" Séculos de séculos. Darwin e a descida ao Vale."

  • Carta 4ª ao Século XXI

    ©  Lúcia Costa Melo Simas .( 2008 )

 

 

 

            

       

  Das coisas surpreendentes

[    Pormenor de cacto. Jardim Botânico. Porto. 2008 ]

© Levi Malho - Imagem digital

         


 

 

     Tal como as pontes, o vale une as montanhas mas por uma laboriosa e paciente passagem que tem a sabedoria própria de quem despreza a ligeireza de caminhar só pela superfície das coisas e da vida. Como se chegará à síntese, sem a indispensável análise profunda de todo o trabalho da penosa caminhada da vida na Vida que é também a nossa preciosa herança que vamos dar ao futuro?
    Ao usar a metáfora do “Vale” para avaliar o trabalho dos naturalistas, geólogos, biólogos e demais sábios que, com Darwin trouxeram uma nova visão do homem, das espécies e da sua evolução, não temos qualquer intenção desprestigiante para esses investigadores. Apenas focamos a atenção no labor das pesquisas acerca das origens da Terra e do nosso passado que se imaginava muito menos longo. Enquanto as origens da Terra e do universo se revelaram tão lentamente, as novas ciências tomaram um tal incremento que originam uma transformação dos conhecimentos cada vez mais célere no século XIX.

   De acordo com o tradicional Arcebispo Usher
[1], que nos serve apenas de modelo para a época, era ideia aceite que a idade da Terra, seguindo a palavra bíblica de Moisés seria de 4004. A geologia evolucionista alterou a cronologia para muitos mais milhões de anos. Com mais um passo, a nova biologia veio associar-se às descobertas desta ciência. A visão da metafísica e a científica estavam em conflito latente que, tinha de eclodir com novas descobertas. Foram pois, as diligentes pesquisas de Darwin e seus adeptos, por vezes mais darwinianos do que ele próprio que causaram uma ruptura com o passado e uma revolução que ainda não acabou.
  Tudo parece separar Darwin de Hegel. Todavia o evolucionismo que remata no idealismo absoluto entraria num beco sem saída, sem o impulso gigantesco das ciências e do novo evolucionismo.

  O naturalista francês Lamarcke, (1744-1829), lançara-se já na demanda de uma justificação científica para a origem dos seres vivos. Era o transformismo, um modo de evolução explicativa da extinção ou adaptação das espécies. Também aceitava ainda a velha teoria da geração espontânea, já antes defendida por Aristóteles e alguns outros filósofos gregos.

    No aprofundar das suas investigações, Darwin não criticou Lamarcke, antes pelo contrário, utilizou os seus ensinamentos numa síntese mais elaborada. Na senda dessas descobertas científicas, a biologia passou a ter implicações culturais e teológicas graves pois a proximidade de parentesco com os outros animais e a nossa própria animalidade causaram mais uma queda fatal do orgulho narcisista humano e a perda do pedestal tão ferozmente defendido.

   Aparentemente, as ciências também derrubariam para todo o sempre qualquer necessidade de um princípio transcendente para explicar a evolução do cosmos, da geologia e da biologia.

  Foi nesta confusa amálgama de teorias em construção que surgiu Charles Darwin e trouxe um novo paradigma que pode ter o seu nome, mas move uma multidão de cientistas numa “corrida ao ouro” da ciência impelida por um desafio sem precedentes. Estamos no meio da construção de um paradigma e não se pode dar um passo atrás.

   O avanço foi de tal ordem que alterou os laços das ciências com a sociedade, colocou os biólogos, em vez de surdos e mudos na sua imaginária torre de marfim, no meio da praça. Passaram a ser solicitados nas polémicas e discussões económicas, politicas, na mira dos governantes, nas contradições da ética, da religião e toda a prática de saúde.

   Hoje surge uma nova torre de Babel das linguagens elaboradamente científicas sob a égide da chamada “Civilização do Gene” para a qual Darwin contribuiu com os primeiros andaimes.

