" Desejo da Luz "

  • Uma meditação com Teillard du Chardin

    ©  Lúcia Costa Melo Simas .( 2009 )

 

 

              

       

  Enigma da luz e silêncio

[    Claustro de "Santa Maria dei Fiori". Florença. Itália. 2008 ]

© Levi Malho - Imagem digital

   

 


 

 

  

     Com toda a prudência e reservas que as profecias e as visões acerca do futuro nos merecem, encontramos no visionário Teilhard de Chardin aquela esperança e optimismo com que queríamos olhar o futuro. Se viemos de um passado tão distante que causa a maior admiração, se revelamos tantas potencialidades pelo caminho, a questão do sentido, finalidade ou absurdo do humano emerge como o tema central da evolução.
    Podemos entrever os efeitos da cerebralização, da nova sociedade, das sementes culturais que se estendem por caminhos inimagináveis. Por trás das linguagens científicas e tecnológicas, descobrimos o anúncio da “aldeia global”
[1], de valores e identidades novas assumidas com tanta celeridade que alteram as interacções com o Outro, com o mundo e connosco mesmos.
   A mão liberta que elevou o mundo ao humano é uma etapa da evolução ainda tão perto e já tão distante.

   Quase que acabamos de sair da Idade da Pedra e já abordarmos a construção de um saber   global como nunca o Homem atingiu. Abrem-se possibilidades maravilhosas e riscos fatais diante de nós. Dominamos novos espaços, alteramos a nossa relação com o tempo, temos meios para uma vida quase sem doenças e sem dor. Graças às técnicas, está connosco todo um precioso passado, somos privilegiados em tantos aspectos e, todavia, só olhamos para traz como se esse escuro caminho guardasse o segredo do futuro. Quando os cientistas se interrogam cada vez mais acerca da origem do universo, o passado parece conter todo o futuro. A busca das origens encerra o desejo de domínio do presente e controle do futuro. A agressividade inata do ser humano está contida ou projecta-se inconscientemente sobre um objecto aparentemente inocente, as teses científicas, potencialmente capazes de um domínio absoluto da racionalidade. Precisamos sempre de matar para comer e de lutar seja lá por que for. Se bem que disfarçadamente, a luta pela sobrevivência está presente no quotidiano. A nossa ideia de posse contem um altruísmo que pode ser defesa da própria espécie ou algo ainda que está para além dela numa demanda da transcendência vagamente entrevista desde sempre. A afirmação da ética, mesmo que se estendam os direitos a todos os animais, pode ser uma defesa do gene egoísta de todas as agressões contra a sua evolução.

  As sementes de uma mentalidade global despontaram muito devagar até adquirirem uma celeridade imprevisível. Com o distanciamento da natureza os riscos são maiores. O homem separa-se da Natureza quanto mais se afirma como natureza humana. Todo o equilíbrio oscila e a nova consciencialização do pequeno planeta em que vivemos no imenso cosmos dá-se com saltos bruscos de novas tecnologias e de probabilidades surpreendentes.   

     Parece porém que a aldeia global não é a pura lógica porque carrega em si a semente da ética. Tal como nas crianças, dois tipos de juízos, racional e ético estão presentes reunidos num qualquer enunciado único aparentemente desprovido de pessoalidade. Recordemos como Piaget descrevia o pensamento infantil:

   "A lógica é a moral do pensamento do mesmo modo que a moral é a lógica da acção... A razão pura é o árbitro, tanto da reflexão teórica como da prática diária"[2].

   Não se trata de um racionalismo extremo mas da descoberta da unidade do pensamento e da acção com esse fundo ético. O dualismo virtual que as tecnologias parecem permitir apenas estende a outros campos a mesma condição humana. A desaparição do território, a criação de um espaço de múltipla comunicação, a co-reflexão e a inteligência colectiva são realidades e já não pura ficção científica.
   Neste quadro queremos destacar a nossa temporalidade e o seu valor acrescido de mais valias, quer vindas do passado, quer da velocidade do avanço das novas ciências.  A multiplicação de memórias, de informações, de extensão de bancos de dados, torna o homem do futuro virtualmente à beira de um modelo social completamente novo. O entendimento do lugar do homem no universo apenas dá uns tímidos passos, face a toda a transformação que vemos diante de nós.

   Lemos uma série de depoimentos sobre o século XX em busca de um sentido comum ou fio condutor e cada um tinha um cunho pessoal de vivências que lhes roubavam a suposta síntese e a objectividade procurada. No final resta, como o historiador
[3] afirma, “um olhar para a escuridão”. Em vez de vermos melhor, sentimos que nos perdemos por entre as folhas sem sair da árvore e muito menos capacidade de perceber a floresta.
     Com Teilhard de Chardin descemos ao vale, interrogamos a Terra, descobrimos origens e longas caminhadas da epopeia heróica da Humanidade e, também com ele, tentamos subir a montanha mas com extremo embaraço em lhe acompanhar o passo breve e visionário. Nunca vislumbramos mais do que a sua sombra caminhando à nossa frente, ofuscados como ficamos com o fogo que imprime aos seus escritos.

   Só um entusiasmo incansável podia dar unidade a uma obra que se estende por tão largos horizontes e se aprofunda em interiorizações de um pensamento intuitivo e sintético que abrange muito mais do que um tempo e atinge a eternidade.

  “Tudo o que sobe converge”, seria o lema de Teilhard, escolhido pela Editora Morais[4] para reunir uma série de obras acerca deste pensador, publicadas na década de sessenta em Portugal. Esta divisa encerra um risco de simplificação do seu pensamento sempre sintético. Com toda a sua cuidada análise, Henri de Lubac, também jesuíta, francês, de nobre linhagem e um dos maiores teólogos século XX, (1896-1991), fez notar como Teilhard “se aplicou repetidamente em sublinhar a lei de que “a união diferencia[5]. Os equívocos do colectivismo são capazes de levar a uma despersonalização que nunca se harmoniza com a busca da descoberta do pessoal que surge em determinada etapa da evolução. A necessidade de um personalismo parece ser a única forma de não nos sentirmos perdidos e sós na grandeza do Universo. Esse supremo “Alguém” ou o mergulho no Nada são escolhas que Teilhard não teve de efectuar. Desde sempre, a sua visão do Cosmos foi personalista e de crescente descoberta de tudo tender para uma convergência, o ponto Ómega transfigurador de todo o Universo.

     O que notamos hoje, na constante mudança a que estamos sujeitos é exactamente o facto de estarmos num mundo de equilíbrio instável, sem poder olhar para trás e num desfecho que nunca termina, pelo contrário, se acelera em ritmo crescente. Só nos finais do século XX, o grande público se começou a interrogar sobre este jesuíta que, depois de morto, se agigantava no campo espinhoso das letras sem que nenhuma roupagem, dos figurinos preparada para o vestir, lhe servisse pois rejeitava todos os moldes.

     

                 

 

 

   Tal como aconteceu com Hegel e alguns pensadores, Teilhard de Chardin teve de encontrar uma nova linguagem e um vocabulário muito próprio que, ainda hoje, denuncia quem se apropria de fragmentos do seu pensamento para melhor explicitar ideias pessoais. Incompreendido pelos cientistas, que viam na sua linguagem uma extrapolação indevida para o misticismo, sofreu igualmente incompreensão da parte da Igreja, que o viu como um perigoso pensador à beira do herético e por isso o relegou para lugares ignotos, apagando-o quase do público enquanto viveu. Talvez esse exílio fosse um meio de poder investigar e reflectir acerca do grande teatro do mundo que se estendia diante dele nas vastidões do deserto, nas estranhas terras por onde peregrinou e afinal apenas contribuiu para que Teilhard pudesse ver mais e melhor, criando uma espantosa síntese e continuando na linha coerente do seu pensamento inicial. O fio condutor do seu pensamento foi sempre ver mais, encontrar o sentido para o pressentimento que já na infância o assaltava diante do fogo e o prendia deslumbrado. 

    Teilhard de Chardin parte de uma intuição evolucionista e é à luz desta que escreve toda a sua obra. A sua biografia é impressionante e cruzada com acontecimentos e convulsões da época em que viveu.
   Era oriundo de família francesa, da mais velha aristocracia que remonta ao século XIV, nasceu em 1881, no solar de Sarcenat em Puy-de-Dôme e já em 1892 começa o seu contacto com os jesuítas num colégio e recebe forte formação religiosa. Evidencia-se nas matemáticas e humanidades. Tinha apenas dezoito anos quando entrou para a Companhia de Jesus, estudou Filosofia, mais tarde Teologia e depois interrompe os seus estudos devido à 1ª Guerra Mundial. Alistou-se num regimento de zuavos e artilheiros, prestando serviço como maqueiro. Esta proximidade com o sofrimento e a morte, no rasto das deslocações do regimento, deve ter-lhe revelado melhor o sentido cósmico do humano e as profundas interrogações sobre origens e futuro da humanidade. Como “filho do homem” em plena guerra, (1916) no meio do deserto com horizontes insondáveis, sentiu o apelo da Matéria ao escrever; “… então toda a minha sensibilidade se ergueu, como à chegada de um deus da felicidade fácil e da embriaguês, porque a Matéria estava ali e me chamava. (…) Solicitava-me para que, deixando-me ir a ela, sem reservas a adorasse
[6].

   A luta com a Matéria não será contra ela mas descobrindo por dentro dela o fogo Crístico, ou seja, do Espírito, por entre a dor e o sofrimento trágico das batalhas, eleva até ao despojamento de si para ver a existência do homem na sua globalidade planetária. 
   As suas extraordinárias aptidões como paleontólogo vão a par do assumir a sua vocação religiosa. Depois de desmobilizado, em 1919, presta provas na Sorbonne sobre ciências naturais. Inicia estudos para a sua tese e é nomeado para dirigir o curso de Paleontologia e Geologia. São notáveis os seus trabalhos científicos e a roda de admirados e eruditos amigos que conquistou ao longo da vida.

    As suas investigações estendem-se por terras como a China, Índia, Java, Mongólia, Somália e outros países com raras estadias em França. Fica imobilizado em Pequim durante a Segunda Guerra de 1939 a 1946. Mais tarde, conviveu de perto com a ciência dos Estados Unidos, foi ainda à África, passou por Roma, por França e veio a falecer repentinamente em 1955, em Nova Iorque. então a sua obra começa a ser publicada e a sua controversa reputação de pensador inicia-se, para um público, cada vez mais vasto, quando aparece o “Fenómeno Humano”.

    Se bem que este seja o seu livro mais conhecido, a sua obra é vastíssima e muitos são os trabalhos anteriores a este escrito de 1938-1940, aquando do seu exílio no Oriente por ordem da Igreja. É de frisar o pormenor de ter participado em duas terríveis guerras mundiais que marcaram o século de sangue e de ódios, ao mesmo tempo que as ciências eram postas ao serviço do bem e do mal.
    Já em 1932, aos 61 anos, ao passar pela Abissínia, descrevem-no com um rosto enérgico e fino … “
os olhos cintilantes e vivos, tinham qualquer coisa de risonho, mas não eram irónicos (….) era premente a sua palavra; ia até à alma, com esse poder persuasivo, próprio dos apóstolos[7]”.

    Como antropólogo, tem sido comparado a Broca, extraíra das entranhas do solo, segredos das origens do Homem através da paleontologia integrada nas ciências da terra. Deméter é a boa mãe mas também é a Matéria cruel, atraente e repleta de energia, potencialmente indeterminada que lhe surgia, atraindo-o tanto para o abismo de um maniqueísmo redutor como para um panteísmo fácil.
    Porém insiste no Homem para onde converge toda a cosmogénese e não é de modo estático, mas sim num sentido progressivo no tempo, o que o coloca ao lado dos físicos. Quando se fala na “flecha” desse tempo acelerado desde o primeiro acontecimento, o Big Bang. “O Homem, não [ é o] centro estático do Mundo – como se julgou durante tanto tempo; mas eixo e flecha da evolução – o que é muito mais belo”. Sem extrapolar linguagens, notamos que a complexificação das ciências as especializa, mas também as aproxima.

