" Labirintos perpétuos"
© Lúcia Costa Melo Simas |
Always there
[ © Porto, Palácio de Cristal, 2004. Variação sobre um lago com nenúfar rosa. ]
[ © Foto digital tratada. Levi Malho ]
-Fantasmas de mim mesmo e da minha alma
Que me fitais com formidável calma,
Levados na onda turva do escarcéu,
Quem sois vós, meus irmãos e meus algozes?
Quem sois, visões misérrimas e atrozes?
Ai de mim! ai de mim! e quem sou eu?!...
No Turbilhão (Sonetos)
Se há pensadores que tenham sido estudados e interpretados de muitíssimos modos em Portugal, não temos dúvida que Antero de Quental tem sido um deles, suscitando sempre o maior interesse e as mais variadas interpretações e conclusões.
As doutrinas psicológicas têm tornado mais compreensíveis muitos problemas humanos e da evolução da personalidade, que antes tinham um cunho marcadamente empírico. O senso comum, porém tinha já estabelecido as sete idades do homem e, com grande subtileza psicológica, Shakespeare traçara esses estádios
[i].
É assim que podemos entender melhor todas as crises e pessimismos de Antero, se tivermos em conta as teses revolucionárias de Erik Erikson (1902 – 1994) acerca das idades do homem.[ii]
O que Shakespeare tratara com tanta intuição, era agora organizado em teoria de sistema de etapas da vida dependentes reciprocamente umas das outras e que evoluem num diagrama epigenético de 8 idades, incluindo a velhice. A maior parte dos psicólogos genéticos apresentara até então um conjunto de estádios que aprofundavam a infância mas ficavam-se pela juventude, se é que até essa etapa chegavam. O próprio Jean Piaget, no fim da sua vida, considerava necessário rever muitos dos trabalhos dedicados à adolescência, entre eles a importância da sociedade na evolução do pensamento e as estruturas do raciocínio hipotético-dedutivo, bem como o egocentrismo cognitivo que procura adaptar o mundo a si, por vezes com excelentes argumentações, mas que não se preocupa em se adaptar ao mundo.
Erikson aprofundou a sua teoria estudando grandes personalidades como Lutero, Ghandi, Hitler e outros, interessando-se pela dinâmica social, a dialéctica entre a história pessoal e o contexto sócio - cultural e as vivências próprias de cada um. Embora fosse psicanalista, criticava a escola de Viena e a tendência patologizante e pessimista que normalmente a norteiam. A construção da personalidade é vista por Erikson como ciclos de vida sempre com duas vertentes, positiva e negativa, sendo o termo crise visto sem dramatismo e mais como que um conflito natural de cada estádio em que se opõem duas direcções.
Hoje é já vulgar falar-se em personalidade bipolar que vem completar a teoria da evolução da personalidade de Erikson, no caso de Antero com as duas vertentes positivas e negativas em cada crise.
Antes, a mesma teoria, vista de um ponto de vista filosófico, enquadrava-se, de algum modo, na conhecida tese de António Sérgio
[iii](1888-1964), um dos comentadores de Antero mais conceituados na sua época, e que falava em fases apolíneas (diurna ou solar) e dionisíacas (nocturna e sombria). Às fases mais ou menos luminosas corresponderiam a exaltação e criação, com grande auto estima e fantasia mas sempre numa bipolaridade que contrasta com o desânimo e abulia do pessimismo e negativismo sombrios da outra face das crises da personalidade. Por certo que não se pode tipificar uma perturbação tão complexa. Mas a tese da doença, talvez melhor se diria neste caso, perturbação bipolar, tipo II , a menos grave, na designação da escola americana, é sustentável.
José Manuel Jara rejeita[iv], em parte, a tese de Pedro Luzes[v], já que para este, haveria em Antero uma perturbação relacionada com a fase mais recuada da infância e daí duas doenças, a doença criativa e a doença não-criativa e as duas vias «encontram-se, o caso fatal do organicismo degenerativo ab ovo e o caso fatídico do psicanalismo ab infante».
A tese monopolar não se aplica aqui pois iria contrariar fases da vida do poeta em que o desinteresse e a abulia profunda vinham após uma fase de grande actividade e dispersão criativa, com ideias que ocorriam livremente e com grande riqueza imaginativa. A diferença é que não conseguia cimentar os pensamentos que eram logo substituídos por uma ideia também não concluída e assim, sucessivamente. A poesia, na sua forma mais criadora, é fugaz mas podia escrever as composições antes de perder o fio das ideias. Num poema cabe um desenvolvimento de problemas filosóficos mas torná-los sistemáticos ou organizados em prosa é tarefa que exige muito mais tempo e organização reflexiva. Com o passar dos anos agrava-se a fase depressiva e Antero confessava, ao longa da vida, escrever cada vez com mais dificuldade e só com um esforço de que já nem se julgava capaz concluiu os últimos escritos que já não podiam ser poéticos.
Erikson analisou a sua própria evolução notando que teve um percurso de vida em que a fase mais marcante foi a da adolescência versus juventude e nesse ciclo a construção da sua própria personalidade passa por uma moratória psicossocial em que “teve um compasso de espera” antes de aceitar decisões definitivas. Erik, que não conheceu o pai, foi estruturando a sua história e, curiosamente adoptou o nome de Erik Erikson (Erikson, filho de Erik) assumindo como suas as experiências que o construíram. O optimismo superou o pessimismo e a fuga para dependência. Em vez de alheamento da fidelidade aos seus ideais aplicou-os na existência concreta que viveu.
São muitos os psicólogos e psicanalistas portugueses que dedicaram páginas ao estudo do poeta açoriano e contam-se, entre eles, Sousa Martins, que escreveu a célebre “Nosografia de Antero” no belo livro, “In Memoriam”, e mais recentemente, Carlos Saraiva, Fernandes Barahona, Dias Cordeiro, José Manuel Jara, entre outros. A nova perspectiva da bipolaridade que veio substituir, em parte, a denominação psicose maníaco-depressiva, trouxe reavaliações da evolução psicológica de tão complexa personalidade, facto que é por todos aceite. Não há nada de linear no percurso da sua vida e, o que parece menos conturbado, é ainda a infância dentro do contexto da época, embora nem tal facto seja por todos aceite e a relação mãe-filho foi já posta em causa. Mas não encontramos aí razões para graves conflitos tendo bem em conta que tantos, com infâncias na época bem mais conturbadas, não revelaram grandes dramas. Temos o caso de Teófilo Braga (1843-1924) com uma tenacidade de ferro e um amor ao trabalho espantosos[vi] .
Antero, ao chegar à fase crítica da adolescência e ao viver o conflito ou crise das escolhas e da moratória psicossocial, seguiu múltiplos rumos sem conseguir aquela unificação de identidade que se desejaria.
É assim que estas teorias vêm justificadamente aprofundar e explicar melhor o drama da evolução psicossocial de Antero. Recorrendo a preciosos dados biográficos e a factos concretos que encontrámos, especialmente no seu mais dedicado e cuidadoso biógrafo, José Bruno Tavares Carreiro, podemos notar um acordo interessantíssimo entre o temperamento do poeta açoriano e as novas teorias da personalidade que só vêm esclarecer mais o problema para melhor entender das razões das crises e angústias e até mesmo dos problemas psicofisiológicos vividos intensamente por Antero.
Seu avô, André da Ponte Quental (1768-1845) também foi poeta e um grande amigo de Bocage que lhe dedicou alguns versos. Partilhou da vida boémia lisboeta e teve papel na política local de Ponta Delgada. Ao morrer, já octogenário, quis acender uma fogueira onde queimou todos os seus poemas e escritos como referiu Joaquim de Araújo.
O pai era Fernando do Quental, (1814-l873) – um dos “bravos” do Mindelo - , casou aos 22 anos e tinha 28 quando Antero nasceu (1842) . Tinha uma personalidade muito fora do comum, originalíssima, extrovertida em extremo, comunicando quer entre familiares, quer com os foliões, viajado pela Europa, culto e, ao mesmo tempo, capaz de conviver com o povo, apreciando as suas festas, sendo até mordomo de Impérios do Divino Espírito Santo, segundo as tradições açorianas. Contam os amigos que, num desses passeios pela Europa, numa cidade alemã, assistindo a uma homenagem a qualquer vulto importante da terra, ficou muito emocionado e desatou a gritar com toda a força: - Viva o Divino Espírito Santo![vii] Com as suas ideias revolucionárias, mandou picar o brasão da sua casa solarenga e ele mesmo ajudou a fazê-lo. Uma das tarefas a que se dedicava com grande empenho era a de encadernador como refere Teófilo Braga[viii]. Exigia uma obediência absoluta dos filhos e a prova disto está em que obrigou Antero, antes deste embarcar para Lisboa, aos 10 anos de idade, a ir despedir-se dos seus amigos, envergando a sua casaca, virada do avesso e com as suas luvas calçadas e, apesar da vergonha que o filho sentia, observava-o à varanda muito satisfeito por vê-lo, vergado à sua vontade, ir pela rua abaixo![ix]. Mais tarde Antero falava disto com naturalidade e sem se mostrar afectado por tal facto. Fernando do Quental tinha uma personalidade multifacetada e prevalecia nele um espírito alegre e comunicativo como é recordado pelos amigos.
«Entre os seus só não falava enquanto dormia»[x].
De sua mãe são muito menos os dados, como é óbvio para aquele tempo, mas sabemos que era muito religiosa e influenciou o filho nesse aspecto. Acompanhou-o com as irmãs, Maria Ermelinda e Ana, quando Antero foi pela primeira vez para Lisboa. Esta viagem, a primeira do futuro Vate, foi pois ainda uma continuidade familiar e não se pode considerar que houvesse apego excessivo pois a fratria era muito unida e Antero escreveu as suas primeiras quadras a seu irmão mais velho, André, quando, este sim, veio sozinho para o continente português.
A mãe chamava-se Ana Guilhermina da Maia (1811- 1876) e era oriunda de Setúbal. Teve 7 filhos, dos quais morreram 2 de terna idade. No excelente biógrafo, José Bruno Tavares Carreiro, a quem recorremos para fundamentação de muitos pormenores, não há qualquer nota discrepante no carácter desta senhora, para além de dar provas de uma dedicação extremada pelos filhos e formar com o marido um casal em que só este se distinguia pela irreverência e originalidade. As referências a esta senhora são quase todas indicando a sua esmerada educação, formosura e grandes virtudes. Por isso não podemos, por muito que isso ajudasse a nossa tese, concordar com a suposição, para a qual não encontramos dados alguns, de que era de temperamento melancólico e por isso «piedosa». Não há nada que baseie a ideia de que esta senhora era depressiva e só porque veio de Tomar para S. Miguel depois do casamento, isso nada justifica.