   O biólogo François Gros, citando Ilya Prigogine, interroga-se acerca de um espantoso futuro: 

    “Uma certa convergência reencontrada entre todas as ciências que se interessam pelas redes complexas – a inteligência artificial, a teoria da informação, os sistemas de dissipação, as sínteses caóticas… - e a própria biologia poderia abrir insuspeitas perspectivas ao fenómeno da vida…[2].  

 

 

 

   Charles Darwin nasceu na velha "Albion”, ou seja, na tradicional Inglaterra, em 1809, no seio de uma culta e rica família. Pôde estudar nas melhores instituições e teria tido uma vida bem comum, sem nada de notável para a posteridade, não fora a viagem que lhe mudou o rumo do destino e das mentalidades que se lhe seguiram.
   Aos 22 anos, depois de estudos de teologia e já finalizado o seu curso de medicina, aceitou partir, como naturalista, numa viagem científica à volta do mundo no bergantim Beagle. Tal viagem traria consequências espantosas. A exploração durou cinco anos, de 1831 a 1836, e, embora se escreva que passou pelos nossos Açores
[3], no seu diário apenas encontramos referências à passagem por Cabo Verde. Realmente ali existe uma localidade denominada Ribeira Grande, mas não é a Vila, hoje cidade, da ilha de São Miguel.
    As anotações que fez lêem-se com muita curiosidade, mas foram as observações realizadas nas ilhas Galápagos que marcam a sua revolução. O seu livro, “Diário e Pesquisas”, resultante das suas investigações, originaria mais tarde a famosa e polémica obra “Origem das Espécies” publicada em 1859.

    Causa alguma perplexidade que deixasse passar tanto tempo antes de publicar a sua célebre obra. Depois de tanto trabalho de pesquisas e interrogações, a sua hesitação em dar a lume as suas descobertas parece que tem a ver com as questões que gostaria de ter resolvido antes de dar tal passo. Talvez o receio de que outro lhe passasse à frente ajudasse a vencer o medo. A obra já estava escrita há décadas. A sua índole tímida e saúde frágil podem ter contribuído para essas hesitações. Parece que a Historia gosta de ardis e, um deles, foi a obra de Darwin ter sido editada quase ao mesmo tempo que a do jovem naturalista Alfred Russel Wallace, (1823-1913) lhe escreveu a pedir a sua opinião acerca dos seus trabalhos.

    Sobre tal episódio, Darwin conta, na sua autobiografia, ter ficado completamente surpreso e admirado de tal modo que escreveu ao seu amigo Lyell dizendo: "Ele [Wallace] não poderia ter feito melhor resumo do meu trabalho desenvolvido nestes últimos 22 anos...
[4].

   Notemos a honrosa seriedade do jovem Wallace que nunca se antecipou a Darwin por saber que este tinha pesquisas bem anteriores às suas. Uma honestidade destas destoa nos bastidores da ciência, quando esta anda sempre “de chinelos” como demonstra o belo e sincero livro de Watson, ao narrar a descoberta do ADN em “A Dupla Hélice[5], com tanta ironia e argúcia como confessada falta de escrúpulos.
  A partir de 1859, Darwin redigiu, com notável saber e originalidade, muitos assuntos não só acerca da evolução, mas também sobre as alterações causadas na selecção animal pela domesticação e até a uma obra de psicologia que revela dotes notáveis neste saber, demonstrados pela observação de seu filho,
.
    Ao invés do que acontece na sua obra-prima, em 1871, a obra  The Ascent of Man”, aborda já directamente a origem do ser humano. Dominique Lecourt lamenta que a obra tenha sido traduzida para francês de forma errónea e notamos que vertida para português foi também assim com “A descendência do homem” sendo talvez bem mais adequado um título como “A elevação ao homem” ou algo similar, pois é do passado que se trata e de como se tornou num ser humano.

    É então que uma revolução espantosa confundiu as mentalidades, destruiu paradigmas e abalou princípios milenares para erguer um outro modelo científico de que muitos ainda não dão conta e também que não terminou de se afirmar.