     A aposta de Chardin está em ver, avistar sempre mais. Este é uma norma para quem quer subir e alcançar melhores horizontes, descobrir para onde vamos e ver caminhos novos. Mas também é de quem desce ao mais íntimo de si mesmo e da Terra, a Matéria e aí, do interior e em dialéctica com o exterior, ser capaz de ver a força que anima a evolução.

    O seu dualismo é apenas aparente; o humanista empenha-se muito mais no futuro e o cientista esforça-se por desvendar o passado, as origens do homem, a pré vida, o “estofo do universo”. Insiste em ver a matéria, “na pluralidade que desce infinitamente e na profundidade que… passado um certo grau, (…) as mais familiares propriedades dos nossos corpos (luz, cor, calor, impenetrabilidade) perdem todo o sentido
[8].

    A ameaça da queda na subida iguala-se à vertigem da dissolução no nada. Pelo contrário, através do seu “integrismo”  nasce a cada instante o novo Jesus, nas orlas de novas realidades, sem com isso cair no esvaziamento de sentido de qualquer partícula, mas antes tudo a tomar um sentido lógico do autêntico cristianismo. O seu intregrismo, infelizmente mal interpretado, era a força da Incarnação de Cristo e a sua elevação connosco até ao Pleroma[9]. O evolucionismo científico não se pode justapor à noção do ultra humano sem nele incorporar no seu início a força do Espírito. Há um monismo que supera a Matéria e a integra na Criação. A evolução chegou a uma consciência dela mesma que se manifesta há muito pouco tempo, mas é perceptível o seu desenvolvimento. Era preciso substitui um Deus demiurgo que criava e abandonava a criação, por um sobrenaturalismo e aperfeiçoamento da convergência das multidões de seres pensantes, e, depois de passar pela Personalização, enuncia-se um novo nascimento, a natividade da vida espiritual e da graça[10]. Essa gratuitidade surge no homem e teve o seu longo sentido através da obra total da Criação. Com a Noosfera sobem por mercê da acção naturalmente boa e da ética natural, mas o esforço do espírito humano aliando-se ao esforço cristão inicia-se agora uma co-Criação, sem que o antropomorfismo abafe o divino. O ser humano descentrado só terá pleno sentido num ponto Ómega, a que chamou também Foco Universal. Aí já não se trataria de expansão física, mas de interiorização psíquica, prevendo a complexificação da Noosfera terrena ao longo de alguns milhões de anos.
    O Ómega final não seria um fim do Cosmos ou um catastrofismo escatológico, mas um ponto de encontro entre o Universo chegado ao limite da centração e um outro Centro ainda mais profundo, princípio absolutamente único de irreversibilidade e de personalizado o único Ómega.”
[11].  
    O futuro atrai muito mais os crentes, os profetas e os sonhadores do que o passado que só se define pelo que queremos do destino. Os cristãos são os homens com maior vocação de viver o presente para o futuro.

 

    

 

     A evolução demonstra uma diversidade onde parece não se poder encontrar unidade nas formas em que a observamos. A unidade oculta-se no que nos revela a genética, a física e a cosmologia em função do passado. Depois, a mesma convergência surge com a presença do homem. Agora a cultura e ainda mais a ciência demonstram a possibilidade de uma nova selecção sem paralelo no passado. 
    A coragem está em assumir o todo como um bloco inteiro. Esse “quantum”, na sua duração parece opaco, depois translúcido e por fim cristalino. É então que toda a matéria se vê evolutivamente. O nosso eu, diante da ciência é um milagre, defronte da filosofia é um paradoxo desmesurado e face à religião é o Mistério. O Um e o múltiplo convergem e atingem a vida numa unidade e depois, em nova etapa, emergem na consciência.

    Ao escrever isto, sentimos uma certa impressão familiar que leva a ponderar onde já lemos isto?

    A linguagem da física mantém uma estrutura similar por trás das suas complexas combinações e leis resultantes de milhões de experiências. E, de novo, o familiar nos surpreende com ecos da filosofia grega e as figuras vagas que já vimos esboçadas em utopias de mundos idealizado.

   Sabemos o risco de toda a comparação apressada, disforme ou até simplista, mas Teilhard sintetiza dados da ciência com a filosofia num movimento evolutivo de modo inevitável para se realizar no Espírito. A consciência da Humanidade reúne-se num todo que tem de seguir em frente. A paragem não faz parte do evolucionismo, o retrocesso não mostra sinais e a estagnação opõe-se às vagas de mudança.

   Parece mais certo, estamos integrados numa construção e conseguir ver a obra em que existimos. O optimismo brota desse poder e da humildade de nos maravilharmos com as múltiplas construções já realizadas. Trata-se de descobrir que se sobe uma montanha participando de uma experiência soberba. Fazemos parte da própria montanha, pela nossa exterioridade e muito mais agora pela nossa interioridade. Atingimos um degrau à frente dos nossos antepassados que estão nos alicerces. Descobrimos que “ a Vida é mais real do que os seres vivos”. É por esse poder dialéctico de ser “de dentro e de fora” da construção, das coisas, da Matéria que o Fenómeno Humano se reconcilia com o todo.

  Há necessidade de um salto para a frente para apreender como o Homem mudou o rumo da Evolução.
    Com a consciência a Terra “muda de pele”. Esta mudança é a resposta para a cerebralização e o Homem é um paradoxo no meio da Natureza. A solução para isso não pode ser um recuo, uma paragem, mas sim um desafio porque “o paradoxo humano resolve-se desmedido!
[12].
   A perplexidade dos leitores perante o que aqui se entende por “fenómeno” aliou-se a grande entusiasmo e polémica. Não se pode esquecer que era uma época em que o conceito de fenómeno já tinha passado por Kant, Hegel, Husserl, Merleau-Ponty e tornara-se a fenomenologia algo de uma complexidade crescente.

   O próprio Teilhard estava bem consciente disso e adverte logo o leitor para entender a obra “como uma dissertação científica” e que trata do “Fenómeno. Mas o Fenómeno inteiro”. Se assim é, para abordar a condição humana, tem de recorrer à ciência, à filosofia e à religião para obter uma unidade de olhar que abarque a história do mundo.

    Afinal, “decifrar o Homem é essencialmente procurar saber como é que o Mundo se fez e como deve continuar a fazer-se[13]. Por isso, tudo converge para o Homem desde os mais remotos tempos e só por ele é que toma sentido. A continuidade da evolução agora depende da acção humana.
     Depois da geogénese, a biogénese, a psicogénese, surgiu a cosmogénese da consciência planetária. Até um ponto decisivo, o Homem desenvolveu-se como qualquer outra espécie, mas “se o Homem entrou sem ruído” na evolução, passou por uma juventude rebelde e agora com a Reflexão torna-se a própria consciência da cosmogénese. Inicia-se a Noosfera e o sonho do Espírito envolver a Terra por camadas cada vez mais desligadas da Matéria. Até que ponto, cada encruzilhada, entre a subida e a descida, o fascínio da Matéria na sua exterioridade e a sua aparente facilidade para a queda, não torna o abismo mais profundo e a angústia das interrogações

    À volta da questão da angústia de Teilhard não há consenso. O filósofo Colomer comenta que não existe na sua visão do mundo: “… a trágica sociedade de um Pascal, daria maior profundidade humana e teológica à sua visão do mundo. No seu Universo falta alguma coisa que sobra noutras: a dimensão da angustia.”
[14]. Cremos que, em muitos escritos, é a mais forte angustia que guia o pensamento teilhardiano, só que não se apavora diante da visão do céu estrelado que aterrava Pascal, mas enfrenta com lucidez a sua angustia pessoal, diante da incompreensão que o rodeava, e também os males que viu alastrarem-se nas terríveis e absurdas guerras que o tocaram tão de perto. As suas crises espirituais, a sua “noite escura” foram vividas com uma contenção e silencio admiráveis, como escreve Lubac, “por pudor, talvez, (…) nessa altura o seu rosto revestia-se de uma paz estranha, feita de angústia dominada, de dor assumida, de perdão e de certeza[15] , do valor do esforço solitário da subida mais angustiante de quem não é compreendido. 

    Diante do que sente ser “a miséria do átomo perdido no Universo”, sofre o peso de uma angústia que o esmaga e escreve em carta (1923): “Também tenho medo, (…) do futuro demasiado misterioso e demasiado novo para o qual a duração me empurra. E depois, interrogo-me (…) para onde vai a vida…[16].

    Para além da solidão que sente e manifesta tão comedida como dolosamente pela desinteligência que o rodeia, também se refere como, ao seu lado, a Morte devasta, parece que inutilmente, milhões de seres humanos, nesse “século de excessos” que foi o século XX.  

    “ Consciente ou inconfessada, a angústia, uma angústia fundamental do ser, surge, apesar dos sorrisos, no fundo do coração, ao cabo de todas as conversações. Bem longe estamos, no entanto de reconhecer distintamente em nós a raiz dessa ansiedade. Algo nos ameaça, algo nos falta mais do que nunca – sem sabermos exactamente o quê[17].

 

     Subentende-se que aceita o desafio da esperança do caminho que sobe e é para ele que nos aponta. 

 Quando estamos excessivamente envolvidos no presente, perde-se a dimensão da relatividade dos acontecimentos e da sua comparação com outras eras de terríveis angústias e catástrofes. Porém se nos pudermos distanciar do mundo, por força das circunstâncias, vemos que as inquietações são de todos e existem em todas as épocas. “ La Messe sur le Monde” é um hino de Dor, Morte e Ressurreição de um Mundo transfigurado pela actividade da Cruz “carregado de Amor na sua evolução[18]”.

    A beleza e elevação únicas da transmudação da Terra inteira estão na renúncia e ultrapassagem do visível para o mais profundo e invisível da força do cristianismo universalizante:

    “Mais uma vez, Senhor, nas estepes da Ásia, não tenho pão, nem vinho, nem altar, elevar-me-ei acima dos símbolos até à pura majestade do Real. (…) Este pão, o nosso esforço, não mais em si mesmo do que uma desagregação imensa. Este vinho, nossa dor, não é ainda, ai de nós, mais que uma aguada beberagem. Mas, no fundo dessa massa informe, colocaste um irresistível e santificante desejo que nos faz a todos gritar, do ímpio até ao fiel: Senhor, fazei-nos um”.[19]

 

    O problema que está em jogo é o mais grandioso dos problemas. Só colocando-se do lado da ciência e sendo mais sábio que filósofo, consegue ter a visão coerente e de continuidade até à unidade final.

   Não será pelo materialismo mecanicista que o lugar do homem no Mundo se pode entender. A presença do Espírito na origem de tudo revela um entendimento profundo do que só lentamente os teólogos assumem. Teilhard, não sendo teólogo nem filósofo, é um sábio que, em vez de negar a transformismo e a nossa tão humilde chegada à evolução só toma sentido e lugar como o paradoxal Fenómeno Humano. Agora e deste modo, “a evolução resume-se no homem no extremo das suas transformações”.

    Seria absurdo que, de tudo isso, resultasse um sobrenaturalismo já com a co-reflexão, sem toda a força de sentimentos do Verbo, da espiritualidade e da abnegação. Uma humanidade, sem mais sentido do que tomar consciência de que é isso mesmo: a consciência; só pode ser o “animal absurdo”, ou o “macaco louco”. Isso seria a antítese das exigências de continuidade pela espiritualidade ou da força que a evolução mostra até hoje. Assim se explica:

 

   “A vida para o homem. O homem para Cristo. Cristo para Deus.”[20].