Os micaelenses não são todos depressivos, antes pelo contrário são alegres e muito comunicativos e a religiosidade não é sinal seguro para tendências patológicas. O temperamento muito jovial do marido, a juventude, o ambiente agradável que a rodeava, puderam originar uma religiosidade própria da época mas daí a ser depressiva e só por isso consequentemente piedosa é um preconceito muito forte e facilmente contestável. Considerar que as pessoas piedosas são, logicamente, (?) depressivas é não enquadrar as personalidades na sua época. Não há relação causa efeito e com isso ter influenciado o filho, tanto na religiosidade como na depressão, é ir longe de mais em fantasias[xi].
Antero tivera logo bem cedo, estudos com o mestre António Feliciano de Castilho, que se instalara na época em Ponta Delgada, em 1847, julgando encontrar aí apoios e modos de melhorar a vida dos seus e a sua, mas foi recebido no início com frieza e dificuldades de toda a espécie[xii]. Antero brincou com as crianças da sua idade, escreveu alegres quadras a seu irmão André, conviveu com José Joaquim de Sena Freitas, (1840-1913) futuro orador e polemista sacro e Júlio de Castilho, filho do seu professor, entre outras crianças que tinham, como ele, uma educação esmerada.
Esta seria a fase da «autonomia versus dúvidas e vergonha» e o futuro poeta mostra-se bem integrado, alegre e rodeado de amigos, até com tendência para os liderar. Dos 6 aos 12 anos, na fase «competência versus inferioridade» houve mudanças de ambientes, de professores mas manifesta interesse pela leitura, e até uma certa precocidade na escrita. Não se encontram ainda sinais negativos. Apenas tudo isto podia causar uma certa dispersão.
Antero esteve um ano em Lisboa no Colégio do Pórtico sob a direcção de Castilho, e voltou para S. Miguel em 1853. Dois anos mais tarde vai de novo para o continente e, em 1856, vai para Coimbra onde se matricula no Colégio de São Bento. É aprovado no exame de Francês, mas reprova em latinidade. Nesse mesmo ano escreve os primeiros versos[xiii] o que se pode considerar já como uma tradição familiar.
Se são escassos os dados anteriores à 5ª idade, segundo os estádios de desenvolvimento de Erikson, pouco podemos saber de Antero até aí. Para além da influência materna natural e da originalidade e severidade do pai, a sua socialização dá-se dentro do contexto cultural tradicional da época em que a figura da mãe desempenhava um papel de alguma estabilidade. É referido por Alfredo Bensaúde como criança travessa, muito exuberante e levando os condiscípulos a diabruras infantis[xiv]. Com tal testemunho, podemos reparar que tanto as características extrovertidas do pai, como a educação religiosa tradicional da mãe não remetem para qualquer aspecto denunciador de anormalidade psicológica e as próprias irmãs referem-se a ele que como criança pequena tinha muito medo dos tremores-de-terra a que a ilha está sempre sujeita. Por outro lado, as leituras foram muito variadas desde a obra de Eugène de Sue “Os Mistérios de Paris” até à Ode “Deus” de Herculano que vivamente o impressionou.
É na fase da “Identidade versus Difusão/Confusão” dos 12 aos 18/20 anos (5.ª idade) que melhor podemos ver as influências sociais e as experiências que os novos estatutos que ele mesmo confessou muito terem abalado a sua mentalidade e consequentemente a unidade da sua personalidade na crise da «identidade do eu»[xv], em que a pessoa mais se pode e deve diferenciar dos outros e ao mesmo tempo melhor se adapta aos outros.
A construção da personalidade é tarefa da vida inteira, mas esta é a fase em que a crise se agudiza e surgem os problemas que dificultam a idade seguinte e por isso o resto da existência. Erikson considera esta a fase crucial para uma boa evolução da personalidade ao longo da vida.
Tendo feito toda a sua preparação em Coimbra para se matricular em Direito, o que sucede aos 16 anos, temos pois claro o facto de que se reduz bastante a influência parental nesta importante etapa da sua vida. No entanto, tinha a presença na cidade de seu tio paterno, Filipe de Quental, (1824- 1892) lente de Medicina, em casa do qual viveu e com quem tinha grande confiança e intimidade. Este seu tio foi uma figura extremamente original no meio coimbrão e a sua faceta irreverente deve ter impressionado o sobrinho. Era também poeta, exuberante e folgazão, sempre pronto para contar historietas divertidas e o seu temperamento era tão singular que se tornou numa figura muito conhecida no seu meio. Não se tem dado a importância devida a esta convivência com o tio que o deve ter influenciado fortemente com a sua boémia e excentricidade para uma adaptação um pouco fora do comum dos estudantes. Além do mais, a rica e invulgar livraria do tio devia tê-lo deslumbrado e atirado ainda mais para as leituras de toda a espécie, clássicos, historiadores, poetas, teólogos, tudo isso e muito mais lhe podia chegar às mãos. Quando resolveu morar em casa sua a que os seus amigos chamavam Cenáculo, já estava bem integrado no meio coimbrão.
Antero porém tem bem consciência das alterações que abalaram a sua personalidade em plena construção e refere-se à grande mudança que se deu no seu pensamento nesta importante fase. Diz ele, com certa dose de análise romântica, acerca das transformações que sofreu, na célebre carta autobiográfica ao camoniano e tradutor dos seus Sonetos, o alemão, Wilhelm Storck:
«O facto importante da minha vida, durante aqueles anos (1856-1864) e provavelmente o mais decisivo dela, foi a espécie de revolução intelectual e moral que em mim se deu, ao sair, pobre criança arrancada do viver quase patriarcal de uma província remota e imersa no seu plácido sono histórico, para o meio da irrespeitosa agitação intelectual (...) Varrida num instante toda a minha educação católica e tradicional, caí num estado de dúvida e incerteza. (Se a isto se juntar a imaginação ardente (...) o acordar das paixões amorosas próprias da primeira mocidade, a turbulência e a petulância, os fogachos e os abatimentos de um temperamento meridional, muito boa fé e boa vontade, mas muita falta de paciência a método, ficará feito o quadro das qualidade e defeitos com que, aos 18 anos, penetrei no grande mundo».
Toda esta metamorfose seria um despertar para a maturidade se não fosse a excessiva dispersão de actividades, as leituras caóticas, os episódios fugazes que lhe retiravam a formação da unidade do eu e mostravam muitos mais caminhos a percorrer do que um sentido concreto para a vida.
A descontinuidade é uma constante no seu temperamento e ele mesmo se dá conta disso ao escrever em 1865 uma autocrítica às suas “Odes Modernas”, conforme cita José Manuel Jara reportando-se ao estado de exaltação com que escreveu tal obra:
«Como poesia é uma nobre poesia aquela, uma nobre loucura como eu não torno a ter porque o meu coração endurece à maneira que se incrusta de juízo: e eu tenho saudades desses delírios![xvi]»
A bipolaridade está patente neste estado de euforia que contrasta com as dúvidas e incertezas que o abalam. Antero mostrava-se alegre e muito comunicativo. Os seus dons de extraordinário conversador eram conhecidos, bem como o seu pasmoso apetite que quase se poderia dizer bulímico e desregrado. Mais tarde cairá no pólo oposto, anoréctico quase e solitário. Os amigos, que eram muitos e dedicados, acompanhavam-no, admiravam-no e esperavam que, de tanto talento desbaratado, saísse um prosador, poeta ou homem político que fizesse jus a toda a expectativa que entretanto se criava à sua volta.
O lema da vida desta tumultuosa geração era clamado por ele e vivia-o assim:
«A galope! a galope, ó Fantasia,
Plantemos uma tenda em cada estrela!»
É curioso notar como Joaquim Pedro de Oliveira Martins, (1845-1894) no prefácio aos “Sonetos” atendeu a essa fase que iria culminar, «numa tragédia mental» e que, nos anos seguintes a este período de 1864 a 1874, procuraria transformar em sistema filosófico o que antes fora poesia e «fúria» e o Antero romântico transmuda-se em «tudo o que é negativo» surgindo um crepúsculo prematuro e pessimista[xvii].
Como estudante não foi brilhante e chegou a reprovar o 4º ano de Direito e ele próprio confessava que se ficou por um medíocre legista. As suas actividades eram muitas e dispersas. As discussões metafísicas são uma constante dessa fase em que o verbo fácil abafava as especulações sofísticas e pouco sólidas. Ao mesmo tempo desafiava a disciplina formal e em l859 «pertencia à facção estudantil que aplicava a «praxe», espancando os caloiros e rapando-lhes o cabelo em julgamentos tenebrosos e solene[xviii].
Com a sua figura alta e hercúlea e o uso de uma bengala forte, participando em desordens e zaragatas, mormente zurzindo os caloiros, alcançou uma reputação muito “inferior” junto dos mestres. Os alunos mais estudiosos, os “ursos” e Antero, não tinham qualquer sintonia com mútuo desprezo ou simples indiferença, como era o caso de Teófilo Braga, um ano mais novo do que o poeta-filósofo, e que se sustentava com dificuldades com uma pequena pensão enviada pelo pai e das cópias de sebentas e outros trabalhos afins.
O interesse pelo oculto manifesta-se pela sua entrada na secreta “Sociedade do Raio” muito bem organizada e que funcionava como uma “carbonária”[xix]. Tudo isto era disperso, revolucionário, relacionado com a poesia juvenil e com os amores, ao que parece, tecidos de desilusões e romantismo. Aqui acentua-se uma forte tendência pessimista que leva a falar-se em tentativas de suicídio e, pelo menos, a uma melancolia que se traduz, nos versos e em cartas, em referir-se cada vez mais à morte.
Se a vida estudantil foi tumultuosa e fortemente social, foi ao mesmo tempo muito dispersa, revelando-se como panfletário, poeta, carismático entre alguns colegas, extrovertido e conversador em extremo, o que se pode lembrar ser uma característica que marcava muito o seu avô, o seu pai, ou ainda seu tio Filipe de Quental. Lia tudo o que lhe aparecia à mão, sedento de saber (com uma memória espantosa, ao que se nos dá a entender a análise dos seus escritos e a facilidade com que adaptava um pensador às teses em suas defesas argumentativas) advogava causas e teorias que nem sempre sustentava por muito tempo. Isto revela uma adolescência intelectual em que o interesse pela especulação, mormente a filosófica, surge tantas vezes como um racionalismo em que o jovem experimenta a sua capacidade de persuasão. A construção de teorias e sistemas capazes de mudar o mundo e a sociedade são uma característica do pensamento no estádio do egocentrismo cognitivo do adolescente. Dificilmente poderia a sua inteligência conciliar-se com a sua fantástica imaginação.
À beira do caminho me assentei…
Escutarei passar o agreste vento,
Exclamando: assim passe quanto amei! –
Ó minha alma, que creste na virtude!