   “Sobre o pensamento de Darwin, poderíamos, pois, dizer que, tal como outros grandes pensadores, não conseguiu ser, até ao fim, contemporâneo da sua própria novidade
[6]. Já não se podia ajustar ao itinerário das próprias suas buscas e às vertiginosas descobertas que aceleraram o conhecimento científico.
   Ao olhar o caminho percorrido, para apreciar a sua obra, o próprio Darwin não consegue reconstruir uma autobiografia com perfeita coerência com a realidade. Deforma e reinventa factos que lhe parecem ser os mais ajustados. Gould tornou evidente que não era real só pelo facto de lá estar registado que fora a leitura da obra de Malthus que o despertara para os mecanismos da selecção natural. O próprio Darwin deixou anotações nos seus cadernos que demonstram o erro desta sua posterior interpretação. Foi Darwin quem, depois dos acontecimentos, inconscientemente atribuiu a esses factos uma forma auto congruente porque reestruturou de forma lógica as relações entre os diferentes acontecimentos
[7].
   A procura de provas e de elementos para dar corpo a uma teoria é tarefa muito árdua mas fascinante e as motivações da curiosidade pelo desconhecido são crescentes em muitos campos.

   "O especialista -  dizia o escritor e filósofo G.K. Chesterton, (1874-1936)  - é aquele que possui um conhecimento cada vez mais extenso relativo a um domínio cada vez mais restrito. O triunfo da especialização consiste em saber tudo sobre nada. Os verdadeiros problemas do nosso tempo escapam à competência dos especialistas, por via de regra, são testemunhas do nada”.

    Estas reflexões adaptam-se a essas convulsões das ciências numa era de renovação geral com polémicas de toda a espécie e pontos de vista cada vez mais dispersos.
   As opiniões entusiastas contrastam com as de desencanto acerca da obra de Darwin. Para uns era como que uma bíblia do homem, mas para outros não passava de um amontoado de dados sem bases experimentais e excessivamente dogmático.

    Na verdade, o que parece separá-lo de todos os antecessores foi o modo como apresentou a evolução, mesmo que lhe escasseasse mais informação ou a teoria não estivesse ainda totalmente provada. Os elos que faltavam não retiram a elegância e a forma simples como resolveu a questão: era a selecção natural!

   Um dos seus mais acérrimos defensores, Richard Dawkins (1941-) biólogo, evolucionista, etólogo, é tão intransigente na defesa do seu herói que passou a ser conhecido como o “ Darwin rottweiler”, escreveu mesmo: “Nunca tantos factos foram explicados com tão poucas hipóteses. A teoria darwiniana não detém apenas um poder excessivo de explicação. A sua economia ao fazê-lo tem uma elegância esbelta, uma beleza poética que ultrapassa mesmo os mitos mais obsessivos sobre as origens do mundo
[8].
    A verdade é que estava no momento certo para surgir uma teoria que faltava. Depois do seu sucesso, sendo já abonado, a venda das suas obras tornou-o rico e viveu a administrar os seus bens, sem aparecer em público. Em 1839 tinha casado com Emma Wedgwood e retira-se para o campo em 1842 por razões de saúde e de maior sossego, já com um filho de um ano. A morte dos filhos foi um das mais dramáticas circunstâncias da sua vida em que o sofrimento o pode ter afastado da ideia de Deus.

   Podemos reflectir como foi veloz, na época, a divulgação da sua obra. O cientista alemão Haecker, seu devotado admirador, como Dominique Lecourt confirma, divulgou o darwinismo e colocou-o na sua curva descendente por um mal entendido muito pesado. Ainda hoje, esse equívoco surge, por exemplo, em obras de psicologia genética, como se pode constatar, em explicações só há pouco afastadas dos estudos dos desenhos infantis e até da infantilidade das pinturas dos egípcios e outros povos antigos. O problema é muito complexo e deriva das justificações das variações das espécies que não estavam ainda devidamente investigadas.