 

    Já ao dizer que “a evolução é filha da ciência[21]  Teilhard parece ser apenas o cientista, demasiado preso à dimensão teórica e sem adoptar por completo a descoberta do nosso próprio lugar no seio da evolução. A ciência é sim filha da evolução quando esta já se desenvolveu, até um estádio em que pode descobrir as suas leis e incidir sobre si mesma, como se fosse naquela “queda para diante”, que faz pensar na necessidade de reflectir, de baixar ao vale e, só depois, ter forças para subir. O sobrenaturalismo pode espelhar a face de Cristo para os fiéis porque agora a evolução tem o caminho da subida para a luz. Mas, já antes, a convergência era para o homem, como já antes a convergência podia ser para Cristo. A face de Deus esconde-se na mais humilde das criaturas, ou corre-se o risco de pensar num Deus de pura transcendência na linha aristotélica. Nada disto remete para um pampsiquismo de cariz oriental. Para o crente a Incarnação de Cristo eleva a Natureza, em tudo e em todos, até dominar o Cosmos transfigurado. A evolução era “cega” e deu-se sem a presença do homem até à sua consciência, porém, a Incarnação de Cristo pode ser encarada como uma viragem total e as descobertas da Ciência consequências de uma renovada linguagem capaz de proporcionar numa mais ampla consciência da Presença de Deus. Na ciência, por si só, apenas se podem procurar explicações acerca das leis racionais do Cosmos, sem a presença da fé. Isso não impede de poder ver mais longe a luz do Espírito.

   Para o cristão, o caminho é de uma acção iluminada por uma intenção para lá da simples ética que se pode considerar um modo de agir “natural”. A renúncia ao egoísmo, mas não ao Mundo nem ao labor, envolve o Homem num meio em que o Amor lhe proporciona universalidade e transcendência. É também da força de quem se angustia por não conseguir que os outros sejam tocados pela luz da graça e sabe que tem uma missão a completar. Nenhum cristão pode continuar a sê-lo se não sentir esse apelo do mais fundo dos Tempos para a partilha do Amor, no sentido mais sublime de renúncia ao egoísmo e plena fraternidade.

   Através das “Cartas de Hastings e de Paris[22]”, ainda bem jovem, Teilhard revela uma dedicação extrema à família, a quem escreve regularmente, e uma linguagem discreta e carinhosa, em termos simples e sinceros, sem qualquer resquício de retórica ou vaidade quanto aos seus trabalhos. Essa atitude manter-se-á sempre comedida e atenta aos seus revelando os melhores sentimentos. Dar a vida pelo Outro, sem se vangloriar, na sombra e no silêncio, é mais do que a tornar eticamente valida no tempo, é assumir a dimensão religiosa. A obediência e fidelidade à Igreja em tempos conturbados, que Teilhard manteve, dão hoje possibilidades de entender um pensamento teológico mais coerente com as enormes descobertas da Ciência, sem abalar o cerne da mensagem cristã que a ortodoxia impõe. 

    Há quem veja um certo existencialismo no seu pensamento, se recordarmos os estádios kierkegaardianos, a angústia e a constante escolha de um abandono da fé num estádio religioso nem sempre assumido com clareza. 

    Por outro lado, outros investigadores procuraram ver um paralelo com a intuição de Bergson bem como a originalidade do seu método. Enquanto se dá o abandono do interesse, da parte de Bergson pelas obras da matéria pelo que supunha ser um materialismo destruidor do Espírito, Teilhard intui que deve avançar. Por seu lado, Bergson via a salvação do mundo no abandono da técnica. Desejava um regresso à simplicidade e o abandono do que chamava “o artificial”.

   Alguns teólogos insistem em achegas ao edifício sistemático que São Tomás de Aquino ergueu[23]. À grande síntese do pensamento medieval corresponderia a sua visão da cosmogénese com o progresso da consciência até à unidade planetária e ao Amor cósmico centrado no Cristo “Evolutor”, energia para um imenso Universo personalizado no Amor.

    Onde qualquer relação é mais visível será possivelmente no hegelianismo e na sua dialéctica. A religião de Hegel é uma evolução de reconciliação progressiva, pelo Espírito que se transcende a si mesmo e, por isso mesmo, é sempre Absoluto. A ciência e os métodos que lhe faltavam, tem-nos Teilhard de Chardin, bem como a noção do Alfa e Ómega. A Ideia é esse Alfa nos primórdios do Tempo e Cristo a possibilidade de toda a Humanidade subir ao Deus lá “para-a-frente” até ao ponto Ómega. Esse é o Cristo da transcendência do homem e de o elevar à Parusia. As palavras de São Paulo ecoam na visão evolucionista.  

   Recordando o hegelianismo, Cuénot escreve que um dos conceitos maiores deste filósofo era o de totalidade, que Teilhard usou, com o mérito é de trazer a noção do universal na presença de cada homem. O individual não existe senão pelo universal. “Também para Teilhard o homem total aparece como uma “realidade concreta, quente e viva. A humanidade é, num certo sentido, mais verdadeira do que os homens”. E isso justificaria o progresso, porque, se é paradoxal dizer que existem nos nossos dias, génios superiores a Platão, “é certo que a visão moderna do universo, de que a totalidade humana beneficia, é muito superior a Platão[24].

     “Le Milieu Divin” traduz a vivência religiosa que cumpre a acção santificadora de Cristo quando se vive a vida sobrenatural onde já não é o ético a intencionalidade da acção, mas o amor a Cristo. Assim o mundo transfigura-se e é a diafania de Deus.

    A complexificação cientifica, o aumento das teorias filosóficas e toda a oposição religiosa tornaram bem espinhosa a missão teilhardiana. O seu amigo e colega, Padre Auguste Valensin, (1879-1953), muito comovido pela proibição da Igreja, já em 1920, do ensino da sua doutrina, escrevia profeticamente “O tempo e a obediência destacarão mais explicitamente o que existe de imortal e de essencialmente cristão nas ideias censuradas; o que sei é que delas vivo e que sem elas não saberia onde alimentar o meu pensamento ou manter a minha fé. Muitos outros pensam como eu.”[25].

    Diante da grandeza do silêncio e da obediência sem ruptura, a figura de Teilhard pode bem ombrear com qualquer grande vulto da Igreja a que quis pertencer e permanecer. Talvez que esse ostracismo e condenação o desobrigassem, e o seu espírito ficasse mais livre para continuar as suas pesquisas sem o peso de qualquer crítica e a sua “heresia” preparasse um novo olhar cristão sobre o Universo. Se há excessos estão em ver em tudo a acção de Deus e no homem a possibilidade de um cristianismo universal

 

 

 

 

 

 

 

 

 

     Importa descobrir e estar atento aos sinais crescentes da presença do Espírito a desabrochar na nova era. Estamos inexoravelmente ligados à ciência e às técnicas. Agora trata-se de ver mais longe do que Hegel pensou, do que Darwin descobriu, ou ainda do que Teilhard pode entrever e anunciar.

   Hoje, muito do que era uma visão, apenas intuitiva, pode ver-se nesse homem global que desponta. Desde meados do século XX, a noção abstractas de Homem Universal, ou do Homem cidadão do mundo torna-se uma realidade crescente. Até então, só os filósofos, utópicos, poetas e sonhadores se referiam a esse Ser Humano idealizado mas sem nunca se desenharem quaisquer sinais de realização concreta.

     As mais desconcertantes utopias parecem cumprir-se com as transformações mundiais patentes aos nossos olhos. De repente, a Terra torna-se mais pequena. Somos capazes de contemplar, com olhos espantados, o nosso pequeno planeta a flutuar no espaço. O futuro é já um vago ontem, nestas torrentes de mudança que chegam, cada vez mais fortes e mais demolidoras das velhas estruturas, que por toda a parte caem, arruínam-se e desaparecem. Apesar da perplexidade, da mágoa e dos contratempos, uma nova esperança poderá nascer.

     A nossa grande expectativa de cumprir o caminho alimenta o futuro e a realização da condição humana para além dos seus limites subjectivos. Nada se exclui na evolução, nem sequer a existência de Vida para lá da Terra. As camadas cada vez mais densas do Espírito convergiram para o Humano e depois para o ultra Humano. Este seria o estádio evolutivo em que, para além da co-reflexão, a liberdade e o pensamento se reuniriam numa unidade em que se diluiria o Fenómeno Humano transmudado em Fenómeno Cristão.

    Nem por isso o Universo se antromorfiza nem o Homem se diviniza. Dentro da esperança que se acende, o Espírito enfrenta a ultra humanização com a “moral da cosmogénese” e os seus perigos de desvios, indiferença e quedas, de hipóteses e problemas que o próprio Espírito cria, sonha e eleva num sobrenaturalismo incessante. Esboçam-se sinais da ética nos movimentos solidários, na defesa da Terra, no sonho de uma cidadania com toscos instrumentos ainda da Cibercultura e da Cibercidade sem fronteiras nem local senão na nova rede do Espírito que se constrói velozmente. Também Pierre Lévy, McLuhan, Powers, Michel Serres e outros, parecem demasiado optimistas perante o cenário que se vive em todo o mundo, mas o profeta do futuro não é o das desgraças mas da fé no espírito e nas suas formas mais nobres. Há que diferenciar porém os esforços do cristão que trabalha intencionalmente por amor, daqueles que trabalham por intencionalidade ética. Se não os distinguirmos, teríamos um naturalismo unicamente ético e não um humanismo cristão empenhado na obra da criação.

   A originalidade do Homem está aí. Em haver, para quem crê e para quem aprende, uma “queda para diante”. Deste modo, seja qual for a realidade que se estuda, seremos levados a pouco e pouco, a ir até ao fim do mundo, ou seja, “a subir, de degrau em degrau, até ao princípio último de todo o ser”[26].

     Com a crescente consciencialização, as noções de Tempo e o Espaço humanizam-se verdadeiramente. A descoberta da evolução da interioridade, do despontar da consciência, obriga a maior boa vontade na acção de hoje. É como homem da ciência, defronte da “Terra moderna”, que Teilhard coloca lado a lado a ciência e a religião. São duas linguagens que exigem uma reformulação para falar do evolucionismo. Em vez de conflituosas ou confusas, as forças espirituais são a vitalidade quer da Ciência, quer da religião. Só aparentemente as lutas são prejudiciais ou destruidoras.

   Quando hoje se vê a ciência sem religião e a Igreja, em grande parte, alheia à investigação, como Teilhard tanto temia que acontecesse, não parece que o confronto das ideias e mentalidades caminhe para uma convivencialidade serena. As águas agitadas levantam o lodo e tudo entra em convulsão, mas o lodo e a água cristalina só têm vida com essa actividade incessante. 

   Haverá um tempo em que a reabilitação de Teilhard de Chardin se dará porque, se as descobertas e avanços da ciência e da tecnologia o “ultrapassam” como paleontólogo, tal não sucede como homem de fé e visionário do futuro.

    A percepção das mudanças depende muito das nossas reflexões sobre a História. O erro espreita qualquer apreciação dos acontecimentos da realidade que nos envolve. Nada pode ser previsto claramente no tempo porque, o que se desenrola sob os nossos olhos, será sempre uma ínfima parte dos biliões de séculos que nos trouxeram até aqui. Para ajuizar acerca do futuro, temos de nos inscrever no tempo cósmico e evolucionista. Por outro lado, a dialéctica entre o micro e o macro Cosmos manifesta-se mais em compreensão do que em conflitos, e afirma uma continuidade para lá da aparente desordem.

   Sabemos também que a evolução não se imobilizou neste aqui e agora que é esta etapa da história do Universo, mas as evidências empíricas diante dos nossos olhos são tão fortes que somos levados, de geração em geração, a uma ilusão de paragem, como se o nosso fim pessoal se pudesse confundir com fim dos tempos históricos.  

 

 

 

                        

 

 

 

 

      A multidão de seres humanos empenhada como nunca na ciência, em pouco mais de um século, desenvolveu uma consciência crescente do tempo e do espaço, organizou-se em múltiplas vertentes e pode, pela Complexidade, ganhar interioridade. À noção de “Universo convergente”, atrevemo-nos a acrescentar e insistir a consciencialização crescente da nossa duração como seres humanos ter de ser “naturalmente” ética e “sobrenaturalmente” religiosa. A bifurcação da escolha é constante e estamos sempre entre a queda no abismo que se abre diante dos nossos pés ou a subida tão exigente da montanha.

