"Ano de Darwin "

  • Carta 5ª ao Século XXI

  • ©  Lúcia Costa Melo Simas .( 2009 )

 

 

               

       

  Permanência das prisões

[    Mastro de atracação de pequenos barcos de pesca. Torreira. Portugal. 2008 ]

© Levi Malho - Imagem digital

   

 


 

 

 

    Há pouco mais de cinquenta anos, uma polémica rodeava a obra de Teilhard de Chardin enquanto avançava a doutrina da evolução e Darwin (1809-1882) se tornava cada vez mais divulgado. As vozes da Igreja, repetindo o caso de Galileu, erguiam-se contra o que se considerava materialismo contra o criacionismo literalmente entendido quanto à origem do Comos e do homem.   A costela de Adão, a mulher,  era afinal a culpada da queda e o perigo mais próximo para o pedestal do homem. A mulher seria a porta para o Mal entrar no mundo! O culto mariano foi um meio de tentar minorar uma imagem perigosamente desigual para a dualidade do ser humano.

   Agora, os tempos voam numa rapidez alucinante e Darwin é solidamente firmado como cientista com todos os seus seguidores, mais ou menos ateus. O risco maior desse ateísmo é ser fortemente combativo de todas as crenças e misturar, no mesmo saco de gatos, seitas, religiões e charlatanices.

   Sabemos que a neutralidade da ciência só o é nas suas teorias e nunca nos seus defensores. Por onde quer que passe, o ser humano é naturalmente produtor e produto de valores. A escolha que nos parece ser "natural" é fortemente condicionada pela cultura que é como um ar que se respira.

  Ao lado do darwinismo e da sociobiologia, que se arrisca a resolver tudo pela selecção do mais forte ou do mais apto, a espiritualidade da evolução e o lugar do homem no Universo pode tomar um sentido cristão. O catolicismo, se bem que nem se arrisque muito o uso de tal conceito, pois a tolerância chega ao ponto de omitir a nossa identidade, tomou um sentido profundamente integrado na Matéria, com o pensamento de Teilhard, tão criticado no seu tempo e exilado para a China, onde continuou a sua obra de paleontólogo.  

   Neste ano de celebrações de Darwin, curiosamente, a atenção vai para a ausência dos valores éticos e nova a esperança na religião. Não é que aconteça a derrocada das teses evolucionistas, nem estas deixaram de ser defendidas. O que nos interessa porém das descobertas do passado são as suas consequências para o futuro. E os evolucionistas parecem aceitar bem que a evolução chegou ao homem e parou. Agora torna-se puramente cultural, tese que nem está provada, nem é dogma aceite por todos.

 

   Diante da crise mundial agiganta-se a desmoronamento do valor económico mas, na sua base, não está nem o insucesso do Bezerro de Ouro, nem dos Estados e Governos que o domesticam e representam, mas os seus pés de barro pela falta geral de ética, de princípios de honra e respeito pelo Outro. “Compra usa e deita fora”, não se aplica apenas a objectos que se amontoam e parecem sufocar o Espírito, mas muito principalmente na sua utilização para os seres humanos, que se usam e se deitam fora, porque a ganância em vez da gratidão, a violência disfarçada em vez da agressão directa e o cinismo geral são valores aplaudidos. Agora assustam porque nos batem à porta.

  Por puro pragmatismo e hipotético regresso à ética, surgem apelos à honestidade nas empresas e na sociedade em geral. Com curiosidade e espanto, lemos noticias que apelam para a ética nas relações das empresas e para os valores espirituais e até religiosos que farão funcionar melhor o Sistema e o Poder. Afinal, os empresários descobrem que a fé e os valores fazem mover melhor as empresas e reúnem-se para assumir princípios religiosos ou, pelo menos, valores éticos e espirituais.
    Citando o Padre Anselmo Borges, do DN de 23.01.09. os empresários aceitam dez mandamentos um pouco ao modo da nossa Bíblia do armário:  

1. Trata dos negócios de tal modo que a tua empresa tenha um bom lucro. 2. Sê justo com os teus parceiros de negócio. 3. Mostra estima pelos teus colaboradores. 4. Faz negócios prospectivamente e assegura o futuro da tua empresa. 5. Procura parceiros que como tu acreditem em Deus. 6. Cultiva a humildade. 7. Coloca os teus talentos e recursos ao serviço dos outros. 8. Não te percas no trabalho. 9. Reconhece que a tua empresa não te pertence a ti, mas a Deus. 10. Respeita todos os que não partilham a tua fé.

 

   Parecem bons princípios, mas astuciosamente subordinados ao proveito próprio e um aproveitamento religioso para os negócios. Não se combate o Mal com a perversão do Bem. O Erro é mais profundo. Recordam-nos os “bons” socialistas que pregam alarvemente as doutrinas e vivem em "santo capitalismo".  

   Diante de tudo isto, regressamos à polémica de Teilhard de Chardin. A humanização caminha por dentro da Matéria e a evolução pode não ser puramente natural. Contra "o grande Medo" que profetizou, temos a esperança na libertação do Espírito, na pobreza que o eleva, na caridade que o transcende e na transformação da crise. Esta é tremenda, apavorante mas talvez seja um Bem e a maior oportunidade do Espírito. O catolicismo deve retomar o seu ideal e viver a sua vocação do Futuro.

   Quanto trabalho e sacrifício anónimo e esquecido nos trouxeram até aqui e como é imensa a tarefa urgente de acção e de um conhecimento profundo e sério que comece por reconhecer humildemente tudo quanto se ignora.