   Haecker publicou a sua obra “Os enigmas do Universo”, em 1899, em defesa dessa tese e só na língua alemã vendeu 400 000 exemplares. Depois foi traduzido na generalidade das línguas. Assim as pesquisas podiam seguir uma pista falsa e sem resultados válidos.

    Tal como refere um seu biógrafo: “A inconsistência em trabalhos posteriores de Darwin sobre a origem das variações [da selecção natural] advieram da sua ansiedade em fornecer uma explicação para a relação entre a hereditariedade (…) e a variação, isto é, os «erros» de transmissão que ele considerava do meio ambiente
[9].   
    Nada disto obsta a que Darwin seja um dos pilares da construção de uma nova era na qual o homem entra em cena com uma perspectiva completamente revolucionada em parâmetros que levantam tantas incógnitas como problemas para o grande enigma e sentido da presença humana no seio do Cosmos. 

 

                              

 

    Muito afastado das polémicas da evolução, as pesquisas do monge agostiniano Gregor Mendel (1822-1884), nunca foi tomado em conta, devido à ideologia reinante que o ocultava aos maiores naturalistas, embora hoje seja denominado o pai da genética. A sua figura foi bastante apagada durante toda a vida, em vez de gozar o merecido prestígio pela sua genial obra sobre plantas híbridas, entre elas as famosas ervilhas e descobertas das leis da hereditariedade que lhe dariam uma notoriedade muito maior do que a que teve, sendo abade do seu mosteiro, apreciado professor e autoridade destacada no seu meio.
    As consequências extraordinárias dos seus trabalhos matemáticos só foram reconhecidas, bem mais tarde, por Vries, Morgan e outros. Segundo reza a lenda, os frades seus irmãos, não gostaram nada dele como cozinheiro e, por isso. o encarregaram da organização dos jardins do mosteiro, onde realizou as célebres experiências. Como lenda serve para mostrar as ironias das ciências e como esta verdade durante cinquenta anos não existiu, mais vale, como diz Dominique Lecourt, especialista da história das ciências, reflectir sobre os avanços e recuos do conhecimento que nunca é contínuo e sereno como a história oficial nos quer oferece. A história dos erros e das omissões científicas é bem mais instrutiva e verdadeira.

   Cremos que a contribuição do evolucionismo, em todos os quadrantes, é o cerne da mudança de paradigma e revolução de mentalidades que se desenrola e aumenta velozmente mesmo diante dos nossos olhos. Tem múltiplas vertentes que, por vezes, até se ignoravam no início, tudo rodeado por denodadas investigações, inflamadas polémicas, entusiasmo, mistificações e naturais erros.

    A polémica que o paradigma de Galileu levantou não nos parece maior do este que nos trouxe a uma nova era.

   O céu está muito longe dos homens e dos seus interesses tão terrenos. Se nessa época o modelo mudou, na verdade, isso não se sentiu no quotidiano nem na cultura. A condenação de Galileu foi possível por que o contexto em que se movia e o poder da Igreja era incontroverso.

   Já o evolucionismo causou disputas, agressões, protestos inflamados, mas também alterou radicalmente a sociedade. Abalou completamente as convicções e as crenças tradicionais, agitou muitos espíritos e velhas estruturas até aos alicerces e iniciou uma era tão revolucionária como nenhuma até então.

O fixismo criacionista das múltiplas espécies, tal como nos habituamos a observar, podia causar perplexidade mas, quer a geração espontânea, quer a intervenção directa de Deus na criação, fundamentada na palavra da Bíblia e tomada à letra, tinham “uma evidência” aparentemente bem credível.

Mesmo que já se aceitasse como simbólicos os sete dias da criação, o paraíso de Adão e Eva, o dilúvio universal, a torre de Babel, aceitava-se a evidência inelutável da superioridade humana, a diferença das espécies, a diversidade entre seres vivos e inanimados e a Natureza solidamente dividida em três reinos distintos com o homem inteligente no cimo da pirâmide. Tudo isso faz crer que todas as crenças eram questões bem mais fáceis de aceitar diante de um deus que o homem parecia tão bem poder entender. Todavia era também um pequeno deus de um cosmos reduzido a pouco mais do que o sistema solar.