    A descoberta da humanização do tempo é a descoberta do sentido ético do Homem assumindo-se como a força consciente do Cosmos. A realização ética do homem transmuda-se em realização de fé, com a mudança do noção da sua temporalidade em dádiva, criação, energia evolutiva que se converte em Amor a Cristo e só assim conduz a Humanidade a responder ao apelo da transcendência para diante e para o alto.                                                    

   É estranhamente curioso como um pensamento é capaz de estar muito para além do seu tempo e poder ser melhor entendido à medida que as ciências captam novos aspectos fenomenológicos da realidade. A filosofia debruça-se sobre novos campos científicos e a consciência obriga-nos a uma nova visão bem mais audaciosa sobre a evolução da Terra e da nossa humanidade. A nova etapa da evolução que atingimos interpela todos, não deixa ninguém indiferente. Não só a lógica do cientista se afirma em novas realidades, como as novas linguagem se alteram no sentido atribuído aos factos.
    Se Hegel realizou a síntese do idealismo absoluto, parecia que nada mais se lhe podia completar. Era o fim da História e do tempo de pensar o mundo como tarefa da filosofia. Depois do profundo vale escavado que a teoria da evolução descobriu, parece que se cortara por completo o caminho para altas montanhas onde o Homem pudesse respirar mais livre para uma reflexão interiorizada desse múltiplo e uno em que se sente apreendido.

    Ao olhar para trás e ao encontrar as origens ocultas das nossas realidades, também os horizontes do futuro se ampliam e nos colocam numa globalização evolutiva sem regresso.

 Todos estarão de acordo que o Homem representa a consciência da evolução. Nesse ponto a noção de pirâmide é concorde. Mas que representa isso? Que diria Darwin diante de tantas descobertas tanto do passado como do futuro?

   O criador da teoria evolucionista, ao reflectir acerca das consequências da selecção natural que é a guerra da natureza com toda a fome e a morte que arrasta, mostra a sua enorme surpresa pelo facto “mais admirável que podemos conceber: a produção de animais superiores. Não há uma verdadeira grandeza nesta forma de considerar a vida, com os seus poderes diversos atribuídos primitivamente pelo criador a um pequeno número de formas, ou mesmo a uma só?

   E, esse cientista, tão apaixonado pelo passado, termina a sua famosa obra com uma afirmação para o futuro: “.. a quantidade infinita de belas e admiráveis formas, saídas de um começo tão simples, não tem cessado de se desenvolver e se desenvolve ainda![27].

     Afirmando a continuidade da evolução, há toda a esperança depositada nas potencialidades que ainda podem surgir agora que o Homem toma a evolução nas suas próprias mãos.
    Reconhecemos como é cheia de enigmas e paradoxos a vida da Vida e, tal como a História da Humanidade, torna-se obscura e incompreensível sem a luz de uma lógica que procure entender a possibilidade de um aproximar do bem ou do aperfeiçoamento da denominada natureza humana.

 

 

 

 

 

 

   Enquanto estava no seu exílio de Pequim, Teilhard escrevia a sua obra, podia observar, nos campos, o trabalho insano e paciente do povo, a força obstinada dos antigos costumes e tradições de milénios. Durante as pesquisas nas  esquecidas planícies, com outros seus irmãos jesuítas, também cientistas como ele e bons companheiros de trabalhos, nas suas tarefa de paleontologia, tinha possibilidades de reflectir sobre essa velha China de milénios, como que estática, dobrada sobre si mesma e sem um impulso renovador. Se bem que fosse no século XX, “representava, bem vivo ante os nossos olhos, um fragmento quase inalterado do mundo, tal como o mundo podia ser há dez mil anos, (…) população ultra especializada no tijolo, na cerâmica e no bronze, população que levava até à superstição o estudo dos pictogramas e a ciência das constelações. Civilização incrivelmente requintada (…) mas, exactamente como a sua escrita onde ela se revela tão ingenuamente sem nunca ter mudado de método”[28].

   Esse quadro sofreu depois disso uma profunda revolução, cujo terramoto foi tão espantoso ainda se fará sentir por muito tempo.
   Rápida e espantosamente, essa China, que era ainda um Neolítico no século XIX, entra na nova era trazendo um espólio de uma das mais velhas culturas que o Homem criou.

   O despontar do neo-humano, bem como a ruína de tantas civilizações reduzidas a pó são, apesar disso, muito velozes, se pensarmos na lentidão do despertar da Terra, e das “mudanças de Idades”, que conduzem ao problema da luta pela sobrevivência e ao problema do Mal.

   Teilhard teria de se referir inevitavelmente ao Mal e do modo como se insere no “drama cósmico”.

    Pode parecer que não haveria lugar para falar do Mal, quando se discursa acerca do todo no desenvolvimento da sua evolução. Entre o início e o fim do Tempo uma série de adaptações e selecção seguem leis inexoráveis. Há até como que um aparente desinteresse por toda a dor e sofrimento que é inerente à evolução, ao crescimento e à inquietação, que toma um aspecto secundário diante da realização efectiva. Mas, apesar de todo o entusiasmo, esse problema tão sério não é esquecido e, muita vez, se refere a ele, ao longo da sua obra, em cartas, em diversos trabalhos.

    O Mal é um problema que surge apenas para a consciência do ser humano e a reflexão sobre as suas causas e efeitos inscrevem-se num quadro de uma grandeza insólita.

    Se pensarmos como somos iludidos pela nossa pobre percepção do Tempo, se reparamos como reduzimos tudo ao presente, ou ao passado mais próximo, sem termos em conta mais pontos de referência relativizantes para falar da duração, a ilusão é perfeita.

    Desde a origem do universo, em que o mais singular milésimo de milésimo da medida do Tempo realizou o que ainda hoje se concretiza, há, por certo, muita angústia e dor. A nossa breve presença neste palco representa um tão ínfimo pormenor que só agora toma um sentido novo e espantosamente diferente.

   O sentimento trágico do Mal brota quando o pensamento cintila como uma luz no âmago das trevas cegas da evolução. Uma “sobre vida”, resultante da biologia mas que a transcende, cria uma espiritualidade em que o colectivismo tem de ser transmudado em personalismo. Todo o colectivo e anonimato das térmitas ou das colmeias, que se fecham sobre si mesmas, reproduzidos nas sociedades humanas resultaram em catástrofes.

   Os males resultantes dessas tentativas devem estar bem presentes na nossa memória para advertência da Humanidade quanto a soluções em que não esteja presente a responsabilidade pelo Outro para lá de qualquer interesse. Enquanto a dor e o sofrimento ao atingir alguém, como se fosse um outro eu, nos não tornar a todos próximos, o risco do Mal agiganta-se perigosamente.
    Como cristão, Teilhard vê a nossa participação na elevação do Universo com o engrandecimento da Noosfera, ciente do valor da acção no tempo que o levou a entender a interioridade do sofrimento. Informado da doença de sua irmã, vê isso, como uma força operante, silenciosa mas tão válida como a contemplação. Esse é o lado interior do que é apenas dor ou criação do exterior. Essas “energias passivas”, tantas vezes mal entendidas pelos não contemplativos, parecem trazer uma força e uma temporalidade suspensa:  

     “Ó Marguerite, minha irmã, enquanto eu, votado às forças positivas do Universo, corria os continentes e os mares, apaixonadamente ocupado a ver surgir todos os cambiantes da Terra, tu, imóvel, no leito, metamorfoseavas silenciosamente em luz, no mais profundo de ti mesma, as piores sombras do Mundo. – Perante o olhar do Criador, diz-me qual de nós dois terá recebido a melhor parte?[29]”.  

 

     Trata-se de um humanista que reflecte sobre os males do crescimento, de um universo “que peca, que sofre”. Essa “força passiva” desses obreiros, tantas vezes esquecidos ou desprezados, para Teilhard, no seu sentido místico, são muito amados de Deus e incompreendidos dos homens. Esses humildes e puros são a parte oculta na escuridão da Terra mãe que “trabalham, como mineiros nas entranhas da Matéria”.

 

 

 

  •                            Inquietação e condição humana

 

 

 

    A inquietação que parece doença mortal da Humanidade é aquela em que a dor petrifica, não é assumida e não pode ser ultrapassada. Por mais misterioso que seja, o sofrimento é espantoso e inefável no sorriso de um doente, de um moribundo ou de um cativo dos nossos dias espreitando a morte, mas com toda a luz da esperança que traz o sinal de mais, de uma positividade em que a duração se liberta da temporalidade. Perguntemos a alguém pelos tormentos passados e dir-nos-á da força que a sua fraqueza lhe dava, da dimensão interior levada ao rubro que se transfigurava para muito além de si mesmo. Diante do Criador nada se perde para a transformação do Universo.
    Na condição humana, o Mal não é só uma ausência ou um isolamento, mais é mais ainda uma recusa da consciência do tempo vazio e perdido sem valorização da condição humana. A sombra da Morte está, por traz do sofrimento e, sem esta, perde-se o sentido da Vida.

   Para os cristãos, São Paulo, Hegel ou Teilhard, esse sentido tem o selo do Mistério da Cruz, da transmutação da Terra, da espiritualidade do Fenómeno Humano e por fim da entrada de Cristo na História.

    No seu tempo histórico, Cristo quebrou as portas de um tempo fechado sobre si, o eterno retorno, para mostrar a porta do Tempo aberto para a eternidade. Foi a lenta subida até à pessoa que possibilitou a Incarnação. Irreversível, como a evolução, o Deus de fora e do alto passou a ser o Deus de dentro e da subida. Cada vez mais a palavra tem o dom da reflexão e construção, ou torna-se negatividade, pelo isolamento ou pela indiferença, males que acompanham o egoísmo do homem.

    Este Fenómeno Cristão envolve toda a criação, se bem que com aparência temida de heresia, é o Deus de cima que preparou a chegada do Messias prometido e este eleva consigo toda a Humanidade cooperante. O perigo do panteísmo estaria em confundir o mundo natural com o supra natural. Se há uma unidade em toda a criação, desde os seus primeiros instantes, continua a ser a obra de um Deus que cria e não de um Deus que criou. A grandeza de Deus apenas aumenta e, nem por um só momento, a liberdade humana deixa de existir. O Mal causando ao Outro, o sofrimento e a dor são a negação do Espírito e pecado para com a Criação quando se nega a fraternidade, se é indiferente ou o aniquila outros seres humanos.
    A selecção natural no homem deixa de ser determinista. A condição humana eleva-se ao descobrir nos outros, esse outro “eu”, um apelo do Espírito, presente pela cultura, activo com a Ciência e, a sua verdadeira obra, a convergência de toda a Humanidade.

  Chamemos cidadania mundial a esse estádio que parece surgir já no horizonte, mas que, para o cristão será a fraternidade do amor mas com o apelo à transcendência que lhe dá uma grandeza única. Para o cristão, na formação da nova cidadania, não se confunde porém, o progresso que revela a acção natural de recta intenção, da actividade cristã em fidelidade com o apelo do alto para colaborar na criação unida ao Jesus crucificado.   
   Ao tentar como que justificar os exuberantes escritos visionários de Teilhard, o jesuíta Eusébio Colomer não aceita que ele quisesse realmente afirmar que a pré vida guardaria “misteriosamente, desde o princípio, nas virtualidades da matéria”
[30], acautelando-se do risco de pampsiquismo. O que lhe parece uma extrapolação e um desvio tão temido de panteísmo ou de pampsiquismo, era já uma visão profética do que a ciência tem vindo a confirmar, tendo em conta como vivemos num tempo científico acelerado e sem precedentes. Assistimos à edificação de um novo paradigma que parece ter uma unidade, vagamente descortinada por trás do “dilúvio” da informação.
    A intransigência da Igreja diante da ciência e dos seus avanços foi um perigo para ela própria. A ciência não pode ser apenas uma ameaça à crença ou às estruturas já existentes A excessiva prudência pode tornar-se tão nefasta como a aceitação de toda a linguagem para falar de Deus. Até mesmo alguns filósofos, como Maurice Blondel, já em 1919, tal como Dom George Frenaud aponta, não viam com bons olhos as teses de Teilhard que se aventurava em terrenos ciosamente guardados. A insistência da fundamentação filosófica nas doutrinas tomistas, numa época de agitação intensa e transformações científicas, constitui uma inflexibilidade imobilizadora em vez de acompanhar o ritmo das mudanças que não alteram a fé, apenas precisam de uma linguagem simbólica e adequada para cada época. Mesmo muitos anos após a sua morte, a linguagem da ortodoxia fazia-se ouvir de forma intransigente em França e na Itália, com vozes condenatórias de absurdo e herético: “Alargar o Corpo Místico até ao alfa, aos inícios dos tempos e ergue-lo até ao ponto ómega e como que sacralizar toda a evolução é de uma tal audácia que mesmo depois da sua morte não foi desculpada
[31].