O que será velhice e desalento,
Se isto se chama aurora a juventude?[xx]
Trata-se também de exercitar a racionalidade na arte de argumentar e convencer os outros, no que Antero era perito, conseguindo prender durante horas a fio os seus amigos ouvintes e, curiosamente como reforço deste esclarecimento, temos as palavras do próprio poeta: “Desci confiado para a arena: queria reformar tudo, eu que nem sequer estava ainda a meio caminho da formação de mim mesmo. Consumi muita actividade e talento, merecedor de melhor emprego[xxi].
O seu sentido de humor é notável e escrevia com facilidade espantosa sobre os mais diversos assuntos. O seu artigo “O que toda a gente vê ou a política numa lição” de 1861, entre muitos outros, descreve admiravelmente o que entende por “ciência política” e merece ser lido em qualquer tempo[xxii] .
Começa nesta altura a destruir muito do que escrevia, (entre muitas, as poesias lúgubres) o que penalizava os amigos que se referem frequentemente a isso.
As opiniões divergem em ter conquistado grande prestígio entre a sua geração e ter tido uma influência notável na Academia e no restante do país. Eça de Queirós, aos 16 anos, ficou para sempre conquistado pelo seu “Verbo” e celebrizou-o no belo e poético texto do “In Memoriam”. Todavia testemunhos como o de José Bernardino de Abreu Gouveia, entre outros, não são de desprezar:
Antero de Quental nunca foi popular. Nem como estudante nem como poeta, nem como filósofo. Viveu sempre com poucos. A Academia, na sua máxima parte, conhecia-o pelo que dele se ouvia dizer e pelos seus versos, que de vez em quando ouvia no Teatro Académico. Não a entendia a ela nem a compreendia a ele...[xxiii].
Em 1864 dá-se a “Rolinada”, movimento estudantil contra o governo do Duque de Loulé em que toma papel de relevo, mas que o deixa muito decepcionado. Depois fez o acto de formatura e, como é natural, vem para S. Miguel passar o Verão com a família. Entramos numa fase psicologicamente crítica. Não se instala na terra natal e regressa a Coimbra. É um prolongamento do estádio da adolescência, a chamada moratória psicossocial que se vai seguir, mas desta feita, indefinidamente. Os projectos são muitos e variados, todavia é um estranho regresso este a Coimbra, pois já tinham terminado as razões de lá viver como estudante que já nem era. Não é comum nem natural que o tenha feito. Aparecem em 1865 as “Odes Modernas”, que aliás já tinha concluído em l863. Dá-se a famosa “Questão Coimbra” em 1866 e as questões na imprensa, mas pouco depois, sentindo-se desanimado, volta para S. Miguel onde pouco se demora. Um novo projecto, desta vez muito prático, apesar de inesperado, leva-o a tornar-se tipógrafo na Imprensa Nacional em Lisboa em 1866 e depois parte para Paris para trabalhar como operário, tipógrafo também. As leituras de Proudhon, as generosas ideias socialistas, levavam-no a tentar concretizar um ideal de vida que fosse prático e não puramente teórico e poético.
Estamos como se nota em plena fase da moratória psicossocial. É um dos termos mais importantes da psicologia de Erikson pois se trata daquele compasso de espera que as sociedades oferecem aos jovens antes de assumirem em definitivo os compromissos de adultos. Nesta altura o jovem ainda é adolescente mas tem já tentativas de experiências de adulto. Há investimentos de ordem afectiva, política, religiosa, ética, aventuras que são toleradas pela sociedade porque o indivíduo necessita de tempo para se conhecer melhor. Não se pode condenar toda esta dispersão se ela não se transformar em confusão. Pelo contrário, só se torna negativa quando envereda pela marginalidade, quando há dependência dos amigos, quando, em vez de construção de identidade, o eu se desagrega em múltiplas facetas desajustadas e começa o isolamento em vez da integração social e afectiva.
Aos 22 anos, Antero começa claramente a ter dificuldades em fazer opções. A sua religiosidade abalada, a ânsia de Deus cuja ausência é uma presença constante, a busca de um Absoluto, a angústia que substituiu a fé perdida, perturbam-no profundamente, em contraste com o racionalismo e materialismo das novas ideias assimiladas com sofreguidão, as leituras de Renan, Feuerbach e tantos outros… Faz tentativas literárias de toda a espécie que o tornam conhecido, escreve, sob vários pseudónimos, muitos artigos para os jornais, publica versos dispersos e começa a ter uma certa celebridade depois da «Questão Coimbrã» contra o seu antigo professor, António Feliciano de Castilho. Por causa disso, tem um insólito duelo à espada com Ramalho Ortigão no Porto, mas logo se reconciliaram. A sua índole impetuosa contrastava com a impossibilidade de guardar rancor e muitos são os que apontaram para a bondade que manifestava para com todos, arrependendo-se mesmo dos seus arrebatamentos.
Tudo isto a sociedade acolhe bem pois criaram-se razões para esperar dele socialmente uma realização sócio-psicológica adequada. Mas as tentativas de adaptação vão suceder-se sem passar ao estádio seguinte que seria, segundo Erikson, “ Intimidade versus isolamento “ (20 -40 anos) em que a virtude adquirida na fase anterior, a fidelidade, seria posta em prática.
Antero tem uma estranha reacção de isolamento e confusão, tal como tivera aquando da “Rolinada”. Busca o afastamento, como se este fosse um meio de demorar-se em tomar decisões quanto a um rumo definitivo para o futuro. Em cartas, mostra bem o medo da loucura e a incapacidade de uma inserção social, bem como a vontade de acabar com um seu amor «sem futuro» que o poderia levar a paixões que não dominasse. Por outro lado não pretende ficar na Ilha. Imagina encontrar um emprego longe. Talvez parta para o Ultramar, para a Índia, Goa ou Macau que idealiza a seu jeito afastadas de luxos e banalidades[xxiv].
Tudo isto está em profundo contraste com um final satisfatório de uma moratória psicossocial e uma entrada no ciclo de vida em que se deveria inserir dentro dos parâmetros do comum dos jovens:
“ Assim, o adulto jovem, que emerge da busca de rumo e persistência numa identidade, anseia e dispõe-se a fundir a sua identidade com a dos outros. Está preparado para a intimidade, isto é, a capacidade de se confiar a filiações e associações concretas e de desenvolver a força ética necessária para ser fiel a essas ligações, mesmo que elas imponham sacrifícios e compromissos significativos.”[xxv].
Todas as potencialidades da adolescência, cognitivas, emocionais, afectivas, criativas desenvolvem-se pela exploração de múltiplos rumos que tanto podem unificar positivamente a personalidade como causar uma confusão negativa e uma bipolaridade cada vez mais acentuada pela vertente caótica, marginal e inadaptada. Os grupos de pares, jovens da mesma idade e com os mesmos problemas, podem ser vantajosos, mas todos os psicólogos apontam para a possível dependência desses grupos que, quando desfeitos, levam ao isolamento e solidão no ciclo de vida seguinte.
Antero tinha em Coimbra, no tempo em que tudo lhe parecia correr de feição, um grupo de amigos sinceros que o admiraram toda a vida, mas que, com o terminar dos cursos, seguiam cada qual rumos diferentes, integrando-se na sociedade, criando novos laços afectivos e uma estabilidade que lhe ia faltando. Todavia, esses mesmos amigos consideravam, dada a inteligência brilhante e talento demonstrados, que alguma coisa grandiosa e revolucionária, alguma coisa fora do comum, estava destinada àquele que foi chamado «Um Génio que era um Santo» por Eça de Queirós. Antero adivinhava essa missão a cumprir e, muito seriamente, queria corresponder a esse destino. Daí desistir de muitos projectos e escritos por não serem o que dele se esperava.
É de referir as notas que o seu incansável biógrafo José Bruno Carreiro escreveu deste período
… as suas cartas mostram Antero em grande incerteza sobre os caminhos que se lhe abriam na vida, perplexo, hesitante, numa «eterna flutuação», «apreensivo até quase à mania» ,ora acarinhando projectos de acção, ora «prostrado sobre o leito dos antigos abatimentos, tão desgostoso e desalentado como se fosse a primeira vez que descobrisse no mundo misérias e tristezas e, sobretudo, o seu grande vazio moral.”[xxvi].
A comparação entre estes dois textos é bem reveladora da dificuldade do poeta-filósofo conseguir encontrar a maturidade e o rumo que cada vez mais se lhe exigia. É pois para satisfazer uma necessidade de vida prática, seguir o exemplo dos seus antigos amigos que iam todos seguindo rumos de estabilidade e adaptação à sociedade, pois tinham já resolvido as tarefas fundamentais da adolescência, que Antero, por sua vez, tenta integrar-se socialmente.
É exemplo da sua dispersão o facto de, a meio da Questão Coimbrã, nos inícios do ano de 1866, tomar a decisão, ou melhor formar um projecto, cheio de ilusões que resolve comunicar ao amigo António Azevedo. Sonha ir para a Itália combater ao lado de Garibaldi como voluntário:
(...) «Creio ser para nós uma bela ocasião de sairmos do absurdo sopa-vaca-e-arroz da vida ordinária. Queres ir? Um bel morir tutta la vita onora...[xxvii] .
O projecto não teve resposta positiva do amigo, ao que nos é dado entender, e Antero está desiludido e aborrecido de morte com a polémica da «Questão Coimbrã». Entretanto as suas relações com Teófilo Braga esfriam muito até se degradarem e ambos criticam-se mutuamente na imprensa de forma a se ferirem irremediavelmente. Não estava na índole de Antero aceitar um papel secundário e Teófilo ficou muito melindrado com a sua arrogância. Antero não esquecia as suas origens e manteve-se distante com o conterrâneo reservado e severo, que as dificuldades económicas tornavam duro e contundente face à boémia estudantil da qual nunca fez parte.
Finalmente acarinha outro propósito que teve por seguro, a sua ida para Paris. Para tal, resolveu-se aprender o ofício de tipógrafo em Lisboa para depois partir para a capital francesa. Era a época dos grandes projectos acentuadamente socialistas em que a teoria e a prática não se conciliavam. Mas ia finalmente, só e sem o apoio de amigos, enfrentar a vida concreta, a grande cidade. Era um projecto que a ideologia socialista proudhonniana, o fariam coerente a seus próprios olhos e o levariam a tomar um rumo certo na vida. É o que ele designa como «descida à arena» o que várias vezes tentou sem se sentir realizado ou mantido fiel aos seus ideais.
Curiosamente, há a notar que talvez seu pai o influenciasse inconscientemente. É que Fernando de Quental tinha feito um estágio em Paris para aprender a arte de encadernar livros e depois montara uma oficina em Ponta Delgada. Ser tipógrafo em Paris era também imitar o mestre e filósofo socialista francês, Proudhon, que também exercera esse ofício.
