" A Escola a ferro e fogo"

  • Um novo Iluminismo

    ©  Lúcia Costa Melo Simas .( 2008 )

 

 

            

       

  Ninguém atende!

[    Pormenor de porta. Florença. Itália. 2008 ]

© Levi Malho - Imagem digital

      

 


 

  

    Tema quente, mesmo às portas do Inverno, a escola é aquela “máquina devorante[i] onde todos têm de entrar e muitos de lá nunca saem.

   Generalizar é o risco que se corre ao falar de assunto com tantas variáveis e actores, máscaras e papéis como é o fenómeno da Educação. Qualquer perspectiva é uma ponta de icebergue ou uma acha para a fogueira que se acendeu e não se pode apagar do lado de fora, com mangueiras rotas ou baldes de água ou do lado de dentro com extintores já fora de prazo.

   Como uma fortaleza, atacada do exterior e forte rebelião interna, será que esta Instituição está obsoleta ou a nossa sociedade ocidental é que está ferida de morte no seu modelo?

    Ocasiões há em que as teorias de Rousseau parecem a bandeira sob a qual todos combatem mas sem saber qual é o inimigo, ataca-se quem estiver mais perto. É uma espécie de guerra em que os amigos são inimigos e vice-versa. Por vezes, os governantes são um bode expiatório, outras vezes os pais, ou os professores, ou ainda as criancinhas que não cabem nos moldes e formatações de uma Cidade-Escola em que a sociedade parece que se quer tornar. Se até os aposentados se acoitam em novos cursos, as criancinhas quase que saem das maternidades directamente para as escolas, vulgarmente tidas por creches. Não é sem fundamento que se pode dizer isto porque os psicólogos, há muito tempo já, descobriram que o primeiro ano de vida é o aquele em que mais se trabalha.   

   A idolatria e demagogia que rodeia a criança não se compadecem com as contrariedades e o pessimismo que depois o adolescente enfrenta. É já muito tarde quando descobrir que as frustrações, as regras, a disciplina e o trabalho a sério na luta pela vida estão ali, ao virar da esquina, a espreitar as primeiras veleidades de adultez e independência. 

  Por outro lado, existe uma barreira entre casa e escola. Tal facto é símbolo e sinal da necessidade de autonomia crescente mas também se torna em desresponsabilização excessiva ou forçada. Nenhum dos casos é salutar para os pais, quando se diz que existe um grupo familiar, apelidado doméstico.

 

  A ponte entre o fosso das duas aparentes fortalezas, casa e escola, pode ser atravessada pelas criancinhas ou por um elemento, de que pouco se fala, mas muito conta no resultado: o manual.     Quantos pais reparam e reflectem sobre os livros que seus filhos são obrigados a ler e eles a comprar?

   Não será de supor que esses livros tenham respeito pelo papel –material e ideal – contendo mensagens positivas, cívicas, defendendo minimamente ideais e promovendo modelos culturais o mais elevados que se possam dar para os cidadãos do futuro?

   Pura ilusão e demagogia nossa, pensar assim? Afinal a educação dá um tiro no pé, ou a serpente morde a própria cauda?    Há muito que estas interrogações se nos colocam, cada vez com mais insistência pelo que nos parece estar a acontecer.

   Foi por termos a oportunidade de espreitar, um aparente inócuo manual, que deparamos com uma espantosa “preciosidade”. Num livro da Porto Editora, que tivemos sempre por Casa respeitável e segura em livros para as criancinhas, eis que nos aparece um “Mots Croisés 1”para adolescentes do 7º ano. Traz a chancela de duas possíveis senhoras docentes, com toda a certeza, seguras do que querem dos alunos e da Escola, Luísa Pacheco e Susana Costa, para mais apadrinhadas por um ilustríssimo Professor do Ensino Superior e Pedagógico e Paramedical (Hello) Leuze, um francês que dá pelo nome de Jean Luc Dubart e era suposto servir para desempenhar cabalmente as suas funções culturais e pedagógicas.

   Tudo muito bonito, apenas o “Paramedical” nos pôs logo um ponto de interrogação devido à nossa ignorância. Será que os serviços de Saúde, em França, estão nas mãos dos pedagogos? Se assim é, a esperança já se enterrou para os pobrezinhos dos meninos franceses. Se os pedagogos vão distribuir didácticas e teses de Rousseau aos doentes, pobres Emílios, desgraçadas Sofias!