    Esta inflexibilidade foi nefasta para uma abertura a novas concepções mais de acordo com os avanços das ciências. A ironia, os preconceitos e desconfiança diante de novas ideias foi uma perda de que a Igreja ainda sofre as consequências. Nem sempre a prudência é a melhor escolha. O que pode parecer uma acomodação forçada da teologia cristã às teorias evolucionistas pode ser uma renovação no próprio interior da religião sem que nada se perca do seu espírito profético e antes que o recupere.
   Face a esta intolerância, Lubac coloca a observação do valor da acção e da intenção que Teilhard nunca confundiu. O esforço humano pode ser bom em si mas separa-se do esforço cristão. Se não se pode negar ao primeiro, dentro do naturalismo, a utilidade da acção que traga progresso pois “existe com toda a certeza um «poder de amar» que pode ser maior ou menor conforme o desenvolvimento natural do ser humano” (...) mas isso não fará mais do que oferecer as condições naturais ao cumprimento do mundo em Cristo
[32].    

    Parece que o tempo e o conhecimento vieram alterar muito as reservas do filósofo cristão Blondel que comentou as teses teilhardianas com a prudência de quem gostaria de conciliar a Bíblia com Darwin e via na sua fé serena algo que não lhe foi possível de viver[33].   
    As reservas de Blondel já não aparecem quando afirma que “um sobrenaturalismo puramente físico é um contra-senso”, pois o seu pensamento pessoal o leva a aceitar o Espírito inserido na totalidade até pelo risco da dispersão de conhecimentos a que a nossa cultura já estava a manifestar.

   No fundo, a ortodoxia da Igreja nada perdeu, antes muito ganhou com a obra de Teilhard, sem ser teólogo, ou filósofo, a sua síntese bem incompleta deu um impulso ao Cristianismo que o coloca bem dentro do século XXI.

   Em vez de “herético” apenas mostrou com o Cristo Hiper físico que é o foco físico da Criação, suportando o Universo e construindo o sobrenaturalismo do homem do que resultaria a convergência, sem por isso a Ciência e a Religião se confundirem.

     Mais recentemente, a descoberta dessa misteriosa continuidade cósmica, aparece já evidente com o filósofo francês, Jean Guitton, e dois físicos, os irmãos Bodnanov, que encontravam no ferro, pelo exemplo de uma chave, uma projecção e viagem no tempo até às “primeiras estrelas”.

     Diante de uma simples chave a sua reflexão é vertiginosa: “Esse pequeno pedaço de metal contem toda a história do universo, uma história que começou há milhares de milhões de anos, antes da formação do sistema solar. (…) O serralheiro que fabricou esta chave não sabia que a matéria que ele martelava tinha nascido há milhões no turbilhão abrasador de uma nuvem de hidrogénio primordial”
[34].
   Esta unidade da Matéria vem mostrar, bem mais tarde, como a sua visão não está eivada de panteísmo mas da presença de Deus em tudo pela sua presença na nossa duração:

   “Não repitas mais: A Matéria está condenada – a Matéria é má! (…) Abençoada sejas Matéria Poderosa, Evolução irresistível, sempre nascente realidade (…) Abençoada sejas, Matéria Universal, Duração sem limites, Éter sem margens, Tríplice abismo de estrelas, átomos e gerações (…) tu, que ao dissociares-te, um dia em nós, nos introduzirás, forçosamente, na essência daquilo que é[35]

   Será essa Matéria que a intuição infantil de Teilhard já descobrira no ferro, aos sete anos, e depois evocava assim: “Este Deus” de ferro é a primeira máscara do absoluto, a primeira Incarnação do sentido cósmico, a sedução da Matéria surgirá depois do fogo e irá despertar a noção do tecido das coisas[36]”.

   Por trás e suportando todo esse “tecido das coisas”, revestido das mil interpretações que lhe encontramos, recordamos aquela formidável unidade que se oculta nas mais divergentes formas e uma das quais somos nós próprios e a nossa interrogação final que recai sobre o que fazemos aqui.  
   O preço dessa ascensão, que cada vez mais é visível à nossa volta, com todo o excesso dos males do Mal, espalhados pelo mundo. Por isso se levanta a questão mais angustiante de todas: Ao risco do “efeito normal da Evolução” não poderá trazer o “efeito extraordinário de qualquer catástrofe ou desvio primordial?

   Um dos maiores historiadores da nossa época será Hobsbawm que, na sua perspectiva, encara o “nosso tempo” como um século negro, de hecatombes e cataclismos, mesmo ao nosso lado, com deliberada ou indiferente omissão pelo longo hábito de uma defesa pessoal:  

  “Como comparar o mundo da década de 1990 ao mundo de 1914? Nele viviam 5 ou 6 biliões de seres humanos, talvez três vezes mais do que na eclosão da Primeira Guerra Mundial, e isso embora no Breve Século XX mais homens tivessem sido mortos ou abandonados à morte por decisão humana que jamais antes na história. Uma estimativa recente das "mega mortes" do século menciona 187 milhões (Brzezinski, 1993), o equivalente a mais de um em dez da população mundial total de 1900[37].

 

       Diante destes acontecimentos tão próximos de nós, o apelo cristão reúne-se aos movimentos para a paz, já que a consciência da premência de abandono de conformismo mortal, sem unidade e sem alma, levantam sérias perguntas quanto ao uso da liberdade que está nas mãos de todos.
    Cremos que a evolução está em perigo e em profunda crise, mas entre o pessimismo ou a esperança, ao olhar os sinais de alerta, impõe-se o esforço de todos para viver o que falta da paixão de Cristo na obra de transmudação. Assim, escreve Cuénot, um dos fervorosos intérpretes de Teilhard, diante do estado da evolução:  
 

“O homem, isto é, a evolução tornada consciente, torna-se responsável pela terra, e encontra-se diante de opções, tais como: se escolher mal, assinala a sua certidão de óbito e a aniquilará todo o porvir do ultra humano, num apocalipse em comparação com o qual os horrores de Hiroshima ou de Nagasaki não passam de criancices - ou ainda, o que é muito pior, fechar-se-á numa cadeia de robots satisfeitos.[38]

 

    Depois de reconhecer a presença do Mal, evidencia-se a corajosa actividade da investigação, da abnegação e do altruísmo, saídos das ruínas. Será este um ponto de viragem da maturação da inteligência colectiva? Teremos a alegria de poder sonhar com um novo mundo, nova Ciência e fraternidade que se descobre nos sinais de uma cidadania planetária?
     Talvez estejamos demasiado perto dos acontecimentos para os entender. Quem recordará que houve mais de trinta dinastias de Faraós no velho e enigmático Egipto? Quantas cidades foram dizimadas, por fomes e guerras, quantas populações inteiras desaparecem e nunca mais se fala delas? Que dirão os vindouros de nós? Terá razão McLuhan ao lembrar que, diante da posteridade, pareceremos homens de carácter renascentista e inconsciente sem o mínimo sentido dos importantes factores que, nestes últimos anos, pusemos em movimento.
[39] 

 

 

  •                           Aldeia de Pandora

 

 

 

   Avisadamente, logo no prólogo da obra “Aldeia Global[40] Powers aponta para o modo como os romanos estavam obcecados com o mundo da Grécia, os gregos com os tribais que os precederam que os antecediam. Se nos parece estranho em relação ao passado, nós seguimos a mesma linha de pensamento, estranhamente presos ao passado 
   Por seu lado, François Gros recorda ainda como estamos perto dos avatares e ameaças da 2ª guerra mundial, com todos os seus horrores de tão terrível experiência. Por isso, diante da caixa de Pandora, os receios são terríficos e talvez seja a razão porque:

   “Tal como antes, a biologia e os biólogos continuam, nos seus notáveis progressos moleculares, a estar um pouco isolados do mundo, Como é possível não ficarmos tocados pela sua ignorância de certas realidades sociais e económicas sobre as quais a biologia devia ter um profundo impacto?[41].

   O que Teilhard propunha era já uma continuidade e união dos esforços de toda a Humanidade e naturalmente que como cientista via o lugar da ciência para apressar a subida da consciência para diante e para cima. Desde o início está por inteiro o cientista e o místico numa unidade que se manteve:

        “No coração da Matéria

         Um coração do mundo

         O Coração de Deus[42]

 

       É um místico cristão que assim o afirma, não resvala para o Panteísmo ou para uma imanência horizontal, porque a noção de Deus dos inícios. Antes de amar o mundo já ama Deus vendo Cristo como um mundo. Após a Incarnação de Cristo a tarefa da criação para a subida está nas mãos do Homem. A sua liberdade coloca o destino em aberto e a inevitabilidade da salvação não existe.
   Perceber que está profundamente só e que só ele foi capaz de ver e intuir toda a Cosmogénese, Noosfera e Supra Vida dá-lhe uma imensa angústia que o faz participar dolorosamente da Epopeia da Humanidade.

    A incompreensão, a leitura tradicionalista da obra de Teilhard, a falta de investigação cientifica dos teólogos da velha guarda colocaram-no sob suspeita e nunca como agora, se vê brotar sementes do seu pensamento disperso por tantas obras que nem sequer o citam, mas que denunciam a sua inegável presença. A própria Igreja que celebra São Paulo, não mostra entender como a mensagem se renova e transfigura se entendermos os profundos laços entre ambos, no que há de mais central na sua Cristologia.   

      Amar a evolução é amar o homem, mas é ainda desejar desesperadamente o seu despertar de todos os males.

      Pode-se amar a evolução porque no coração da Matéria já está a centelha do Espírito que, ao desvendar-se, nos propõe uma tarefa imensa.

     Recordamos como o seu escrito,La Messe sur le Monde”, esse hino maravilhoso, oferecia a Terra inteira, como a segurasse no cálice da Comunhão, na mesma linha paulina de centrar toda a religião na Eucaristia.

  Consegue ver a presença do Ressuscitado a lançar a ponte entre a transcendência e a imanência, criando a ligação entre o Deus de cima e de alto e o Deus de dentro e que do sobe. Já não é a figura história do Verbo Incarnado mas o Corpo Místico, no Cosmos aberto, para onde a multidão ainda perdida deverá convergir e subir até à Parusia. Então o Espírito é a força da pedra, do ferro do astro ou da galáxia porque se dissipa a sombra e só essa luz existe. Mas é um Espírito de união que exige a Pessoa e o amor. É uma unidade na diversidade sem perder a personalidade de cada um, nesse grande “nómada” do Espírito, digamos assim, da nova espiritualidade que surge cada vez mais desterritoralizada que, embora presa da matéria e sustentada nela, parece elevar-se numa nova dimensão.

   Afinal, a cosmogénese pode ser vista para além de um epifenómeno, ou seja, um acaso ou um absurdo, mas a prova da espiritualização da Matéria na sua dupla face, por dentro, na interioridade crescente da consciência, e por fora, na descoberta científica. O mais grandioso impulso existente no Universo, vindo lá dos confins do tempo, obriga a ver uma evolução primordial que se consciencializa no espírito humano o torna essa flecha do tempo, na sua forma interior consciente pela espiritualidade que lhe dá o misticismo e na sua forma exterior que lhe dá a Ciência.

   Se for apenas esse exterior da matéria que o homem capta temos exemplos das barreiras e pessimismo nessa ciência sem consciência em muitos campos do pensamento de hoje que parece divinizar o homem e paralisa-lo como frágil ídolo, sempre em risco de destruição e morte. Essa é sempre a dualidade da escolha a que a Humanidade tem de estar atenta.