O certo é que Antero parte para Paris, cheio de ilusões e projectos, mesmo nas vésperas da grande revolução da Comuna. Vai cheio de esperança e de sonhos. Vai, como ele dizia, «encarar de frente a vida.» É ainda uma tentativa dentro do compasso de espera da vida adulta em busca de uma realização em vez de um projecto sonhado. A carta que escreve a sua Mãe, antes da partida, de Tomar, é prova de muito afecto e romantismo que em nada se podia coadunar com a dureza da vida que ia empreender e para a qual não estava nada preparado. A experiência operária dura apenas três meses. O trabalho, a cidade, o convívio com os operários tudo o desilude profundamente. Em vez da fraternidade e luta operária, cada vez mais se sente desadaptado. Confessa que passa a dormir 12 horas e que existe uma crença enorme no Universo e uma descrença total de si. Ainda em carta refere:
«Que tristeza tenho sentido! que frio! e que isolamento! O que julgei encontrar e o que me fez sobretudo vir, é o que menos se acha – a fraternidade… Cada coisa está para seu lado, nem os homens nem as ideias se conhecem[xxviii].
Regressa doente e abatido. Antes de voltar mais uma vez a Paris, e entregar o seu livro “Odes Modernas” a Michelet, esteve a descansar em casa de um amigo, Alberto Sampaio, no Norte, em Guimarães, na Quinta de Sant´Ana. Mais elucidativa de ter entrado na fase do isolamento crescente que é a vertente negativa da 6ª idade, é a passagem da excitação nervosa para um abatimento que se revela sem ter mais qualquer rumo em vista e confessa antes de embarcar para S. Miguel:
«Saio amanhã para as Ilhas. Isto devia de acabar assim. Não sei ainda bem o que vou fazer para lá: tratarei de não fazer coisa nenhuma, que é, ainda assim, a melhor maneira de não fazer tolices. Um homem inactivo pelo menos não é um homem pernicioso»[xxix].
Estamos em 1867, Antero tem 25 anos. Este envelhecimento precoce, este desânimo não se coadunam com a força da juventude, com o vigor e ânimo que esta fase da vida se reveste. A sua fragilidade psicológica aumenta e tudo toma proporções alarmantes, desmedidas, como se a desilusão com a experiência operária fosse decisiva para tomar mais qualquer feliz iniciativa. O encontro com Michelet revela que, inconscientemente, mesmo não se apresentando como Antero, mas como amigo deste com o nome de Bettencourt, e por isso mesmo oferecendo o seu livro ao mestre, havia uma tentativa pungente e ingénua de demonstrar como afinal, não traia os seus ideais, porque o que lá estava escrito era uma prova de que o seu socialismo era sincero, a sua luta pela fraternidade era real, embora a natureza anímica não lhe permitisse concretizar as suas lutas e aspirações sociais. É como que a busca de um aval de um estatuto social inexistente que o sábio francês, tão admirado por ele, lhe confirmaria.
Já em S. Miguel, indeciso e incerto como vai estar quase sempre o resto da sua vida, provavelmente vive ruminando tristezas e preocupações quanto ao seu destino, repete esse sentimento de isolamento e forte insegurança ao escrever em carta ao amigo, Alberto Sampaio:
«Esforço por me isolar, e sobretudo isolar o espírito pela leitura. (...) Não conto passar aqui mais de um ano. Menos não é possível também, porque a minha saída antes desse prazo deve parecer estranha à família e até magoá-la. Mas fora desta condicional, tudo me leva para longe daqui. Para onde?[xxx]».
Reparemos bem como não terminou por resolver a tarefa da construção da identidade. Quantos caminhos estão já percorridos e como lhe parece inútil e vago o futuro que podia ser encarado de modo mais prático sem atingir os extremos de se tornar operário como tentou debalde ser. Estamos numa etapa da vida em que se esperam obras, emprego, concretização de ideais, fidelidade a projectos que se realizam e Antero continua sem coragem para tomar decisões. Diz dele, nessa altura, muito lucidamente, Bulhão Pato:
«Tinha muitos livros na cabeça, mas prejudicava-o o embaraço da escolha. Planeava uma grande obra crítica histórica, escrevia alguns capítulos; nisto tomava nova orientação, e ei-lo a arquitectar novo edifício»[xxxi].
É neste estado de espírito que, em fins de 1868, com 26 anos, chega a Lisboa. Deveria estar em pleno labor social, integrado já numa vida prática a que se recusa, no entanto a aceitar como os colegas e amigos que se vão gradualmente afastando. A preparação para o próximo ciclo de vida está cada vez mais comprometida. Há, por esta altura, uma mudança política em Espanha e Antero fala com entusiasmo em ir para Madrid como jornalista, coisa que não se realizou e ficou-se por Lisboa. Advogou com entusiasmo a União Ibérica mas caiu na conta de que tinha sido uma grande ilusão. O entusiasmo deu lugar a um abatimento e busca de recolhimento.
Que sentido tem a sua existência em Lisboa, longe dos seus, sem ocupação certa e a contas com o seu temperamento filosófico, místico por vezes, sempre em busca de um ideal que procurava projectar na poesia e em artigos em que consumia o seu talento, em busca de revoluções que não chegavam e soluções que não encontrava?
Convenhamos que a inacção e a falta de uma ocupação real são pouco apropriadas para um rapaz na sua juventude. Sem qualquer trabalho que nunca obterá, nem se esforçará por conseguir, sem um sentido forte na vida, lendo e estudando filosofia, por vezes sem a devida reflexão e aprofundamento, sacudido pelas influências que lhe chegavam exteriormente, é como que uma cana batida pelo vento que, não se verga, mas não sai do lugar, não floresce, não amadurece como devia. O trabalho que nunca teve, apesar das mil tentativas abortadas para o iniciar, pode ter sido uma das causas que devia ser mais aprofundada e mencionada para entender esta complexíssima figura de pensador açoriano.
Lentamente vai tornar-se alguém que está na margem da vida e não é de admirar que aumente o seu isolamento, a incompreensão e rejeição do mundo em que não consegue viver. Onde está o seu estatuto social? Quais os papéis que representa na sociedade e quantos são os que não aceita? Estas interrogações são pertinentes, se repararmos seriamente na inactividade e ócio a que se submeteu por uma rebeldia, talvez inconsciente, ou por esperar demasiado da vida e não conquistar o seu lugar.
É então que se dá a fase do Cenáculo. Muito embora seja quase um desconhecido no meio lisboeta, encontra amigos fiéis e um público para o seu verbo inflamado. É uma espécie de repetição da fase despreocupada de Coimbra «onde se fazia tudo menos estudar». Agora são divertidas tertúlias e reuniões de amigos. Foi assim se realizou a experiência dos «poetas satânicos do Norte».
Aí se reuniam Batalha Reis, Manuel de Arriaga, que nesse tempo poetava de modo romântico e sentimental, Eça de Queirós, os dois irmãos Machado de Faria e Maia, Guerra Junqueiro, Ramalho Ortigão e tantos outros.
Se bem que o grupo dos poetas satânicos portugueses tivesse, aparentemente um carácter experimental, satirizando a sociedade burguesa, há uma mistificação anarquizante dos valores estabelecidos, um niilismo demolidor que procura ver para além das máscaras. Apesar da distância espácio-temporal, este modo absurdo de encarar o mundo, de destruir a realidade, tem um paralelo com o surrealismo, no ataque às estruturas lógicas tradicionais. Há todo um desespero e ânsia de liberdade total que fez criar esses absurdos poetas do Norte com os nomes mais loucos e extravagantes. Além da invenção de Carlos Fradique Mendes, surgiram outros ainda mais estranhos como Kitzjz, Van Hole, Coppert ou Ulurug[xxxii]. Este último, Ulurug, foi de tal modo conhecido que os livreiros eram instados por alguns dos mais cultos literatos portugueses para encomendar de Paris as obras completas deste diabólico e fantástico poeta.
O que se pode concluir desta farsa que enganou tantos crédulos leitores, é que da parte de Antero não havia apenas brincadeira, mas ele terá tomado a sério o logro e seria muito sincero e com sentimentos próprios. O Dr. Salgado Júnior, ao referir-se a esta questão, considerou Antero como o nosso único poeta satânico e afirma «o satanismo autêntico é precisamente a completa ausência de salvação; é a expressão do tédio de viver e da desolação do espírito. É a consciencialização de um desespero. Ora, a essa atitude apenas chegou Antero»[xxxiii].
No ano seguinte, 1869, parte para a América do Norte, a bordo da barca Carolina. É mais uma fuga à realidade e um gosto pelo desconhecido, por novas experiências que o levam a embarcar. João Mendes Júnior atribui a Antero o complexo de Caronte. Isto é a busca da travessia arriscada, o gosto de ir sempre mais além. A sua imaginação aplica na poesia os vocábulos mais abstractos e fugidios, o vento, o mar, o céu, a imensidade, a Noite, o sonho, o deserto, repetitivamente os mesmos seus favoritos, com que constrói sonetos com uma abstracção tal que não os fixa a nenhuma explicação unívoca. Pelo contrário, construiu intuitivamente um mundo de ideias sui generis como nenhum outro em Portugal.
Vozes do mar, das árvores e do vento!
Quando às vezes, num sonho doloroso,
Me embala o vosso canto poderoso
Eu julgo igual ao meu vosso tormento…
(…)
Um espírito habita a imensidade:
Uma ânsia cruel de liberdade
Agita e abala as formas fugidias.
E eu compreendo a vossa língua estranha,
Vozes do mar, da selva, da montanha…
Almas irmãs da minha, almas cativas[xxxiv].
Depois da viagem, retoma para o Cenáculo que durou até 1871. Ramalho Ortigão, completamente reconciliado com ele, descreve como se formou tal academia, como Antero centralizou os interesses e viveu em alta intelectualidade e veia cómica um tempo que revivia Coimbra e os seus tempos mais felizes. É como que uma repetição da boémia que tentava ressuscitar e manter acesa toda aquela exuberância que tinha perdido. Em 1870 conhecera Joaquim Pedro de Oliveira Martins (1845-1894) em Lisboa quando este já tinha escrito o romance “Febo Moniz”, sendo mais novo, autodidacta, trabalhador e escritor incansável, ensaísta, economista, antropólogo e historiador, torna-se grande amigo de Antero até ao fim da sua vida. Todavia, há um tratamento cerimonioso e revestido de grande admiração da parte de Oliveira Martins que de algum modo os separa. É uma amizade em que Antero deposita muita confiança, mas que, por vezes, estranhamente, critica o amigo fiel na imprensa de modo um pouco injusto, para não dizer arrogante. É o caso das críticas a respeito da obra “Helenismo e Civilização Cristã” que aliás lhe foi dedicada, e face à qual toma uma posição tradicional acerca do problema de Sócrates e da viragem da filosofia a partir daí. Oliveira Martins procurou perspectivar louvavelmente de modo inteiramente novo em Portugal o problema de Sócrates, mas Antero não aceitou a interpretação dada.