    Com alguma esperança folheamos a obra até que encalhamos, a dado passo, numa quadra. Eram versos e isso, para nós, era como se a Rainha Santa Isabel dissesse a D. Dinis: - São rosas, Senhor, são rosas….

 

     Não resistimos a ler e valeu bem a pena. Era um poema, supostamente escrito por um aluno bem disposto e que valia por cem manuais de pedagogia, mil aulas de educação para a cidadania, 777 Power points, 95 teses de Lutero, três didácticas, mais volumosas do que a de Coménius[ii] e ideias mais revolucionárias que o “Livro Vermelho” de Mao Tsé-Tung. O nosso Sócrates é um pálido paladino da luta pela Educação, diante da força telúrica, vulcânica, indomável deste poema capaz de acabar com todos os problemas de uma só vez nas escolas.

   De acordo com o que está escrito, imprimiram-se dez mil exemplares desse manual de Francês. Dá para uma Marcha Longa, made in China, e até atravessar o Atlântico a nado! Simplicidade de métodos, eficácia, rapidez e objectivos todos cumpridos. Dez mil jovenzinhos em obediente revolução prometem tornar Portugal livre de todos os males. Soam como campainhas ou harpas de anjos as palavras:

 

  Vive les vacances

Au diable les pénitances!

Mettons l´école en feu

Et les profs au milieu.[iii]” , pg. . 170

 

    Comme c´est beau!, dizemos nós. Joana d´Arc está prestes a ser vingada. Nem Nero teve tal ideia, nem todos os governantes juntos através da História, apenas o Dominicano Girolamo Savonarolla lançou timidamente uma ideia que nem continuou, o general russo Rostopchine[iv] pai da Condessa de Ségur, dos contos infantis, e descendente distante de Gengis Khan, o tártaro, lançou fogo a Moscovo, mas por razões menores. Que é a invasão de Napoleão diante da invasão da gentil barbárie a cumprir ordens? Incentivada pelos próprios manuais, toda a gente deve comprar extintores se tiver algum adolescente em casa ou por perto. Eles são tantos e andam por aí… Entre doze a catorze anos, um bom adolescente, com a mente em tumulto e à espera de ideias e ideais, aceita isto como verdade incontestável. Os pais dormem descansados e eles aprendem o que o Diabo esqueceu!

 

  É a “Solução Final”. Devemos dar parabéns aos autores da obra, aos docentes, à Ministra, que vai ficar bem mais bonitinha, e a Sócrates que explica, esfregando as mãos de contente, depois de provar mais um fato novo:

 - Eu não disse? O choque tecnológico já está a urdir efeitos. Em breve, estamos livres desta gente toda.

   Acaba-se com a escola. Para o ano? Em casa e com o telemóvel ligado, para o caso do Magalhães não funcionar as criancinhas iniciam uma Era nova.

    Não aprendem? O ensino barra aprendizagem não resulta? Pois para que serve a tecnologia? Que o Big Brother entre em acção. Cada erro dá direito a um choque eléctrico, cada fuga da secretária a obrigação de copiar um decreto-lei 7 vezes seguidas e acrescentem-se mais meia dúzia de ideias para aprendizagem sem ensino que nem precisa ser muito brilhante, depois de tanta luz a arder, Portugal entra no Novo Mundo. Vamos todos para o Second Life[v] com os nossos Avatares iluminados como archotes do Sol da Inteligência Pura.

    Temos um Novo Iluminismo. Só falta um novo Kant e alguém que traduza “Sapere Aude” por algo ainda mais revolucionário! Avante que o Século XXI espera pelos seus ilustríssimos filhos.

 

 


 

NOTAS:

 

[i] JONCOUR, Pierre, A escola, uma máquina devorante, Editorial Notícias, Lisboa, 1977.

[ii] COMENIUS, João Amos,  Didáctica Magna, Tratado Geral de Ensinar Tuso a Todos, FCG, Lisboa s/d

[iii] Nota  “Vivam as férias/ Pró Diabo as penitências! Vamo pegar fogo à escola/ Com os Profs no meio/.  Trad. Livre.

[iv]  AUDIBERTI, Marie Louise,  Sophie de Ségur, l´inoubliable Comtesse, Ses anges, ses diables, edição Stock, dirigée par Claude Daillencourt,  Paris, 1981.

[v] http://secondlifegrid.net/ 08.12.11.