 

 

 

  •                            Aposta dos Genes

 

 

 

   O inflamado cientista Richard Hawkins, nas suas polémicas obras, é um exemplo deste impasse que nos parece dispersar ou talvez imobilizar. Defensor de um neo darwinismo, indo mais além de Darwin, aposta na sociedade científica e “iluminada”ou seja, num racionalismo científico e racionalismo tecnológico. Ao negar o impulso do “gene egoísta[43] , nesta nossa época, na continuação da adaptação e selecção quando a variável da cultura aparece na evolução, também a assume como dirigida mas não lhe dá sentido. Aponta para uma sociedade sem rosto, numa alegre e impetuosa descoberta da existência que afunda num hedonismo perigoso onde se perde o sentido da ética ou se nega até a busca de sentido. 
       Aqui o ser humano perde importância, se o pensarmos como indivíduo, como ser isolado ou separado do longo caminho que já trilhou. Segue-se a negação do crescimento ontológico do Homem, uma liberdade que já se explica pela Sociologia e ciências afins e uma paradoxal descontinuidade e paragem na evolução.

   É difícil acreditar paradoxal e implicitamente numa visão tão entusiástica e magnifica e não cair num pessimismo e desolação que se esconde na apologia da civilização do conhecimento. Porém que resta dessa essência do Humano se existir numa civilização sem Espírito? A multidão de consciências, cada vez mais despertas, apela para uma união sem a perda do que nos diferencia. Só pela transcendência e pela realização do bem isto se pode cumpre.

      Richard Hawkins afirma que a ciência poderia dizer-nos “porque estamos aqui”. A nosso ver, a ciência diz “apenas” “que estamos aqui” mas não entende porquê nem encontra um para quê. A Ciência resolve mas não entende, descobre, mas não inventa as leis da Natureza. Também não é essa a sua tarefa. Sem mais nenhum “relojoeiro divino”, parece-lhe igualmente que o ser humano rompeu com as leis de Darwin. A inteligência e ainda mais a reflexão inteligente criou uma “camada de pele” na Terra rejuvenescida e a evolução já não pode continuar cega. Isto Teilhard apenas sonhou e Hawkins não viu. Apenas consegue pensar que a evolução não tem grandes respostas para o modo como vivemos hoje, afirma convictamente: “Se os genes pudessem pensar ficariam horrorizados com tudo o que fazemos em projectos e energia que nada tem a ver com eles”.

    Como não há estagnação, em parte alguma na evolução, os genes e os projectos passaram, em grande parte, para as mãos dos seres humanos. O Homem, só muito lentamente, se dá conta de que hoje, ele é a inteligência consciente da evolução e que determinará o fim ou a continuidade da espiritualização evolutiva.
    Falta, a nosso ver, dar mais um passo para afirmar que a nossa consciência é a luz que se acende para realizar uma obra que até agora se fez sem a orientação consciente do homem . O sentido do Homem no Cosmos torna-se imenso se nos apercebemos disso.

    Porém não nos podemos interrogar sobre uma tomada de consciência do tempo da evolução genética, sem ver com faz parte de um todo temporal que se inicia biliões e biliões de anos atrás. E os ritmos do tempo cósmico remetem para uma variação a tomar em conta tanto no interior como exterior da Matéria e da Vida. As leis adaptativas reportam-se sempre a estádios de duração. São leis que se descobrem para a nossa compreensão da evolução e não só leis da própria evolução. Temos de ver a temporalidade numa amplitude vertiginosa para a mente humana.

 

 

 

  •                         A descoberta secreta

 

 

 

    Se a evolução humana já não é genética, tal afirmação parece ter por base apenas a observação das mudanças culturais e esse fenómeno do tempo adaptado e talvez orientado excessivamente para o nosso entendimento. Tal tese não pode ser verificada. A lentidão do passado contrasta com a celeridade do presente, mas é uma variável que se insere num contexto demasiado vasto para se poder simplificar.
   Afinal, é por causa da velocidade das mudanças civilizacionais de agora, em relação ao longo tempo cosmológico, que só há descobrimos, que vamos relativizar a noção da nossa temporalidade.

    A presentificação da História é sempre uma forma de interpretação de factos, é a construção de um imaginário que depende muito mais da perspectiva presente da ideologia oculta do que das realidades que não se podem negar nem nunca conhecer.

    O fixismo, que a evolução nega, reacende-se num culturismo selectivo que afirma, sem o dizer, a paragem ou a regressão da Humanidade. Embora muito morosa, a nossa evolução continua. À inegável evolução cultural, junta-se uma transformação biológica da qual não nos podemos dar conta? Se bem que as respostas ao meio ambiente sejam agora do domínio da cultura, o movimento evolutivo não pode parar, só porque não é visível. Diante destes factos, o antropólogo Yves Coppens
[44] levanta a hipótese de que, dentro de dez mil de anos, embora a mudança se torne mais morosa, seremos bem diferentes.


         “O nosso esqueleto tornar-se-á mais gracile e o nosso cérebro vai sem dúvida continuar a desenvolver-se. O tamanho do cérebro aumentará e logo a cabeça do feto o que impõe um tempo de gestação ainda mais rápido (...) estamos submetidos às leis da biologia e sujeitos às adaptações. Os virus, que também evoluem podem causar problemas. Não estamos também ao abrigo de uma catástrofe cósmica. ”

     E o famoso cientista, que não exclue as mutações, também levanta a possibilidade da nossa saída da Terra e expansão para outros planetas, onde a nossa adaptação se faria de modo biológico e cultural diverficicando-se do ser que hoje somos aqui e agora.
    Por seu lado, Reeves não esconde o risco da Natureza nos ter oferecido um presente envenenado, a inteligência. Enfrentamos três problemas cruciais :
Somos os causadores da extinção, vítimas dela e os únicos que têm poder de encontrar uma solução[45].”   
   Os propósitos que Hawkins encontra na tecnologia ou nas investigações científicas, parecem-nos mais caóticas e discordantes do que metodicamente organizadas e conduzem a uma falta de sentido que é, consequentemente, uma falta de futuro. O seu ateísmo convicto leva-o a um proselitismo materialista que ultrapassa a racionalidade científica. Torna-se polémico pela luta que desenvolve contra a religião. O darwinismo social, ou mesmo a Sociobiologia de Wilson, (1975) estará mais coerente quando, nos mostra a lei da selecção natural, aplicada a todas as sociedades, animais e humanas. Embora com extrapolações, o determinismo selectivo, provoca grande polémica mas evidencia-se na relação entre os povos desenvolvidos que, inconscientemente e sem dó nem piedade, exterminam os do terceiro mundo. O debate traz para o campo humano o que acontece na natureza e acabaria com a separação entre o biológico e o cultural. Teria todo o sentido lógico que os mais fortes ou mais aptos oprimissem os mais fracos ou menos aptos.

    Por trás das maravilhas da civilização, sempre um pouco duvidosas e frágeis, a evolução continua com selecção de formas nas sociedades de hoje. Mas com a aparição da noção de Humanidade uma nova era tem de surgir.

     Pode parecer plausível negar qualquer objectivo à evolução até à hominização e assim o foi para Darwin, que encontrou na natureza o que diria ser apenas uma ilusão de sentido ou propósito. Acrescente-se que se maravilhou com a presença do homem sem especular sobre a sua finalidade. Agora Dawkins vai mais além pois agora afirma que esse sentido está nas nossas mãos. E conclui que se trata do espírito de investigação. A sua investigação separa afinal a Humanidade entre os gozam dos benéficos da Ciência, os que a produzem e os excluídos. Ao referir-se à tecnologia, à flexibilidade do pensamento e imediatez da comunicação, descobre que somos nós quem dá sentido ao universo que de outro modo não teria. A sua escolha acaba por ser a aposta nos genes em vez de ser nos homens.

   Neste planeta, o sentido do universo aparece de modo imprevisível e torna a presença humana algo tão paradoxal que troça de toda a lei e de toda a ciência que nós mesmos descobrimos.

   A descoberta de nós mesmos nunca pára de nos surpreender! 

 

 

  •  Paradoxos em marcha

 

 

   Parece conter alguma ingenuidade qualquer crença implícita quer na bondade do homem, quer no poder do conhecimento. A confiança do iluminismo redentor está ensombrada por provas de que o saber não torna o homem virtuoso e de que os seres mais inteligentes não ficam isentos de perigos. Fica claro que Hawkins acredita na Humanidade apenas como portadora de melhores genes adaptativos, mas a impressão que nos resta no final dos seus argumentos é de ter parado em vez de reparar que a evolução continua e o risco do Mal é tão forte que não nos libertamos assim dos tais “genes egoístas” a que atribui o êxito da evolução.
    Falta aqui algo que seja mais audacioso e visionário. Apetece repetir como os adolescentes, já que o Espírito desperta consciente de si e a libertar-se do que o rodeia:

   Ou tudo ou nada!

   Ou aceitamos uma esperança infinita num longo e penoso desenrolar de um Mistério de que fazemos parte mas nos ultrapassa, ou o absurdo ou o desespero obriga a aceitar uma visão já derrotada, mesmo depois de tanto conhecimento disperso e sem sentido.
    Foi pela ramificação da Vida que houve a possibilidade única e paradoxal da existência humana e tudo convergiu para a aparição do pensamento. Agora temos o dualismo da escolha e um futuro aberto.

   Os efeitos noosféricos são já possíveis de reconhecer e quanta potencialidade com toda a tecnologia a que Teilhard chama o “artificial: “Uma camada inteira de consciência exercendo ao mesmo tempo a sua pressão sobre o Futuro! O produto colectivo e aditivo de um milhão de anos de Pensamento!... Já alguma vez tentámos imaginar o que representam estas grandezas?
[46] .

   Tais palavras surpreendentes, ainda o são mais quando encontramos ecos delas num filósofo da informática, como Pierre Lévy, ao escrever sobre a “inteligência colectiva[47]. Com uma argumentação laica com base em textos bíblicos e míticos, afirma que o mundo se sustenta pelos poucos justos que se “escondem, discretos, anónimos, ignorados”, enquanto o mal se proclama e patenteia por todo o lado. Mas são os justos que, na sua invisibilidade, sustentam os vínculos socais e formam a inteligência colectiva. O poder dá medo, faz muito ruído, o que impede o colectivo de comunicar consigo próprio e esse poder que se instaura empobrece ao seu redor as qualidades do ser. O justo está ao lado do ser. O poder é mau e por isso os justos afastam-se do poder.
    Não sabemos se Lévy encontrou ou leu alguma obra de Teilhard de Chardin. Mas este demonstra bem como teve uma visão magnífica realidade e continua com espantosa actualidade.

    A Terra torna-se pequena e tece novas redes da extensão do Espírito com uma consciência do colectivo que não é a dissolução dos milhões de “eus” mas sim essa unidade descentrada que se desenvolve a cada instante com o suporte material e a aparição do ético de uma nova ontologia do Ser que é algo ultra humano.  

  Por seu lado, os astronautas, tomados de espanto por toda a tecnologia, que por algum tempo os sustenta no espaço, podem vangloriar-se do triunfo do espírito e do domínio sobre a matéria. Mas podem também assumir uma humildade e um sentimento de fragilidade imensos com a comparação entre a sua ínfima presença e a grandeza do Cosmos.

   Quer o optimismo, quer o pessimismo, quanto ao futuro da vida da Vida no nosso planeta, distante ou terrivelmente próximo, exigem mais acção e crescente consciência do nosso valor no tempo. É a nossa duração consciente que nos obriga a reflectir sobre o valor da nossa realização. Se vamos um pouco mais para a frente ou recuamos para a descida.

 

 

 

  •                               Colher sem semear

 

 

 

    O tempo apaga-se em nós ou então acende mais uma centelha para o Fogo do Verbo, a iluminar melhor o Cosmos com uma luz que adivinhavam os mitos da criação ou a Luz resplandecente da glória da Parusia. Seria o final dos Tempos ou o final da História, sem o catastrofismo escatológico mas a convergência de toda a Matéria num ponto Ómega, nessa unidade que diferencia e que só se entenderá numa perspectiva para além da Física, ou até da Metafísica[48].
   A única concepção que se assemelha a esta, recorrendo à filosofia e à física é a do “meta realismo”, de onde pode surgir uma nova síntese já esboçada da unidade do pensamento humano. Pode ser que “as descobertas da nova física se aproximem da esfera da intuição metafísica
[49].
   Temos de reconhecer que, uma visão tão abrangente da força de Deus, do cristianismo, com todo o conhecimento científico que Teilhard tinha, se projecta num tão grandioso futuro que afasta e assusta a nossa mentalidade. No Ocidente são raras as sínteses unificadoras e ainda mais quando se projectam no futuro. Não surpreende pois que este jesuíta se angustiasse e sentisse uma aterradora solidão:

   "(…) é possível que, olhando à minha volta, e totalmente inebriado pelo que me surgiu, eu me ache quase o único da minha espécie? … o único a ter visto?[50]”.  