Aparece muita obra dispersa e muitos projectos de trabalhos mais profundos. Face aos amigos, em passeios nocturnos, dizia Batalha Reis que era com Eça de Queirós, um dos frequentadores do Cenáculo, que Antero mais convivia e especulava:
«descrevia, inesgotável, as suas teorias, as suas improvisações filosóficas e sociais, o seu sonho de criar uma Filosofia, uma Forma de Governo, uma nova forma de sociedade. As ideias socialistas que expunha então eram principalmente de Proudhon; as concepções filosóficas do Idealismo hegeliano.»[xxxv].
A mistificação da figura de Fradique Mendes surge nesta altura e a sua biografia fá-lo bastante semelhante a Antero, nobre, oriundo dos Açores, estudante de Coimbra e com especial predilecção por Paris e pelas novas ideias revolucionárias.
Com este personagem e a experiência satânica toma forma a busca do irracional, do chocante e do inconsciente. Era o lado nocturno, intuitivo e inconformista que nele se manifestava. É como que uma experiência química, mistura de produtos para esperar a acção dos reagentes. E assim há todo um desespero que manifesta a vertente negativa da sua crise:
Mais fecundo que o Céu, criou o Inferno
A blasfémia – Honra, pois e preito eterno
A Satã, que nos deu o blasfemar!
[xxxvi]
Para o comentador do surrealismo, André Carrouges, este sentir podia ser definido como: «sentir-se a si próprio um fantasma é um fenómeno mental que possui um significado extremamente concreto. Indica até que ponto se pode chegar a sentir estranho a si mesmo, e a ser ultrapassado no seu eu normal, arrastado para os subterrâneos do labirinto mental»
[xxxvii]
A dualidade entre a fé e a razão continuava a inquietá-lo cada vez mais, sem conseguir conciliar as suas ideias alimentadas por leituras vindas dos mais variados quadrantes. Na poesia ainda temos a possibilidade de esboçar algumas teorias e apelos místicos que o celebrizariam para sempre, mas a obra revolucionária, as ideias que tumultuavam na sua mente febril não tomavam forma na prosa, muito embora o seu ideário filosófico fosse apresentado na imprensa, mas de modo fragmentado e incompleto.
As Conferências Democráticas do Casino foram outra manifestação oposta ao satanismo e dir-se-ia fruto de uma vertente construtiva e solar. É uma racionalidade e uma tentativa de integração social contrária ao afastamento anterior. Fruto concreto e objectivo do Cenáculo, tratava-se de apresentar um programa que abalasse a opinião pública, que realizasse os anseios políticos e revolucionários do grupo reunido à volta de Antero. Pareceu por momentos que a nova geração iria revelar a sua vitalidade e o seu génio renovador e muito se poderia esperar então do poeta de “Os Sonetos”. Porém, ao tempo, em Paris, vivam-se os momentos trágicos e assustadores da Comuna. Parece que se temeu que as sementes da revolução frutificassem em Portugal. E as Conferências foram proibidas, mandadas encerrar pelo ministro Marquês de Ávila e Bolama pois estavam a provocar reacções muito negativas nos meios católicos e tradicionais.
A indignação do poeta filósofo e dos seus amigos foi enorme! Com toda a sua impulsividade e agressividade, escreve na imprensa um ataque fortíssimo ao Marquês, manchando-o na sua honra e atacando-o na sua honradez como pessoa. Logo, dado o seu carácter, que mais uma vez manifesta a bipolaridade, se arrepende e escreve contrito por ter infligido um golpe injusto no seu inimigo que maltratara, não como político, mas como homem.
A morte do pai em 1873 afasta-o de Lisboa e das ideias revolucionárias do socialismo e do projecto de se tornar deputado. Fica na Ilha e em 1874 adoece profundamente e daí em diante não terá mais vida pública, por assim dizer, salvo raras aparições instado pelos amigos.
Ninguém relacionou a sua doença com a perda do pai mas esta é a altura em que piorou definitivamente o seu estado psicológico, tanto que o próprio Oliveira Martins veio a S. Miguel em 1874, exactamente um ano a pós a morte de Fernando de Quental. É esta a chamada fase crítica de Antero aos 32 anos e começa aqui uma série de tratamentos em busca de melhoras de uma doença que tanto tem de física como de moral. Note-se que havia um fundo religioso em Antero que as suas muitas leituras abalaram profundamente e comprometeram a relação entre a fé e a razão que é um traço constante cada vez mais acentuado. Ora se refugia num estoicismo, ora busca um budismo romântico em que nem a razão nem as sus crenças se harmonizam.
É o próprio Antero que se refere a essa doença, sem lhe apontar uma causa física ou concreta, na sua célebre carta autobiográfica a Wihlem Stock:« Nesse ano de 1874 adoeci gravemente com uma doença nervosa de que nunca mais pude restabelecer-me completamente. A forçada inacção, a perspectiva da morte vizinha, a ruína de muitos projectos ambiciosos e uma certa acuidade de sentimentos, próprios da nevrose, puseram-me novamente e mais imperiosamente do que nunca, em face do problema da existência. A minha antiga vida pareceu-me vã e a existência em geral incompreensível.
Porém até que ponto podemos dar fé a esta confissão? Já em 1872, escrevia a Oliveira Martins de quem se tornara amigo há pouco mais de um ano:
« …vem tudo isto para lhe dizer que o que eu temia se realizou, isto é, o periódico ataque daquela minha enfermidade moral ( e fisiológica também, penso eu) que não sei que nome tenha, entorpecimento, sonambulismo, misticismo, ou como melhor se possa chamar, mas que constitui um como que estado de alienação mental, tanto mais doloroso quanto mais tenho plena consciência, sem lhe poder resistir de cara»[xxxviii].
Esta consciência da sua doença é repetitivamente referida por ele, por vezes usando quase as mesmas frases. As queixas têm em comum a inércia e a luta por uma organização mental que se traduzisse em obras e realizasse aquela acção social, revolucionária para a qual sente que todos esperavam dele já que as esperanças da sua geração em parte nele se concentravam. Não é pois esse anseio que está presente no título da obra que tentou escrever: “Programa para os trabalhos da Geração Nova”? Não é suficientemente elucidativo como a doença e a consciência de não conseguir realizar essa tarefa gigantesca caminham a par?
Segundo João Gaspar Simões[xxxix], foi durante toda esta época (1871-1875) que tentou escrever uma obra que seria a sua filosofia e a súmula das suas ideias políticas. Tratava-se do ambicioso plano para um escrito extenso, o qual teria chegado a ter dois volumes, “Programa para os trabalhos da Geração Nova” que teria mesmo trazido na sua viagem para S. Miguel e considerava que o terminaria na Ilha. Cada vez que fala deste trabalho revela uma disposição diferente, ora esperançado em acabá-lo, ora desesperando com as crescentes dificuldades que a obra lhe cria. São muitas as referências que faz a esse trabalho, já em 1871 a ele se refere e, entre outros, escreveu a falar dele a Teófilo Braga, depois a Oliveira Martins e ainda a Lobo de Moura. A este último diz em carta, antes de partir para o Minho: «Levo comigo o meu Proudhon e os meus eternos apontamentos, a ideia desesperada de fazer um livro»[xl].
A sua composição era muito ambiciosa, mas tudo ruiu e Antero, convencendo-se de que não conseguiria expor as suas ideias, destruiu todo o trabalho que alguns amigos teriam conhecido e a quem o lera, sendo mesmo anunciado na imprensa que ia ser publicado. Teófilo porém afirmava que tal obra nunca existiu, nem chegou a ser escrita. Desta tentativa gorada em escrever, o que considerava a sua obra que viria coroar o que dele se esperava, saiu com o mais doloroso e mórbido estado de espírito e revela-o em carta escrita de S. Miguel a Oliveira Martins:
«A contensão terrível do meu pobre espírito, amarrado, acorrentado como um potro, como numa cruz, à dedução das ideias que o trabalho do meu livro vai erguendo diante de mim (vendo abismos de um lado, vendo muralhas do outro) numa palavra, estado de parto, e está tudo dito, essa contensão chega em momentos a produzir em mim ( que sou fraco de cérebro) uma coisa muito semelhante à imbecilidade. Com os olhos num ponto único, arregalados num esforço violento para penetrar a forma de uma ideia que não quer sair do vago, não vejo mais nada, e o que de tudo mais entendo é como que pelo tacto, como que às apalpadelas[xli]
Mas talvez tenha razão Manuel Duarte de Almeida, (1844-1914) que cursou Farmácia e foi poeta do Porto, quando afirmou[xlii] que Antero se capacitou de que a sua obra estava já em desacordo com os dados avançados pelas ciências e as descobertas das teorias evolucionistas. O ajustamento e consequente trabalho de revisão da sua obra não se coadunavam, considerando a sua evolução psicológica, com as possibilidades de trabalho que dispunha. Uma estranha abulia acrescentava mais dificuldades em escrever mas talvez outro, menos ambicioso ou mais paciente, teria terminado o trabalho, depois de rever a obra.
A vertente da «estagnação» que estava a viver superava em muito, daqui em diante, a outra vertente da «generatividade» que devia conquistar no mundo do trabalho com a realização das suas potencialidades no interesse pelos outros, pela vida familiar e social. Não aceita a sério nenhum compromisso. Amigos e admiradores continuavam a esperar dele uma grande obra, a continuação de uma poesia que foi realmente única em Portugal, mas Antero, face a tais expectativas, talvez demasiado exigentes e que ele mesmo alimentava, cai numa apatia e adoece de modo estranho, pouco fácil de explicar sem a ajuda da psicologia.
É sem dúvida psicossomático o abatimento que nele se instala, as crises, o isolamento, o horror ao ruído, as insónias terríveis, os problemas digestivos que são reais, mas não deixam de ser psicofisiológicos. Vivendo de alguns rendimentos, numa ociosidade de inadaptado, sonhando projectos, escrevendo a amigos ou algum poema ou artigo, não tem o contexto social e afectivo que lhe dê estabilidade. Os mesmos rendimentos de que vivia eram para ele um tormento pois mostravam uma grande incoerência, para um socialista e revolucionário, por depender do trabalho alheio dos seus rendeiros, muito embora a modéstia das rendas.
A morte da mãe, em Lisboa, em 1876, traz ainda um maior abatimento moral que se prolonga nos anos seguintes.
