"Os Filhos da Europa - III"
Ainda o Titanic
© Lúcia Costa Melo Simas .( 2011 )
A roda da Fortuna
[ Queda de folhas em manhã de Invernia. Jardim Botânico. Campo Alegre. Porto 2010 . ]
© Levi Malho - Imagem digital
No meio de tudo isto, que vai numa bola de neve por uma montanha do tamanho do mundo, o único que realmente é meu é o ponto de interrogação e, apesar disso, duvidosamente meu.
Ao som de “Que parva que eu sou” a ecoar irritantemente aos ouvidos, pois a música se repete na minha mente, como velho disco estragado, recordo o filme que vai somando prémios, à custa de um rei que era gago. Claro que Demóstenes também foi mas curou-se e era um génio! Cada vez menos pessoas, saberão ao longo do século XXI, quem era Demóstenes apagado que está nas brumas dos livros que falam das grandezas da Grécia. Isto pode nem parecer lógico, mas agora estamos todos interessados pela vida privada e alheia e queremos saber porque é que o rei não podia fazer discursos. Um rei que não fala é como um relógio sem ponteiros. Não terá interesse histórico um gago ser rei, ou um rei ser gago, o que não bem o mesmo, mas toda a gente aprecia e pronto, isso é proativo. Proativo também é um termo muito bom para usar quando se quer mostrar atualidade. Com isso nos entretemos e a voz soa a dizer repetidamente “que parva que eu sou” retroativamente num rasto de comentários, de impropérios, perplexidades e aplausos selados com a intervenção dos media que em tudo querem estar e agora até nem deixam morrer os idosos em paz e sozinhos.
Dá a impressão de que o pecado é meu, com juízos temerários, ou a levantar falsos testemunhos, mas mais me parece que os media, desencantados e sem notícias de sangue e violência, desataram a correr Portugal de lés a lés em busca de farejar cadáveres de velhinhos mortos e sozinhos. Nunca ninguém ficou tão famoso, só por morrer, como a pobre senhora lá de um bairro de Lisboa onde toda a gente é entrevistada para dar opiniões à última da hora. Ela e Monsieur de La Palisse são um belo par de mortos. A caça a idosos que vão morrer ou já estão mortos e abandonados em lugares cheios de multidões agora ainda começou! Todos falam disso e eu, “que parva que eu sou” também falo do mesmo. Se me entrevistassem, “que parva que eu sou”, também apontava para dois ou três casos de anciãos mortos e abandonados, roídos de ratos, um pouco como “o menino de sua mãe” de Pessoa.
Podia falar do Egito em gloriosa revolta, sabe-se lá como acaba uma revolução?, e o meu computador teima em escrever à antiga, como antiquado e bem micaelense é a frase “ir parar ao Egipto” bem ligado àquela velha expressão de “pegar de cabeça”, que faz rir e pensar em touradas e valentes forcados a todos os que não são indígenas desta ilha! Ainda se diz vagamente “pegar de cabeça” o que não é “pegar de caras” da gíria tauromáquica de que tão pouco sei. Os egípcios são teimosos e lá conseguiram demover o tirano. Agora esperamos todos que acertem na escolha de novos governantes já que demonstraram que não são parvos nem querem ser escravos. Como um rastilho de pólvora à solta em pinheiral seco de pleno Verão, os árabes começaram a usar a Internet depressa e bem. Não é que se juntam agora e sonham com democracias, enquanto os tiranos cerram fileiras ou desatam a fugir para as boas contas da Suíça, um suave país, onde reina a ordem, a democracia e o bem estar de um povo ordeiro e bom que faz relógios de cuco e guarda zelosamente contas de quem mais puder colocar o que delicadamente desviou de um fim que era menos útil para a maioria. Stuart Mill teria muito que dizer com o seu utilitarismo e lado a lado com o mefistofélico Comte gostaria de ver a sua “Ordem e o Progresso” a acenar na Suíça, em vez de no Brasil que tem ainda uma história por escrever.
O Mandarim de Eça continua vivo! Ninguém mexe uma mosca na ponta de uma espingarda! Os chineses devem ver a Internet depois da meia-noite, com mil cuidados e o prazer de saber notícias deve ser grande para uma minoria com fome, enquanto jovens correm para ver içar a sua venerável bandeira a horas bem impróprias. E o soldado de guarda boceja, face a tais correrias. Só ele deve saber mais do que os jovenzinhos que devem estar loucos sem deuses.