    Esta parece ser a angústia mais trágica que pode desafiar um ser humano. Uma angústia que podemos supor até em Cristo ao dizer “eles não sabem o que fazem”, e em tantos seres humanos iluminados pela visão de um Reino entrevisto e que do qual não conseguem transmitir a sua intuição aos que a repudiam e se afastam.      
   Afinal os verdadeiros profetas semeiam mas não colhem. Nós colhemos tanto sem ter semeado! E todavia vemos tão pouco… Reeves, ao ser entrevistado, apontava para um dos temas que não temos sempre em conta e que é a pouca duração da nossa modernidade quando a comparamos aos três milhões de anos da vida da nossa espécie.

    “A humanidade actual, se bem que tenha chegado a um certo nível de reflexão, parece-me ainda muito jovem. Muitas dificuldades do nosso século [XX] devem-se a que grande parte das populações tenha uma informação reduzida acerca do mundo
[51].
   O fulgor do Espírito veio do seio da Matéria e realiza-se no tempo quanto mais a planetização humana decorre. Se estamos cientes da continuidade, temos de ver também a descontinuidade e da biosfera surge a antropogénese e o eixo vital da sua viragem A vida da Vida toma consciência que é amor mais do que a sua simples existência. Com Jesus de Nazaré, o Mistério do infinitamente pequeno torna-se infinitamente grande e não se pode recuar mais. A nossa ignorância só agora começa a ser revelada. O nosso tempo é  um Tempo privilegiado pelo Mistério. A relação entre alguns escritos paulinos e teilhardianos estão na união a Cristo, em estar no mundo e “fora” dele e só assim o poder amar.

 

 

 

  •                             Chegada ou espera

 

 

 

     O poder do ultra humano tem de ser desmedido pois a primeira camada humana é a multidão sem rumo ou sentido da sua unidade. Daí, só existe a saída global, de que estamos a ver alguns sinais, ou a dispersão, o egoísmo e o isolamento que matam. Como a luz se apaga sem a combustão, também se os indivíduos se fecham, o cristianismo deixa de ser a religião da reconciliação e da unidade como queriam Hegel e Teilhard. O monismo é a assunção da vocação que desperta no homem ultra humano. Cuénot tem a noção desse “beco sem saída” em que parece entrar o cristianismo[52]. A necessidade de rejuvenescimento está em Teilhard, como na tentativa do marxismo evolutivo e a reconciliação com a fé de um povo. O judaísmo faz da sua história a espera de um Deus de cima, mas o cristianismo oferece ao homem a epopeia da história da evolução de um “Deus-para-a-Frente” e um “Deus-para-Cima”. Torna a existência um privilégio tão fantástico e desmesurado que nunca deixamos de espantar com este fenómeno que somos e ainda mais do que podemos ser no seio de um Cosmos inteligente e, mais do que isso, personalizado.
   O que os factos mostram é só a superfície do Cosmos, mesmo que seja a partícula mais pequena é ainda exterior, porque na ciência se trata como facto, lei ou explicação a que falta a seiva da interioridade e do Espírito.

    A evolução só é profundamente humana, se for valorativa e quando nasça da unidade do pensamento e do coração do Humano. O neo-logos do tempo moderno, é o verbo prometido agora em mensagem desterritoralizada e no fenómeno deslumbrante de um meio em que as consciências se encontram nas estranhas extensões de si mesmos que as tecnologias ampliam. Todavia, ao navega com a razão navega também com o imaginário, a irracionalidade, a prosa mais cruel da vida e a poesia mais luminosa. 

   Por tudo isso, voltamos aos escritos de Chardin para ver neles a luminosidade da poesia e a vontade de transmitir um saber, tocado pelo intuitivo, que arde no interior do espírito e se alastra a tudo o que toca.

    Embora os paradoxos do tempo nos espantem são realidades e experiências, numa totalidade sem alma ou uma multidão, uma energia psíquica co-reflexiva que nasce outra vez, como nascera a primeira. Tacteia receosa ou ousadamente esse novo mundo. Até agora, quase que não foi mais do que um devir cego, sem orientação definida. O virtual é um duplo da realidade e também uma outra realidade que se evidencia cada vez mais na prática criando o perigo da alienação, da dispersão e da queda. A cada degrau existe liberdade.

 

                           

  •                      Nas mãos do Futuro

 

 

      A escolha de uma ou outra perspectiva é uma decisão que define todo o sentido do homem na evolução. Mais do que a consciência dela, é a descoberta do “nosso tempo”, conscientes do imperativo deste presente que nos é dado e no qual realizamos um pouco mais a caminhada para o alto, ou deslizamos para o vale das sombras e apagamo-nos como uma vela inutilmente acesa. A nossa chegada “aqui” foi tão espantosamente longa como a explosão inicial do Tempo foi “instantânea”. A evolução torna-se a revelação de nos encontramos dentro do tempo evolutor. Tudo isto se mostra rapidamente e é tão juvenil aos nossos olhos humanos na imensidão dos mundos que nos deve dar esperança para lá do receio que nos causa. O aumento da inteligência colectiva e da sua relação com as tecnologias é uma evidência que não cansa de nos surpreender. Parece que o salto para a frente se iniciou há muito pouco tempo e somos uns espectadores estupefactos e incrédulos. O “contador das estrelas”, Hubert Reeves[53] em continuidade com uma visão optimista mas cautelosa do futuro recorda que foi a meados do século XX que o Homem começou realmente a ter uma consciência planetária já que só nesse tempo aparecem as primeiras organizações mundiais conforme recorda Reeves ao falar da ONU e outros organismos que manifestam a noção de uma Humanidade real. 

    O futuro da humanidade joga-se agora nos meios mais sofisticados e inexplorados que poderíamos pensar há pouco menos de décadas. A Cibercultura traz uma revolução globalizante e traduz-se num planeta que se torna cada vez mais pequeno. Claro que a exclusão existe, mas nunca o número de alfabetizados foi tão grande nem as vias de comunicação tão complexas e muitas vezes instantâneas. Se por um lado nos assusta a presença de um Big Brother orwelliano, por outro será mais aterrador o mundo por ele criado para nossa ilusão, alienação e consumo.

    Em 1999 surgia o Manifesto Cluetrain com as suas 95 teses, tal como o número das teses de Lutero, denunciando a exigência ética, com a vontade de dar maior transparência à comunicação no tecido empresarial. Sinal de uma noção de nova de ética agora em relação ao meio de comunicação na cibercidade que está a verificar-se na Internet porque a ética é a sombra de todo o agir do humano. Provavelmente um sonho dos seus autores, Locke, Levine, Searls e  Weinberger mas que mostra uma mudança mundial da concepção dos empresários e do público que exigem inteligência e verdade para navegação segura novo mercado que enfrentam.
  Vemos que as crises e conflitos que estes últimos tempos convulsionam e “enrolam sobre si mesma a Noosfera” remetem mais para uma adolescência do Espírito humano do que para uma maturidade. A Consciência assume características juvenis de uma Nova Terra. A escolha é a vocação do Futuro, com todos os riscos de uma nova barbárie ou um individualismo feroz que nos poderá destruir se não dominarmos a comodidade ou entropia que nos empurra para a descida. Nada mais comum na adolescência do que essa presunção de velhice, narcisismo e saber tão apregoados na nossa sociedade. Infância ou velhice são atributos de uma cultura ou civilização, mas a Humanidade é sempre jovem em cada criança que nasce.

 

 

 

  •                              Sem definição possível

 

 

 

     Para onde vai a Humanidade? Se não sabemos definir o Homem que podemos dizer do seu destino?  
Toda a proposição caiu porque o homem é desmesurado. A sua inteligência é um poder completamente novo no seio de uma Natureza sujeita a leis que não controlava. Agora, com o novo poder das ciências uma força nova nasce sem se saber muito bem o que fazer dela. A comunicação com o Outro já se transforma em criação colectiva do Sapiens sapiens que reduz a simbiose da Natureza, História e Cultura ao que o filósofo Michel Serres
[54] chama “Contrato Natural”, parafraseando o “Contrato Social” de J.J. Rousseau. Transportamos para um mundo novo os mesmos valores que norteavam o homem há milhares de anos atrás? A dignidade, a verdade, a alegria e a dor, a felicidade e a desgraça continuam a acompanhar-nos em todos os mundos criados como um pano de fundo de todo o paradigma?
    Completando um tempo de exaltação humana do hegelianismo, a História da Humanidade inscreve-se no evolucionismo cósmico depois das descobertas das origens do homem e do universo. Se bem que em traços largos, em que os hiatos da ignorância dão essa hesitações de afirmativa, vivemos um momento por excelência em que a palavra do Cristo histórico se semeou e, se nos temos de desapegar mais da Terra, é porque somos filhos dela e do Céu. Assim se definia, pela educação e formação religiosa e científica, o próprio Teilhard de Chardin. É curioso como Konstantin Tsiolkovski, considerado o pai do espaço pelos russos, dizia:

    “ A Terra é o nosso berço, mas não se fica eternamente no berço”.[55].

     Sentimo-nos profundamente abalados pela realidade da visão da Noosfera, ao verificar como já não são só proféticos os escritos de Chardin. A velocidade da História apanhou-nos desprevenidos e, de repente, passamos para uma era que só nas utopias era imaginável. Em todos os campos, as ciências desenvolvem-se a um ritmo nunca antes visto. Nunca se insistiu tanto pela adaptação das ciências exactas, pela biologia, por técnicas bem específicas e elaborados nos seus campos próprios para dar um contributo para a totalização civilizacional. Todos os conhecimentos são chamados à praça pública e a proximidade é uma exigência, um meio de subir, de ver o longe e o perto, num tempo que se enrola agora para reduzir as distâncias. O instantâneo é o milagre tecnológico da presença, da ubiquidade e o anúncio do biónico que já se prepara. Os congressos, projectos e reuniões juntam pela primeira vez ciências nunca vistas ou achadas em resolução de problemas éticos, demográficos, psicológicos, económicos…
    Um pouco de fascínio infantil decorre dessa possibilidade de ver a transdisciplinaridade das ciências e a informação que circula pela técnica como que de um gigantesco novo sistema nervoso da inteligência colectiva. Um novo poder já se manifesta com unidade sem centro e enorme diversidade alcançada pelos sofisticados meios de comunicação. Muito se pode esperar já, que só potencialmente, ao alcance de todos. Uma nova alfabetização se exige e ainda a anterior não se realizou! Que forças espantosas não poderá ter o Espírito humano se os prodígios de hoje estiverem ao alcance de todos?

   Estes meios de comunicação interactivos são como um cadinho gigantesco onde fermenta a nova actividade do Espírito para o salto em frente. Só podemos aceitar a noção de crise, na evolução olhando o verso e o reverso da medalha. Há uma exigência de escolha no tempo de cada um e bem mais uma Terra jovem pelo Espírito que circula em velocidade crescente pela Cibercultura e pelas Cibercidades, na realidade de construção de um Reino do Espírito.