Depois de sucessivos fracassos de tratamento à sua doença, nas Ilhas do Faial e Terceira nos Açores e até em Bellevue, um estabelecimento hidroterapêutico perto de Paris, onde foi tratado por Charcot e lá esteve por duas vezes não tiveram bons resultados. O seu desânimo e a consciência da sua doença manifestam-se cada vez mais. Curiosamente a opinião de Charcot sobre a doença foi a seguinte: On s´est trompé; vous n´avez paz rien à l´epine; vous avez ume maladie de femme, transportée dans en corps d´homme; c´est hystèrisme»[xliii] Nesta época, Freud, que trabalhou com Charcot (1885-1886), rejeitava a tese tradicional que considerava a histeria apenas feminina (etimologicamente do útero) e começavam os êxitos da psicanálise aplicada aos dois sexos.
Assim os diagnósticos que lhe foram feitos, coligidos por José Manuel Jara foram os seguintes: Astenia do tubo digestivo, pelo médico Filomeno da Câmara (1869/74), com prognóstico negativo; Estenose do piloro, por Raul Bensaúde (a que acrescentamos a do médico Augusto Simas) com sintomas gastrointestinais, (dificuldades de ingerir alimentos, dores de estômago e intestinos) ambos os diagnósticos feitos após a morte[xliv]; Doença da Espinha, pelos médicos Manuel Bento Sousa, Curry Cabral e um médico macaísta, na Ilha Terceira, com sintomas “neuromusculares” (falta de forças, imobilidade quase total, dores) e finalmente histeria por Charcot com os mesmos sintomas anteriores[xlv]. Todos estes diagnósticos têm mais base orgânica do que psicológica, como se pode ver e deixam de parte o que sofria no espírito dilacerado por dúvidas, incertezas, desilusões políticas, questões existenciais que pretendia resolver, bem como aquela “sua filosofia” que insistentemente tentou expor. Tudo isso que a sua inteligência fulgurante tentava solucionar mas nunca conseguiu conciliar.
Foi em Bellevue que deve ter sofrido a sua última desilusão amorosa. Tinha então 35 anos e, como em outros casos de paixões ou amores anteriores, Antero foi muito reservado, mesmo com os amigos, e conhecer o nome da senhora, de que apenas se indica estar ligada a um processo de divórcio e também convalescente em Bellevue. Mais pormenores sobre ela não adiantariam muito pois o desfecho é que o marcou dolorosamente. Deste caso sai, ao que confidencia em cartas, profundamente triste e atormentado por dúvidas e conflitos emocionais que se arrastam por muito tempo.
Finalmente regressa a Lisboa por algum tempo, morando perto de sua irmã Ana no ano de 1880. A doença do seu irmão mais velho, André, agravada em 1882, fez com que fosse internado no Hospital de Rilhafoles por ter enlouquecido, veio provocar-lhe grande consternação e aumentar o seu medo da sua própria loucura.
Em Setembro do ano seguinte, fixa-se em Vila do Conde com as duas meninas muito pequenas, órfãs do amigo jornalista, Germano de Meireles que, ao morrer, as deixou ao desamparo. Entre todos os amigos, foi só Antero quem as acolheu, primeiro em Lisboa e amparou depois durante toda a sua vida. Protegeu também a mãe delas, Teresa, uma mulher humilde, tuberculosa, que veio a morrer em 1884. Antero reconheceu a sua grande coragem e resignação, face a todo o sofrimento, e arrependia-se de não ter acolhido com mais caridade a pobre mulher que, apesar das falhas de instrução e cultura, se lhe revelou no fim da vida com qualidades e melhor conceito do que dela tinha anteriormente[xlvi].
Esta estada em Vila do Conde durou 9 anos e é uma estagnação que precipita a passagem para um ciclo da vida que devia ainda estar distante. Solitário, com poucos recursos económicos, vivia quase como um eremita, alheando-se da vida política e da escrita. Salvo as visitas que fazia ao Porto, quase não convivia e apenas dava grandes passeios nocturnos pela praia. O seu amigo Lobo de Moura que vivia na Póvoa era uma das poucas pessoas que visitava. Mas o poeta-filósofo envelhecia precocemente e vivia entre aquelas crises, nele muito frequentes, entre um grande abatimento e rompantes de exaltação, mostrando então desmedida violência e dureza que contratavam com aquela sua proverbial bondade[xlvii].
De algum modo, é um tempo de grande reflexão e ruminação interior. Continua com a aspiração de dar a conhecer ao público a sua filosofia e as visita que fazia ao Porto ao amigo Oliveira Martins ou a casa de Carolina Michaelis de Vasconcelos eram um lenitivo para o seu estado psíquico sujeito sempre a crises.
Ainda em 1885 escrevia uma carta, numa fase em que parece pôr de parte as suas enfermidades, e fala com serenidade ao seu amigo, Francisco Machado de Faria e Maia, pensador muito profundo e senhor de uma prosa brilhante, da sua solidão e necessidade de um equilíbrio moral para a sua “doença”:
Tal é o singular desarranjo dos meus nervos (desarranjo singularíssimo, porque, deixando intacta a imaginação, perturbou profundamente tudo quanto depende da vontade) e paradoxalmente acaba por dizer na mesma carta: De resto, tenho um tal sossego interior, que posso dizer que sou feliz, no bom e único verdadeiro sentido da palavra. É um fruto da filosofia, e quem me diria a mim, quando em Coimbra comecei a cultivá-la, que (…) viria a ser fonte de energia e escudo contra mil e um males!»[xlviii].
Porém, no mesmo ano e com pouco intervalo, escrevera também a Tomazzo Cannizzaro dizendo como se tinham agravado os seus sofrimentos nervosos e como estes eram inevitáveis.
Estes depoimentos de Antero estavam na sequência das queixas dos sintomas que o afligiram, e do que ele considerava «a sua doença» que José Manuel Jara tentou recuperar, em parte, através das suas cartas, focando especialmente os anos setenta e princípios de oitenta. Ansiedade, terríveis insónias, abatimento quase abúlico, humor depressivo e digestões difíceis juntam o orgânico e o psíquico numa instabilidade quebrada por alguns tempos de serenidade ou mesmo de grande vivacidade de espírito.
No ano de 1887, pelo Carnaval, participou numa farsa carnavalesca com um adivinho inglês, Stuart Cumberland, mais alguns dos seus melhores amigos, Eça de Queirós, Oliveira Martins, Guerra Junqueiro, Camilo e outros. Tavares Carreiro cita Luís de Magalhães e outros para afirmar os versos da autoria de Antero e que Guerra Junqueiro teria recitado reencarnando Victor Hugo vindo do além para participar na sessão[xlix]. Não há dúvida que, apesar da melancolia, bastava uma faísca de bom humor, a presença dos amigos, para que a sua vivacidade e espírito se manifestassem ainda. Revive os ecos da poesia satânica, do sonho, loucura e da magia. É a voz do inconsciente, com a libertação do racional que atinge semelhanças com o “Bureau de Recherches Surréalistes onde todos são convidados a partilhar da voz interior[l]. A voz de Antero nunca soou mais livre e desinteressadamente, oscilando entre a vertigem e o horror do regresso ao todo, na fusão que liberta as forças da natureza e se desliga da razão e dos seus compartimentos rígidos e lógicos.
A partir de 1885 não tinha escrito mais sonetos, depois de “O que diz a Morte” e “Com os mortos”. A última poesia que se conhece são quadras para uma “Serenata” em 1887, escrita em S. Miguel e para a qual foi composta a música por João Maria Sequeira que ele ainda ouviu com muito agrado, em Ponta Delgada, em casa do compositor.
Chegara a S. Miguel, desiludido com tudo, mas com o desejo de apoiar a irmã Maria Ermelinda, depois de saber pela irmã Ana que o cunhado, contra o qual tinha alguns preconceitos, especialmente por ser mais novo do que a esposa e que não tinha em boa conta, estava envolvido em melindrosos problemas financeiros. Foi para casa deles em Água de Pau, longe da cidade, e, contactando com o cunhado, para além de evitar a ruína da família, deslindando os negócios mal parados, descobriu que este afinal era bondoso apesar de fraco, por isso merecia a sua estima. Este curto tempo no campo foi muito alegre e Antero recuperou uma certa felicidade que o levou a ter esperanças de que um regresso definitivo à sua terra natal seria um grande bem para ele.
Todavia, pouco tempo se demora regressando a Lisboa e depois de novo para Vila do Conde. Psicologicamente, ainda segundo Erikson, «as crianças precisam de adultos e os adultos, nesta fase, necessitam de crianças» assim, a proximidade com os sobrinhos pequenos e ainda mais a presença das suas protegidas seria muito proveitosa para evitar crises e dar a Antero uma estabilidade mental muito positiva. As suas duas pequenas afilhadas vivem desde 1885 num asilo de órfãs das Irmãs Doroteias, em Cedofeita, no Porto, e a sua solidão em Vila do Conde é maior, cada vez maior.
Para Sant´Anna Dionísio a sua ociosidade e isolamento cada vez mais acentuados justificam-se: A inactividade como sinal da mais elevada actividade» e para reforçar a sua tese, que em nada colide mas antes reforça as teorias psicológicas actuais, acrescenta:
(...) o melhor dos seus pensamentos diluíra-se nas conversas que ele travou com os seus amigos mais íntimos e inteligentes dos tempos de Coimbra, do Cenáculo, do Casino, de Vila do Conde, de St. Ovídio _- e isto para não falar dos pensamentos que ele teceu nas suas longas noites brancas de doente e incontáveis dias de ascético recolhimento.
A chamada vida prática (...) nunca existiu. (...) ele permanece, inalterável, no que Teófilo Braga chamava com azedume a sua preguiça. Cada um aceita o seu pequeno casulo profissional, constrói a sua casa, constitui a sua família, cumpre a sua pequena tarefa particular ou de Estado, à margem das tarefas literárias ou científicas pessoais. Antero, esse, viverá indefinidamente com um desocupado. A sua formatura em leis de nada lhe serviu. Como certos personagens de Dostoievski que o romancista nunca deixa claramente entender de que é que vivem, pode bem asseverar-se que Antero foi um homem que durante a sua vida, apenas teve estas funções: a de conversar, a de traduzir em uma pequena poesia alguma intuição ou experiência profundamente vivida, a de levantar uma vez ou outra um protesto contra alguma injustiça, a de animar, do fundo do seu próprio desanimo, algum amigo num momento de incerteza, a de visitar de longe em longe alguns íntimos ou de receber as suas visitas, para nesses momentos reavivar a inquietação filosófica que neles facilmente adormecia mas que no seu coração e espírito persistia sempre viva![li]
Não deixa de ser uma defesa corajosa, esta, a de tentar explicar este modo de vida fundamentado num socratismo em que o ócio da “agora” ateniense se instalara nos finais do século XIX no espírito atormentado do pensador. Todavia o contexto social e a própria ansiedade de Antero de produzir um trabalho válido tornam esta tese frágil, apesar da beleza com que vislumbra a figura do poeta. São muitas as provas de que Antero desejava encontrar um estatuto social e representar um papel na sociedade que confirmasse o seu ideário político, o seu socialismo moral a que tentou dar forma prática muita vez.
