás, 2007, uma australiana, Rhonda Byrne, que na altura era produtora de rádio e de televisão, conseguiu o feito de, com um único livro e muita esperteza, ficar rica e famosa. A sua descoberta era a de um “segredo” que foi conhecido através dos séculos apenas pro alguns “iluminados" que nunca o revelaram mas que ela veio a descobrir. Era a capacidade de atrair as “forças do cosmos” para si mesmo e depois com a sua sintonia mudar o curso do próprio universo e possivelmente as leis da física e toda a natureza.

     Como é que alguém no seu perfeito estado mental e sem uma distorção profunda da realidade e das ciências, pode acreditar ao ponto de se deixar enganar pondo a “lei da atracção universal” orientada a seu favor através das capacidades mentais? Um pouco mais louco do que imaginar que só por ter uma bússola, sem mais trabalhos ou canseiras, logo chegar certinho ao Pólo Norte!
    Com um bom sentido de persuasão e muitos exemplos sem qualquer fundamento, a ideia de que podemos “atrair com o poder da mente” tudo o que desejamos, por mais louca que seja a ambição, vendeu-se muito bem! Tanto que o livro já ultrapassou os milhões de exemplares. Nem assim apareceram multidões de leitores com sucesso a aclamar resultados esplêndidos e realizações plenas. Antes as pessoas ficam frustradas, ou convencidas de que não sabiam usar o tal “poder oculto”, culpando-se a si mesmas agora da sua falta de energia para canalizar as boas energias de todo o Universo para a sua mente e assim não se transformarem num Alexandre Magno, num Napoleão, num Shakespeare, num Newton ou Einstein.
    Esses sim, afirma convictamente a autora do livro “O Segredo”, eles sabiam usar o poder de uma suposta “descoberta”, que nunca quiseram revelara ninguém. Não se explica como foram tão egoístas! Os felizardos que sabem transformar-se num posto de recepção de “boas energias” calaram-se bem calados. Os outros seres humanos só agora e graças ao famoso livro, poderiam pôr em prática um poder imenso e terem tudo o que querem com o mundo inteiro a seus pés! Não podemos “sintonizar” energias positivas e canalizá-las para nós, como se fossemos um posto receptor de mensagens extra terrestres ou cósmicas.
   Se ainda podia duvidar que não há quem queira ser enganado, bastava ver como não surgem protestos contra esta fraude. Foi apenas mais um simples livro de auto ajuda, por muito bem que venda o produto e o embrulhe em maravilhosas e convincentes palavras, misture bem ciência e crendices, que se tornou num sucesso de vendas, quando a publicidade e todas as técnicas se põem em acção.
   Depois de fazer fortuna, temos de concordar que a australiana descobriu um segredo, mas é uma bela fórmula para quem quer ser enganado! Isso só foi para a astuta autora e não para todos os que correm como coelhos atrás da cenoura.
   Por outro lado, a loucura das falsas ciências atinge os mais altos redutos do saber. Quando uma tão famosa instituição como é a Sorbonne aceita uma tese científica acerca da astrologia o que está em causa já não é o facto de uma senhora socióloga de nome Elisabete Teissier ou Germana Hanselmann ter obtido o doutoramento em astrologia, mas o facto de um júri a ter aceitado. “Durante duas horas e meia, na faculdade mais prestigiada de França, falou-se de borras de café e de bolas de cristal, dando-se a entender que se falava de Sociologia.” (…) É escandaloso que uma astróloga obteve modos de se  inserir na Universidade, mas ainda pior “são os quatro professores que a admitiram no seu seio sem pestanejar.[viii] Para os cientistas Georges Charpak e Henri Broch, respectivamente prémio Nobel da Física e professor da Universidade de Nice-Sophie, Antipolis, coloca-se o problema de invalidar esta tese já que tudo isto dá pretexto a dar estatuto científico a actividades como a feitiçaria, ciências ocultas e “outras actividades nas quais se desenvolvem os talentos de dezenas de milhares de profissionais que prodigalizam conselhos, apoio e consolação a milhares de franceses[ix].

 

   O mais arrepiante e assustador estará ainda no risco crescente de tais actividades pseudo científicas terem sido usadas através dos tempos e ainda mais nos nossos dias, por charlatães junto de imperadores, reis e pessoas todas poderosas. Estas personalidades dos nossos dias, com todo o seu poder decisivo de nível mundial, com a sua incrível credulidade põem em risco todo o planeta. A New Age não é só um cadinho gigantesco onde se amalgamam todas as crenças, superstições, influências religiosas, estilos de vida do Oriente e do Ocidente são um triste sinal de mentalidades onde impera o irracionalismo mais absurdo. É ainda um enorme risco, fraude e perigos graves, todas essas pessoas que se arvoram em arautos de poderes e capacidades para normais, inventores de modos de cura e felicidade sem parar, aproveitando-se da credulidade e fraqueza mental de uma população ávida de novidades e de bem-estar e na sua busca de salvação seja a que preço for. Este pode ser um preço bem alto para toda a humanidade. Quanto o Iluminismo se iniciou, jamais de pensaria que se podia transformar em mais um meio poderosíssimo de dominar em vez de conhecer. 
   Entretanto, as pulseiras e toda a espécie de banha de cobra vendem-se optimamente até que surja um novo produto bem embrulhado e colorido quer em moda quer em publicidade, pronto para consumir por quem quer ser enganado!


 

 

NOTAS:

 

 

[i] Buescu, Jorge, O Mistério do Bilhete de Identidade, Editora Gradiva, Lisboa, 2001, p. 162

[ii] Idem, Ibidem,

[iii] Cabanès, Augustin, Barraud, Jean, Remèdes de Bonne Femme, Comment se soigne aujourd´hui,  Bibliothèque de Curiosités & Singularités Médicales, Maloine Éditeur, Paris, 1907, pp 106-107.

 

[v] Capra, Fritjof, O Tao da Física - Um paralelo entre a Física Moderna e o Misticismo Oriental, Editora Cultrix, São Paulo, 1993. http://www.skepdic.com/brazil/ayurvedica.html 4..4.11. 

[vi] Carroll. Robert, The Skeptic's Dictionary Idem..

[vii] Nota - Maharishi Mahesh Yogi -  trata-se de um guru hindu que esteve nos Himalaias e que depois divulgou a Meditação transcendental na América do Norte em 1957, com enorme sucesso entre a população burguesa. O actual preço de um simples curso de MT é exorbitante e inacessível à maioria dos potenciais interessados. Maharishi contrapõe que a formação de instrutores e que a manutenção da organização é muito cara e que além disso os benefícios da prática da MT são para uma vida inteira. O certo é que esta política pouco sensata e irrealista, que se agravou a partir dos anos 1990, levou ao afastamento do cidadão comum da aprendizagem da MT e, inclusive, ao encerramento de inúmeros centros a nível internacional. Houve bastantes rupturas em vários países dentro do movimento e alguns instrutores passaram a ensinar a MT por conta própria, cobrando preços mais acessíveis à generalidade do público. http://pt.wikipedia.org/wiki/Maharishi_Mahesh_Yogi, 12.01.11.

[viii] Science et Pseudo Science, (AFIS), nº. 246, Abril, 2001, p.2-12.10.

[ix]  Charpak, Georges e Broch, Henri, Feiticeiros e Cientistas – O Oculto Desmascarado pela Ciência, Edição Gradiva, Colecção Ciência Aberta, nº. 121, Lisboa, 2002, p 150.