"O que está para ser"

  • Adultos do Século XXI

    ©  Lúcia Costa Melo Simas .( 2010 )

 

                 

        

 Inquietações

[  Fragmento de tronco cortado de Árvore.  Jardim Botânico. Porto 2010 . ]

© Levi Malho - Imagem digital

         


                                                       

     É óbvio que ainda não há nenhum! O que existe são jovens e velhotes do século XX. Número que em breve será substituído por estas criancinhas bem distantes do passado. Como serão os adultos do século XXI?
   Olhemos para esse mundo infantil, que tem menos de dez anos, e nos contempla a imaginar que somos exemplos a seguir mas já bem convencida da nossa velhice e de que somos só o passado. Não temos muito para lhes ensinar e dar sem pedir nada em troca.
   Nem sempre gostaremos do que estamos a ver. São poucos e cada vez mais mimados, tirânicos, estragados pelo consumismo que lhe oferecemos para os calar e pôr alegres. Claro que não perguntam porque os pusemos tão cedo fora de casa porque acham tudo natural e também será natural quando nos puserem a nós fora do seu lar e do seu caminho. O tempo é limitado para os ver quanto mais os ouvir. Pelos exemplos que recebem, o melhor é não reflectir muito ou acabamos por ter pesadelos todas as noites.
   Eles estão ai, observando e julgando, a preparar armas que lhes damos para nos combater. O não que não dizemos, a vida irá dizê-lo com dureza sem dó. Os limites que não ensinamos vão exigir mais prisões.
   Claro que temos de reconhecer que as gerações nunca têm uma convivência pacífica. Tal como judeus e árabes e nunca se sabe onde está a bomba que vai rebentar.
   Podemos ter a certeza de que serão os nossos vencedores por mais voltas que dermos ao caso. A vida tratará de nos tirar ilusões porque nenhum futuro perdoa ao passado o mais ligeiro dos erros.   A História não ensina isso, mas a vida trata de dar lições. Todos os livros de história são sempre escritos pelos vencedores o que não será o nosso caso.


   Fevereiro também não é adulto. É o mês mais curto, mais louco e cheio de contrastes. Passa da alegria oca às tristes cinzas, levianamente inconsciente de ser o mais pequeno dos seus doze irmãos e o mais desajustado para que as contas dêem certas no fim do ano.
   Meditamos acerca dos adultos que vêm do passado século e vemos excessivas infantilidades como se o Carnaval fosse o ano inteiro e andássemos sempre disfarçados. Às vezes, temos dificuldade em distinguir de que é que nos disfarçamos, outras vezes, por trás da máscara há um vazio difícil de suportar. Por agora o século XX ainda domina o mundo e os adultos do século XXI preparam-se para o receber nas suas mãozinhas ávidas.
    Nasceram com a televisão ao lado, de telemóvel na mão, com um prato de “fast food” na frente e os olhos pregados no ecrã. Precisam de GPS, movem-se habilmente entre máquinas e suspeitamos que julgam que temos botões e fichas e também podemos ser desligados quando lhes apetecer.   Gostam de barulho ensurdecedor a que chamam música, vêem horríveis desenhos animados que confundem com as guerras do longe e nunca as palavras poupar, obedecer, esforço ou senhor lhes sai da boca.
    A herança que lhes daremos é de um passado de horrores, de guerras que gostaríamos de apagar da memória, de frieza e indiferença pelo próximo, mais o avanço espantoso e nunca visto das ciências e tecnologias que os meninos do século XXI tanto apreciam e valorizam à nossa custa.
   Para onde foi a geração de sessenta com todos os seus sonhos? Eles confundem a nossa idade com dinossáurios, Salazar, Afonso Henriques, as cruzadas ou a Inquisição numa amálgama de neologismos que mal aprendemos.   Eles são a geração que está onde não está, rebelde sem razões, que aprende tudo o que não lhe ensinamos e não quer saber para nada do que lhe queremos meter na cabeça. 
   Toda a gente gosta de saber que tem uma boa herança e não se pode deixar de olhar os velhotes com alguma cobiça para saber o que é que vai receber. Lá diz o sábio ditado que não é bom esperar “por sapatos de defunto”. Neste caso, Fevereiro não é excepção. Entalado entre um Janeiro caduco e lento, meio zonzo de crises e mudanças e, do outro lado, um Março bem moço e verde de Primaveras, fica um tempo de ajusta de contas. Recebe um presente envenenado de alegres promessas de festas que lhe deixa o irmão Janeiro e mergulha nas penitências quaresmais, que agora são dietas e sacrifícios para manter uma linha nunca ideal com olho já no próximo Verão.
   Alheios a tudo isso, os adultos do século XXI seguem cegamente o caminho que lhe apontamos, seja lá o que indiquemos, eles ainda acham certo. Se não lhes apontarmos para nada ficaram também na mesma. Os nossos maus hábitos de consumidores loucos, predadores e indiferentes perante a morte lenta do planeta neles são ainda uma fresca e divertida aprendizagem. Tirem-lhes o ainda que nos escusa de responsabilidade e, soltos os laços que os prendem, ei-los a tomar conta do mundo e de todos nós que lhes cairemos nas suas justiceiras garras