Apesar de tudo isto, os projectos de escrever a «sua» filosofia não terminaram. A tranquilidade que gozou em Vila do Conde foi benéfica para o seu físico, mas não lhe aquietou o espírito atormentado por um espiritualismo, um misticismo em contradição com as suas ideias revolucionárias, a sua ironia e cepticismo quanto ao rumo da História especialmente do “pobre Portugalório” como, por vezes, ironicamente dizia.
Verifica-se que o comentário de António Sérgio (1909) acerca do Antero luminoso e nocturno, ou, mais precisamente das duas conhecidas facetas “apolínea e dionisíaca”, já mencionadas, corresponderão ao contínuo conflito psicossocial e afectivo e à bipolaridade cada vez mais acentuada, que terá começado em Coimbra e só terminará na fase final em que a vertente negativa se precipita em desespero, em vez de uma faceta positiva, a da realização pessoal “Integridade” que nele foi sempre adiada esperando atingir um estado de espírito mais elevado, uma concretização das suas ideias num ambicionado e sempre sonhado sistema metafísico. Entretanto a busca de um sentido prático para a vida, a procura de uma ocupação social nunca o abandonou. Algum tempo antes da sua saída de Vila do Conde, encontramo-lo, em Fevereiro de 1888 « receptivo acerca da hipótese de um cargo de professor no Curso Superior de Letras, mas com a condição de não ser a Filosofia, mas o Latim, o objecto do seu possível ensino.»
[lii]. Para isso estuda os clássicos latinos, o que sempre foi uma das suas ocupações preferidas, e tentou realizar este projecto que também não teve continuidade. Se esta hipótese se realizasse teríamos Antero instalado numa vida social que lhe daria o sentido que não encontrava nas abstracções puramente teóricas e nas vagas congeminações filosóficas que comunicava intermitentemente aos amigos. Os problemas financeiros deixariam de o preocupar tanto, teria o apoio das suas pupilas e ainda restaria muito tempo para a sua bem amada torre da Metafísica. Mas há um certo determinismo psicológico que depende de todas as escolhas passadas e dos rumos já traçados. Antero não tinha ânimo para assumir tão tarde uma tarefa sucessivamente adiada e, por isso, cada vez mais difícil de concretizar.
A publicação dos seus escritos de carácter mais filosóficos da sua última fase foi em 1886, e eram intitulados: «A filosofia da Natureza dos Naturalistas», num conjunto de artigos publicados em “A Província”, jornal fundado por Oliveira Martins, no Porto.
Depois, a convite de Eça de Queirós, em 1889 vai iniciar a publicação de «Tendências gerais da filosofia na segunda metade do século XIX», para a Revista de Portugal. No início, Antero sente a dificuldade da tarefa a que metera ombros. Ele mesmo diz: «Receio ter-me metido numa empresa muito superior às minhas forças, e fico aterrado diante da consideração da minha enorme ignorância»[liii]. Mas passado esse escrúpulo inicial devido a lacunas que encontrava nos seus conhecimentos filosóficos, depressa se anima e pensa que tal trabalho será finalmente a “sua” filosofia e transformará depois os três artigos num livrinho. São, novamente, os projectos que o levam a iludir-se. Realmente o que sucede é que os dois primeiros artigos tomam uma feição que os acontecimentos políticos do Ultimatum britânico (1890) alteram profundamente, quando passa a escrever a terceira parte. A pedido insistente dos amigos faz parte da “Liga Patriótica do Norte, como Presidente. Mas será mais um passo na desilusão política e social.
Nesse ano saíram os três artigos das «Tendências»; e nos primeiros coloca a evolução filosófica da humanidade, como ser abstracto e racional, com manifesta influência hegeliana, em excepcional prosa que o Professor Joaquim de Carvalho tanto enaltece[liv]. Por vezes demonstra pouca confiança no homem «de carne e sangue», esse que estudou em Feuerbach, e recusa reflectir na maior parte do trabalho.
As interrogações existenciais surgem por fim ao tentar fugir da pesada armadura do positivismo e cientismo. Para a sua época, a personalidade de Antero representa uma indicação de uma via metafísica através da salvação moral do homem. Dadas as suas reflexões, é na consciência moral, na alma que coloca a vontade do bem que renuncia a si identificando-se com uma vontade absoluta que nada mais seria do que a necessidade transportada para o homem de uma lei que, na natureza, nada tem de bondade e generosidade ou de justiça. Se os primeiros capítulos são uma explanação racionalista da filosofia, torna-se mais pessoal no final do trabalho. Há agora um “materialismo idealista”, uma filosofia evolucionista de fundo moral em que a consciência, o Bem, a Justiça demonstram o esboço de um sistema que tornam o poeta filósofo no maior escritor, em matéria filosófica, e o que melhor traçou os rumos e a missão da Filosofia nessa época.
A sua síntese é “a síntese possível” dados todos os condicionalismos que rodeavam as soluções a que chegou. Mas teve o mérito de enaltecer a Metafísica titubeante do seu tempo, abrindo a porta a uma visão metafísica do Homem. Antero surge assim como um dos poucos que não se contaminou com o positivismo reinante em Portugal e, sem ter um pensamento original, tem uma filosofia idealista que cumpre a sua tarefa de «definir o espírito de uma civilização e torná-lo cônscio de si mesmo». Sendo esta a sua obra filosófica mais conseguida, é uma obra aberta possível de interpretações diversas por cada geração que a isso se dedicar[lv].
A sua personalidade está, porém, cada vez mais frágil e as crises de doença aumentam logo que abandona Vila do Conde. A sua situação económica aflige-o sem que por isso tome decisão alguma. Nunca arranjou um emprego, qualquer forma de se manter activo no sentido prático, concreto. Se foi um inadaptado no seu tempo, mais o seria hoje. Na Idade Média talvez fosse monge, como até ele próprio levantara a hipótese, na Grécia seria filósofo, mas precisaria de um escriba para escrever o que dizia...
Cada vez mais a sociedade lhe parece adversa. O final adivinha-se e precipita-se como um desenrolar lógico da sua viagem no Mundo. O seu regresso a Ponta Delgada com as pupilas é um desastre para a sua saúde, para a sua tranquilidade e para a serenidade que cada vez lhe foge mais com os pequenos conflitos domésticos. Para esse crescente mal-estar concorre para a consciência viva de uma desadaptação cada vez maior. Ainda sonha em regressar a Lisboa. Para isso teria de deixar para trás as suas queridas órfãs por questões económicas. O poeta-filósofo tem apenas 49 anos mas reage face à vida como se já tivesse atingido a velhice. Não há integridade nem sentimento de satisfação pelo que viveu. Antes pelo contrário, não está preparado para defender a dignidade do seu estilo de vida.
“0s indivíduos olham para trás e avaliam o que fizeram com suas próprias vidas. Os olhares tanto podem ser positivos (integridade) como negativos (desespero).”[lvi].
O desfecho final do suicídio é uma consequência, quase como que inevitável e lógica de um processo, que vem de muito longe e só se explica pelo desespero que, por sua vez, é fruto da estagnação e esta fruto das grandes expectativas da geração de 70 que não se concretizaram nunca.
Sabemos que não há suicídios, mas suicidas. Todas as explicações que se tentaram dar a este gesto final não podem ser atribuídas a uma patologia nem a uma cobardia. Só quem ama desesperadamente a vida pode procurar a morte num paradoxo da busca de um Absoluto.
Se tivéssemos de procurar uma causa, talvez nos inclinemos para a tese de Jaime Cortesão, ao dizer no seu trabalho[lvii] que se tratava de um assassínio colectivo. O criminoso, se ainda houvéssemos de falar assim, não seria ele, mas todos os condicionalismos psico-sociais. Seria o tal mal do século que se realizava nele, uma escolha que não seria totalmente livre, pois nenhuma o é, mas nem por isso menos coerente na sua autenticidade.
Mas, se assim não fosse, teria morrido noutro dia qualquer, vítima das suas doenças, soçobrando na loucura talvez, como o seu irmão André, fraco de corpo e de espírito. Teria sido possível que o amparo de um amigo, um familiar, estivesse sempre por perto para lhe desviar o braço, atrasar o gesto, apagar a tentação?[lviii]
Não se trata de uma decisão súbita e brutal. É uma conclusão infeliz, desesperada, de quem não encontra sentido para a existência, de quem lutou, viveu, sentiu, para, por fim sentir a frustração da obra que não tem forças para terminar, da filosofia que adia continuamente, da poesia que, desde 1885, deixou de escrever, da vida familiar que não existe, dos amigos que só de modo intermitente podem servir de arrimo. É um velho que se mata, mas é um jovem que morre.
No paradoxo desta nossa afirmação está todo o condicionalismo sócio afectivo da mocidade, as desilusões que não venceu, os rumos dispersos por onde andou. Antero subiu demasiado alto para se decidir por uma vida que se realizasse de verdade com toda a sua carga de rotina, prazeres e desgostos domésticos, dia-a-dia comum a que todos se submetem ou conquistam com um lugar ou um sentido para a existência.
Em vez disso interrogou o Destino insistentemente, percorreu caminhos que não o levaram a nenhum porto e por fim sentiu a ânsia de paz que tantas vezes procurou. Antero desapareceu, mas já tinha morrido tanta vez, aquele filósofo e poeta que foi sempre, nos caminhos da vida e nos caminhos da morte, a imagem da Juventude e o símbolo de uma Geração.
A âncora verde da esperança continua lá, nesse local, no muro do Convento à beira do Campo de S. Francisco, mesmo por cima do banco em que, no crepúsculo do dia 11 de Setembro de 1891, Antero se sentou pela última vez e desfechou o tiro decisivo. Quando alguém por lá passa pode lembrar-se respeitosamente do fim de uma longa peregrinação em busca do Absoluto e da verdade e que deixou uma mensagem a que cada geração dá a sua interpretação por ser como é, uma obra aberta.
Afinal, como dizia Erikson, «as crianças saudáveis não têm medo da vida assim como os adultos saudáveis não têm medo da morte». Dando a sua vida por concluída, Antero enfrentou o último e insondável Mistério com a coragem de um iniciado.
NOTAS
[i] As you like it.
All the world’s is a stage
And all the men and women merely players
They have their exits and their entrances:
And one man in his time plays many parts,
His acts being seven ages.
[ii] Monteiro e Ribeiro dos Santos, Psicologia, Porto Editora, 2º Vol.pp.34-36.
iii] É de notar que António Sérgio teria apenas 20 anos quando publicou as primeiras Notas anterianas, o que forçosamente tem de ter tomado em conta pois não estava ainda na posse de todo um sistema filosófico ou organização mental cimentada com conhecimentos obtidos. Por isso, a evolução mental do comentador, que terminou os trabalhos aos 25 anos, tem de reflectir-se na visão do poeta filósofo.