Por este mundo de Cristo a mudança atinge tudo e todos e é ver a dificuldade de entender o que se diz e mais ainda o que se fala. O fato do fato soa mais a um ato de fé que a um auto de Gil Vicente ainda às turras com a língua castelhana, ou até Camões que não se escusava a uma “fermosa e não segura Lianor pela verdura”…
Seguros de nada, é como andamos nós todos, loucos por compras, às portas dos paraísos das grandes catedrais de consumo sem hipopótamos nem filósofos. Há sempre uma Montanha Mágica, mais negra que o branco nevoento Castelo, onde só a morte não entra apenas espreita com prazer de quem vê uma farsa. A ironia da cultura de morte é ser hedonista! Mas ninguém repara nisso pois pensar é sempre um perigo de abandonar os conformistas da velha tribo. Temos problemas antigos que nunca reparamos pois somos heróis de bairros sem causa, capitães sem adeptos nem piratas e sonhamos com uma Terra prometida qual judeus errantes sem Moisés. Claro que sabemos todos onde está a pólvora e como os árabes nunca gostam de perder oportunidades de revoltas. Mas desta vez, voltamos, ao que pode ser, a uma nova luta onde a democracia nem é, nem pode ser, um caminho doce. Se rebentou um vulcão com “que parvos que não somos” daí a nada temos o pasmo das barbas do profeta arderem, pois ao lado já ardem e podem ver-se clarões de madrugadas.
O problema é que nunca estivemos seguros de coisa nenhuma. Só agora se começa a perceber que este planeta não é para fracos, tem muitos macacos ainda, loucos demais e não há nenhum ser vivo que não esteja em perigo de vida desde que nasceu. Os mais pessimistas, sem estar a sofrer muito podem suspirar “O mal pior é ter nascido” e Schopenhauer, bem inteligente, deixava de lado a triste vontade como representação e ia ao teatro ver uma nova representação ficando depois com vontade de uma boa ceia. Os pessimistas não guerreiros em férias. A questão é que, a maior parte do tempo, temos tido sorte ou não chegávamos aqui nem ninguém a ler isto.
Fernando Pessoa morto e vivo repete por aí, pela lusofonia inteira, solene e circunspetamente, “A minha pátria é a língua portuguesa!” Meu bisavô escrevia com toda a seriedade Pharmácia e nada de mal sucedia senão a compra de açúcar que se vendia lá, pois só nesse local havia o doce produto. Agora diz-se do modo mais comum que se tomam medidas, sem nada medir, em vez de tomar providências como também “se entra em depressão” ou paranóia se a coisa é mais grave. Mas “entrar” em depressão não é o mesmo que entrar na camioneta para a cidade por mais que se use estrangeirismos em terras de El Rei D. Sebastião, esta Vila onde os últimos sebastianistas existiram conforme escreveu Padre Ernesto Ferreira. Dizia a lenda que apareceria no ilhéu, numa manhã de nevoeiro, e é esse encoberto que todos esperam que salve Portugal. Na verdade, Portugal espera um comboio, um eléctrico, ou ser salvo desde que Viriato foi assassinado e os Lusitanos ainda nem portugueses eram. Também se diz que alguém está “em sofrimento” por quanto os médicos portugueses só terem compêndios ingleses e daí não temos remédio. Não foi a canção dos “Deolinda” que mais me fez pensar, mas sim o eco da teimosa letra, solta demais por ares e ventos e toda a nova mentalidade em choque que pude ler. Há muito desacordo pois alguns pensam que o melhor é cada um arranjar qualquer trabalho e outros anseiam por um diploma que já não abre portas a todos.
Afinal, de parvos não temos nada, nem sequer com a declaração “que parva eu sou” num país onde se quer ter à saída da Faculdade um emprego seguro e eterno à espera para além da morte. Isso sempre foi uma quimera e sempre será. O problema é escolher um curso, repetidamente com gerações de erros de escolha, em vez de uma profissão, um sonho de estatuto em vez de um sério trabalho, uma situação qualquer sem pedir excessos, pão de ló e batatinhas fritas que são slogan para mais manifestações no Norte da Europa.
Por um certo gosto em ser parvo já temos cá, pela roda da parvónia, há uns bons anos, um “Clube de Parvos” no paradoxo de ser dos espertos. “O hábito não faz o monge” e o mundo continua dos argutos que se fazem parvos. Fica a questão da parva que tem automóvel, vive à custa dos pais e não pagou nada até agora por tudo o que tem. Se tivesse de gaguejar como o actor a fingir que é o rei em vez de aplausos até ganhava bons prémios. Quem esfrega as mãos e gagueja de assombro é quem vende por tanto parvo a comprar tudo o que os engana. E ainda dizem tanto mal destes tempos do nosso admirável mundo novo. Toda a falsa parvoíce é real sem ter rei e por isso vou pensar melhor no Egito. Que vai acontecer nos próximos capítulos? Que parva que eu sou e o rei vai nu!
Os ratos devem estar a preparar as malas e o Titanic, todo iluminado, dança!
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