 

 

                        

  •                         O terceiro lado da medalha

 

 

 

    São muitos os filhos de Teilhard que, como os novos ricos, se envergonham da humildade dos pais, temem a força das consequências, mais revolucionárias do que as suas, que este pensador já trazia, e que fariam perder o brilho das suas teses se fosse revelada a sua origem. São tantas as sementes que florescem e novas questões que parecem poder ser resolvidas com os “excessos” da síntese científica, filosófica e teológica de Teilhard. Toda a sua desmesura só demonstra que essa pode ser a medida de evolução Humana.
    Tivemos a boa surpresa de encontrar recentemente em Tomaz J. Ferreira
[56] a consciência da originalidade de Teilhard e a sua visão da evolução corresponder a uma realidade da fé. “Quem se debruçar sobre o que tem sido a história dos homens poderá testemunhar que a toda ela – e não apenas a eventos mais ou menos recentes – se poderá aplicar o escrito no Apocalipse.”
     Ao referir que a Terra se cobriria de Espírito, até à sua completa transformação, temos diante de nós sinais evidentes dessa realização, as redes do tecido social cada vez mais densas criam malhas intrincadas entre si, como se fossem um gigantesco sistema nervosos de um único ser humano que se desdobrasse e, por se desterritoralizar, já não é apenas matéria e ainda não é só espírito, mas é a presença maior desse espírito que se pode sonhar um dia crescer em harmonia. Os labirínticos e pesados meios tecnológicos tornam-se como se fossem asas e permitem a comunicação do Espírito e a co-reflexão do Homem que evidenciam, cada vez mais, que só conseguimos existir em fraternidade. Se bem que num plano bem mais pobre do que o sonho do autor de “Le Milieu Divin”, opera-se já uma obra espantosa do Espírito e a mais elevada possibilidade de libertação.

   Lidos dentro de centenas de anos, pode ser que Hegel, Darwin e Chardin, mostrem um parentesco que muito os aproximará. Se o sistema de Hegel continua a ter expressividade nos dias de hoje é devido ao evolucionismo que o mantém jovem. Assim acontece com a evolução das espécies em que aparece o Fenómeno Humano que se inscreve na Matéria e sobe no Espírito.

 

 

 

  •                                     INTERVALO

 

 

 

   Uma vez, acordámos com um raio de sol a brilhar fortemente na pele da nossa mão infantil. A pele jovem e lisa, assim iluminada e perto dos olhos, assemelhava-se à pele de alguém muito, muito velho. Ficamos quietos a reflectir na realidade daquela velhice ali anunciada. De repente, sentimos medo, um medo terrível do tempo. A nossa duração aparecia ali com toda a sua fragilidade num fim que imaginávamos muito distante e, de repente, estava esgotado. Mais do que a morte, era o vazio desse tempo apagado que assustava. A vida estava ali representada no seu fim sem que a tivéssemos percorrido. O medo fez esquecer o brilho do Sol e tudo o mais. Retiramos a mão da luz e serenamos num regresso do futuro. Essa impressão de tempo, repentinamente no seu final, marcou então vivamente a nossa mente porque sentíamos na carne que tínhamos chegado ao fim, todas as escolhas eram já impossíveis, todas as acções tinham sido omitidas e as palavras silenciadas. Sentíamos que era a Vida mas faltara percorrer o tempo e a estrada. Essa experiência do vazio pode acontecer a todos nós. Basta perceber que o tempo que vivemos foi em vão, que a luz não se acendeu, a palavra não foi dita, não nos tornáramos mais reais.
   Éramos nada, o nosso tempo já se esvaziara, restava o vazio e o antecipado. Estávamos a ver por fora a nossa temporalidade esgotada e o seu vazio.

   Agora, estamos à beira do esgotar temporal, podemos mesmo antecipá-lo, mas não perdemos todo o tempo, nem foi vazio como um “buraco negro”.

    Procurámos a luz e o sentido. Em vez da exterioridade da duração esgotada que nos aterrava na infância, o dentro e o fora encontram-se reunidos. Gastámos todo o tempo a aprender a ver. Quando parece que vamos conseguir, queremos ser luz. Talvez incendiássemos um pouco mais a Terra, só um ponto infinitamente pequeno e luminoso.

    Um brilhozinho que sobe com os outros.

 

 

 

 


 

NOTAS:

 

 

[1]  MCLUHAN, Herbert Marshall, (1911-1980), Sociólogo, autor da obra – A Aldeia Global.

 

 [2] PIAGET, Jean, The Moral Judgement of the Child, Free Press, 111, 1935.

 

[3] HOBSBAWM, Eric, Era dos Extremos – O breve século XX 1914-1990,  Editora  Schwarcz, Lda., - São Paulo : Companhia das Letras, 19951.

 

[4] NOTA: A Colecção Convergências reúne escritos de Rideau, Lubac, Tresmontant, do próprio Teilhard de Chardin e outros.

[5] LUBAC, Henri de, Blondel e Teilhard de Chardin. Correspondência - Morais Editores, Colecção Convergências,  nº. 11, Lisboa, 1968, pp. 90-91.

 

 [6] TEILHARD DE CHARDIN, Pierre, Inédito, excerto de La vie cosmique, Nieuport -Ville, 24 de Março de1916, nº. 14, da bibliografia  de Cuénot.

[7] GARRIC, Robert, Cartas a Léontine Zanta, Génese dum pensamento, Livraria Morais Editora, Lisboa, 1967, p. 29.

[8] TEILHARD DE CHARDIN, Pierre Marie de, O Fenómeno Humano, Livraria Tavares Martins, Colecção Filosofia e Religião, Porto, 1970, 3ª edição, p 17.

[9] NOTA CUÉNOT, Claude, Aventura e visão em Teilhard de Chardin, Livraria Morais Editora, Colecção Convergências, nº. 8, Lisboa, 1966, Organismo espiritual, em que o Uno substancial e  o múltiplo criado se encontram, sem confusão, numa totalidade que, sem nada de essencial acrescentar a Deus, será contudo uma espécie de triunfo e de generalização do Ser.  Glossário, p.s/nº.

[10] LUBAC, Henri de, op. cit. pp.25-28.

[11] TEILHARD DE CHARDIN, Pierre, O Lugar do Homem do Universo, Editorial Presença, Editorial Presença, nº. 5, Lisboa, s/d, pp.155-157.

[12] TEILHARD DE CHARDIN, Pierre, op. cit., p 191.

[13] TEILHARD DE CHARDIN, Pierre, op. cit. p.311.

[14] COLOMER, Eusébio, A Evolução Segundo Teilhard de Chardin, Livraria Tavares Martins, Colecção Prisma, 1967. p.105

[15] LUBAC, Henri de, Blondel e Teilhard de Chardin , Morais Editores, Colecção Convergências,  nº. 11, Lisboa, 1968, pp. 182-183.

[16] RAVIER, André, Homilia da Missa  do aniversário da morte de T. de Chardin, 1965, Apud, Lubac, H. Correspondência Blondel e Teilhard, p. 185.

[17] TEILHARD DE CHARDIN, Pierre, op. cit. pp. 244-245.

[18] LUBAC, Henri de, A Oração de Teilhard de Chardin,  Morais Editores, Colecção Convergências,  nº. 11, Lisboa, 1968, p. 211

[19] TEILHARD DE CHARDIN, Pierre, Hymne de l'univers. La Messe sur le Monde, p. 21. http://bourdonniers.wikispaces.com/La+messe+sur+le+monde, 08.12.19.

[20] TEILHARD DE CHARDIN, Pierre, L´Avenir de l´Homme, Edição du Seul, 1959, p. 51. 

[21]  COLOMER, Eusébio, A Evolução Segundo Teilhard de Chardin, Textos de Chardin, Livraria Tavares Martins, Colecção Prisma, p. 201.

[22] TEILHAR DE CHARDIN, Pierre, Cartas de Hastings e de Paris, 1908-1914, Livraria Morais Editora, Lisboa, 1967. 

[23] NUNES, Paulo, Teilhard de Chardin, o Santo Tomás do Século XX, Paralelismo Filosófico-Teológico, Convergências e Divergências, Edições Loyola, São Paulo, Brasil, 1977.

[24] CUÉNOT, Claude, Aventura e visão em Teilhard de Chardin, Livraria Morais Editora, Colecção Convergências, nº. 8, Lisboa, 1966, p. 211.

[25] LUBAC, de Henri, A Oração de Teilhard de Chardin, Morais Editores, Colecção Convergências, nº. 11, Lisboa, 1968, p. 11.

[26] LUBAC, Henri de, Blondel e Teilhard, pp 136-137.

[27] DARWIN, Charles, A Origem das Espécies, Tradução portuguesa de Joaquim Dá Mesquita Paúl, Livraria Chardon, Lelo e Irmão Porto, s/d, p. 461.

[28] TEILHARD DE CHARDIN, Pierre, op. cit., pp 224-225

[29] LUBAC, Henri de, A Oração de Teilhard de Chardin,   Morais Editores, Colecção Convergências,  nº. 11, Lisboa, 1968, pp. 97-99.

[30] COLOMER, Eusébio, op. cit p.p. 46-47.

[31] FRENAUD, Dom George, Pensée philosophique et Religieuse du Père Teilhard de Chardin, Col. Octobre, M. Jehan de Saint-Chamas - 15 bis, Rue Kléber, Le Chesnay (S. et 0.) C. C. P. PARIS. 08.12.02.

[32] LUBAC, Henri de, Blondel e Teilhard de Chardin, pp 77-79.

[33] LUBAC, Henri de, Blondel e Teilhard de Chardin,. p. 14-16.

[34] GUITTON, Jean, Deus e a Ciência, Editorial Presença, Ciência Aberta, nº. 14, O Big Bang p.25

[35]MARTIN-DELIAS, Noel, Teilhard de Chardin, Aventureiro do Espírito, Livraria Morais Editora, Colecção Convergências, nº. 1, 1965, p. 210.

[36] CUÉNOT, Claude, Aventura e Visão de Teilhard de Chardin, pp 20-21.

[37] HOBSBAWM,  Eric  A Era dos Extremos: o Breve Século XX: 1914 – 1991. Editora  Schwarcz, Lda., - São Paulo : Companhia das Letras, 19951.

[38] CUÉNOT, Claude, Op. cit. p.110

[39]MCLUHAN, Marshall LA GALAXIA GUTENBERG -GÉNESIS DEL "HOMO TYPOGRAPHICUS"

[40] MCLUHAN, Marshall, y  Powers,  La aldea global, Editorial Gedisa. Colecção El Mamífero Parlante, Barcelona, 1995, p. 15.

[41] GROS, François, A Civilização do Gene,  Edição Terramar Lisboa, s/d,p 38

[42] COLOMER, Eusébio, A Evolução segundo Teilhard de Chardin, Livraria Tavares Martins, Colecção Prisma, p.248

[43]DAWKINS, Richard, The big question, Why are we here? Discovery ascientist, mentorn production for Channel 5, 2004. 08.11.24.

[44] REEVES, Hubert, La Plus Belle Histoire du Monde,  Une édition du Club France Loisirs, Com a autorização das Edições Du Seuil, Pais, 1996, p.169-170.

[45] REEVES Hubert, Mal de Terre Entretien avec Hubert REEVES
Astrophycicien, Président de la Ligue pour la préservation de la faune sauvage
, 08.11.28.

[46] TEILHARD DE CHARDIN, Pierre, Fenómeno Humano, p. 316.

[47] LÉVY, Pierre, Inteligência Colectiva, Por una antropología del Ciberespacio  http://inteligenciacolectiva.bvsalud.org 08.12.21.

[48] COLOMER, Eusébio, A Evolução segundo Teilhard de Chardin, p. 79.

[49] GUITTON, Jean, Deus e a Ciência, Editorial Presença, Colecção Ciência Aberta, , nº. 14, Lisboa, p. 11.

[50] CUÉNOT Claude, Aventura e Visão de Teilhard de Chardin, Livraria Morais Editora, Colecção Convergências, nº. 8, Lisboa, 1966, p. 71.

[51]  REEVES, Hubert, La Plus Belle Histoire du Monde, L'avenir de l'univers, Une édition du Club France Loisirs, Com a autorização das Edições Du Seuil, Pais, 1996, p 172.

[52] CUÉNOT, Claude, op. cit, pp. 144, 155, 168.

[53] REEVES, Hubert, La Plus Belle Histoire du Monde,  Une édition du Club France Loisirs, Com a autorização das Edições Du Seuil, Pais, 1996.

 [54] SERRES, Michel, Choisir l´homme de demain. Conference, 08.11.30.

[55]  http://blip.tv/file/28877/ 08.10.31

[56] FERREIRA, J. Tomaz, O futuro da espécie Humana em Teilhard de Chardin e a parusia cristã, Brotéria, Cristianismo e cultura, Vol., 167, nº. 5, Novembro 2008, pp. 373- 382.