[iv] Jara, José Manuel – A consciência da doença em Antero de Quental – Hosp. Júlio de Matos, 4: 39-46 (1998), p. 46.
[v] Luzes, Pedro – A doença de Antero - influência da relação mãe-filho - Congresso Anteriano Internacional, Actas, Ponta Delgada, U. A 1993.
[vi] Mendonça Dias, Urbano de – Literatos dos Açores – Vila Franca do Campo, 1931, pp. 113- 177. Citando Rodrigues Lobo e Ramalho Ortigão que contrariam Ricardo Jorge que o intitula imbecil e paranóico, colhe do primeiro o seguinte: «Teófilo Braga imbecil e paranóico! Valha-nos Deus, que são estes conceitos nascidos em momentos de excitação que pulverizam erros a história. Quem folhear a obra literária de Teófilo Braga, mesmo superficialmente, não duvidará do grande valor da sua mentalidade. (…) como escritor, como crítico, desbravando caminho da História da Literatura Portuguesa e como filósofo é dos maiores da nossa raça». E ainda com referência a Ramalho: «Simples, sóbrio, duro, com hábitos de uma austeridade de espartano, sabendo reduzir as suas necessidades a toda a restrição a que lhe reduzem os meios». pp.118-119.
[vii] Carreiro, José Bruno Tavares – Antero de Quental - Subsídios para a sua biografia Vol. I Ed. Instituto Cultural de Ponta Delgada, Lisboa – 1948. pp. 20-25.
[viii] Idem, ibidem, pp. 24-25 5.
[ix] Idem, ibidem, pp. 94-95.
[x] Idem, ibidem, pp. 94-95.
[xi] Luzes, Pedro – Ob. cit. pp. .351-364.
[xii] Ferreira, Padre Ernesto – Os três Patriarcas do Romantismo nos Açores, Instituto Cultural de Ponta Delgada, l947, pp. 90-132.
[xiii] Gaspar Simões, João – Antero de Quental, Editorial Presença, Lisboa, 1962, pp. 247-248
[xiv] Jornal Correio dos Açores, 10-9-22.
[xv] Erikson, Erik – Identidade, Juventude e Crise, Rio de Janeiro Editora Zahr, 2ª edição.
[xvi] Jara, José Manuel, ob. cit., p. 41.
[xvii] Sonetos – Edição organizada, prefaciada e anotada por António Sérgio, Col. Clássicos Sá da Costa. Lisboa, 3.ª Edição, 1968, pp. LXXV-LXXVII.
[xviii] Gaspar Simões João - . Ob.cit. p.22.
[xix] Carreiro, José Bruno Tavares, Ob. cit. pp. Vo1. I, pp. 157-160
[xx] In Sonetos, “Amaritudo” – Edição organizada, prefaciada e anotada por António Sérgio, Clássicos Sá da Costa, 3ª. Edição, 1968, p. 84
[xxi] Carta autobiográfica a Wilhelm Storck. Carreiro, José Bruno Tavares, Ob. cit. p.101-102.
[xxii] Prosas – Obras completas -Época de Coimbra – Edição Clássicos Sá da Costa, pp. 119-121. O que toda a gente vê ou a política numa lição Um dia um certo número de indivíduos reúnem-se na praça pública: Concorre gente E começam a gritar: A gente apinha-se. Uma terça parte garotos e vadios, Outra, mulheres, O resto, gente que vem ver – para rir – julgando que serão bêbados . Ora um destes indivíduos sobe aos ombros de outro e diz; - O Povo geme! A multidão agita-se. - A Liberdade é um direito santo!!!- A multidão freme. - O Povo quer ser livre!!! – A multidão urra. Derrubemos os tiranos!!! – A multidão rui.
Ora, outros indivíduos estão reunidos em uma grande casa e dizem: - O povo geme – Logo aumentem-se 5 por cento. - A liberdade é um direito santo – Logo, venha a censura. - O povo deve ser livre. – Logo, triplique-se o exército Etc.etc. etc. Outros aplaudem, e um copia estas falas num grande papel, que se imprime, consta, que para desfeitar a gramática. Há quem boceje. Enquanto isto se passa, o rumor dos homens da praça aproxima-se: os da casa, ouvindo-os fecham as portas; os outros bradam de fora. Nisto, outros homens vestidos de furta cores apresentam-se e marcam passo. Depois, ao toque de um instrumento de latão, e caindo sobre os outros, disparam vários tiros para o ar. Alarido e confusão.
Temos aqui dois casos a considerar.
Se os primeiros levam a melhor neste exercício, abraçam-se uns aos outros, grita-se muito, consome-se mais vinho; surgem Demóstenes, saqueia-se, arromba-se. - E diz-se que o Soldado confraternizou com o Povo em nome da liberdade – viva o Povo e o Soldado! – Há iluminarias no palácio da Câmara Municipal. Os homens da casa grande evacuam a sala: os da praça tomam-lhes os lugares e começam a entrar na grande via das reformas. Do seguinte modo. -O povo gemeu – Logo, aumente-se 10 por cento. - A Liberdade foi um direito santo… - Logo, venha a censura e a multa. - O povo deve ser livre. – Logo tripliquem-se o exército e os cabos de polícia. Outros copiam e imprimem, para pegar uma peça à gramática e ao senso comum. Muita gente dorme; alguns ressonam (… )
[xxiii] Art. In Nova Alvorada, Ano I, nº11, de 1-III-1892, cit. por José Bruno Carreiro Ob.
Cit. VolI, p 112.
[xxiv] Carreiro, José Bruno Tavares, Ob. cit. pp. 270.
[xxv]
Erikson, Erik - Ob. cit. 1976, pp. 242-243.
[xxvi] Carreiro, José Bruno Tavares. Ob. cit. Vol. I p.232
[xxvii] Idem, Ibidem. pp. .261- 262.
[xxviii] Idem, Ibidem, pp. 282-284
[xxix] Carta a José Sampaio, publicada no Jornal Correio dos Açores, 11-XI- 32.
[xxx] Carreiro, José Bruno Tavares . Ob. cit. Vol. 1 p. 285.
[xxxi] Memórias, 1, pp.295-296.
[xxxii] Costa Melo, Lúcia – Uma perspectiva surrealista na vida e obra de Antero de Quental, Instituto Cultural de Ponta Delgada, 1978, pp. 140-148.
[xxxiii] Salgado Júnior – Conferência «Antero e os treze sonetos de Vila do Conde», p.46.
[xxxiv] In Sonetos, Redenção; Ob. cit., p. 208
[xxxv] In Memoriam. 1.ª Edição, pp. 443-444.
[xxxvi] Raios de Extinta Luz e outras poesias, p. 221.
[xxxvii] Carrouges, Michel Louis Couturier – André Breton et les données fondamantales du surrrealisme, Publ. Gallimard, 1.ª Edição 1950, p. 54.
[xxxviii] Citado por Jara, José Manuel – in. Ob. cit. p.41.
[xxxix] Gaspar Simões, João – Ob. cit. pp.62-63.
[xl] Tavares Carreiro, José Bruno, Ob. cit. , Vol. I, 440-441.
[xli] Idem, Ibidem, Vol.I, pp455-456.
[xlii] Idem, Ibidem, Vol. I, p.447.
[xliii] Idem, Ibidem, Vol.II, p. 62.
[xliv] Nota nossa: a dieta seguida durante muito tempo por Antero que consistia em se alimentar só de 24 em 24 horas, com uma refeição forte e substancial não era nada favorável à estenose do piloro e, de facto, os vómitos e as longas digestões, para além do mal-estar psicológico, trazia mal-estar físico e está em contradição com a doença que sofria pois refeições leves e frequentes seriam preferíveis neste caso que hoje se resolveria facilmente com uma intervenção cirúrgica.
[xlv] Jara, José Manuel, ob. cit. pp 44-45.
[xlvi] Magalhães, José Calvet de – Antero “A vida angustiada de um Poeta”, Bizâncio, Lisboa, 1998. pp. 119-120.
[xlvii] Duarte de Almeida, Manuel «O Antero tinha tanto de resignado como de violento e brusco… Tão complacente, por via de regra , e tão tolerante com o outros, tinha contudo, por vezes, e conforme os casos, vivacidades e durezas inesperadas, que faziam pasmar os seus mais íntimos… In Memoriam, ob. cit. p. 361.
[xlviii] Antero de Quental, Cartas II, (1881-1891) – Organização, introdução e notas de Ana Maria Martins, Lisboa, 1989, p. ob. cit. p. 729.
[xlix] Tavares Carreiro, José Bruno, ob. cit. pp. 175-177.
[l] Costa Melo, Lúcia, ob. cit. pp.l 69- 173. São estes os únicos versos escritos em francês: Je suis mort. Me voilá. Je rayonne dans l´ombre. Je suis l´éclair, je suis la voix, je suis le nombre!
Les soirs, autour de moi, comme un essaim d´abeilles Voltigent. Oh firmement, jardin de fleurs vermeilles.
Que mon soufflé caresse et que ma vaste main Cuille d´un large geste, auguste e surhumain.
Je t´habite! Oh lueur! Je rêve sur le cime Et mon nombril s´ etale aux bords noirs de l´abime!
Je suis tout. Oh! Je suis le repôs et la lutte De l´infinit muet. Je suis l´harmiflute!... (…)
[li] Sant´Anna Dionísio, Testamento Filosófico de Antero de Quental (Antologia) Seara Nova, Lisboa, 1945 – V “A inactividade como sinal a mais elevada actividade” pp. 27-31.
[lii] Tendências Gerais da Filosofia na segunda metade do sec. XIX. Estudo de Joel Serrão. F.C.G. 199. p.16.
[liii] Antero de Quental, Cartas II, (1881-1891) – Organização, introdução e notas de Ana Maria Martins, Lisboa, 1989, p. 931.
[liv] Carvalho, Joaquim, Evolução espiritual de Antero e outros escritos, Secretaria Regional de Educação e Cultura, Açores, 1973.
[lv] Costa Melo, Lúcia – Tendências gerais da filosofia na segunda metade do século XIX, -Reflexões, Instituto Cultural de Ponta Delgada, Insulana, 1998.pp. 143-182.
[lvi] Monteiro e Ribeiro dos Santos.
Ob. cit. 2º Vol. pp. 37-39.
[lvii] Cortesão, Jaime, Bandeira, Manuel – Remorsos pela Morte de Antero; Glória de Antero, in. Cadernos de Seara Nova, Lisboa, 1943.
[lviii] Costa Melo, Lúcia. Ob. cit. pp. 185-197.