    Era um deus sem a força e a grandiosidade da criação cósmica tão pouco conhecida e menos ainda explorada, sendo até secundária a cosmologia, diante da nossa falsa grandeza e domínio do planeta. Para além disso, “é evidente” a nossa superioridade e lugar no cimo da pirâmide que a Natureza patenteia e, para mais, criados à imagem e semelhança de Deus. O entendimento disto, seja de modo simplista ou profundamente inovador e complexo, remete sempre para o valor e uso da linguagem humana e nunca poderá ser mais do que isso. Ainda se podia notar o alheamento das ciências e dos seus efeitos na vida quotidiana que hoje, pelo contrário, nos entra pela porta dentro e revoluciona o próprio dia a dia. Em vez de lentas transformações, com costumes e tradições ao longo de gerações, a velocidade da mudança é inigualável em todo o passado histórico.

  Dessa época em diante, as ciências estão presentes nos debates sociais, surgem por todo o lado, são consultadas e exigida a sua intervenção em todos os campos da cultura e do saber, mesmo onde nunca apareciam ou timidamente levantavam uma objecção.

A evidência é uma construção sobre crenças que oculta uma ignorância que se ignora e uma passividade de aceitação do “status quo” do mundo tal como nos apresentam aos nossos olhos. Aprender a ver é uma longa interrogação exigida pela mente.

 Darwin foi sempre um investigador teórico que procurou, segundo ele mesmo confessava, depois de já ter escolhido pela teoria o que iria estudar. Seguindo o método de Bacon, (1561-1626) isso nem sempre pode ser válido. Se procurarmos, já com o preconceito de algo pensado teoricamente, ou seja, o que Bacon dizia ser “a experiência vaga[10]” para depois encontrarmos e passarmos à “experiência escriturada” que queremos fundamentar, há o risco de dispensar ou pôr de lado o que não se ajusta a uma teoria previamente levantada. Temos de ter sempre em linha de conta as sábias conclusões de todo o cientista ao avisar que, de cem experiências correctas, basta uma para refutar a hipótese antecipada. O método experimental, em tais termos, contava em excesso com a teoria prévia. 
A celebridade de Darwin nunca o trouxe para a vida pública. A fama resultou tanto do entusiasmo dos seus admiradores como da defesa que empregaram em o defender com novas investigações e teses. Note-se mesmo que T. H. Huxley, com palestras repetidas e entusiástica divulgação suas ideias
[11], tornou-o cada vez mais conhecido e controverso.
        Mesmo fundamentada por uma larga série de indícios materiais sobre as transformações da espécie humana, a teoria evolucionista não é uma tese comprovada por inteiro. O chamado "Elo Perdido", capaz de remontar completamente a trajectória do homem e as suas origens como primata, é uma conclusão lógica ainda com meandros obscuros como os caminhos percorridos pela espécie que se arroga o direito à consciência.  

 

 

 

 

     Parece que falta algo de humano à bela frase de Jacques Monod quando afirma: “A ciência ignora os valores: a concepção do universo por ela imposta nos dias de hoje é desprovida de qualquer ética[12]. A escolha de um paradigma científico oculta uma ideologia com os seus valores próprios e a pseudo neutralidade de uma concepção científica tem um peso histórico que não o limita apenas a teorias e leis. Indo até às últimas conclusões, até a frase de Monod se pode voltar contra ele mesmo.
    Poder-se-á falar de uma era antes e depois de Darwin porque os resultados das escavações no vale ainda não acabaram e na subida a novas alturas adivinha-se uma aventura sem medida com nada do que conhecemos.

   A vertigem das montanhas faz notar a profundidade dos abismos. As descobertas do passado tornam mais ambiciosos os projectos para o futuro.

   Não temos dúvidas que outro teria sido o destino de Darwin sem a viagem no Beagle. Era uma fase histórica em que as ideias se debatiam no ar e outro cientista teria chegado às mesmas conclusões porque a convergência de teses e de interesses assim o proporcionava. Foi porém a Darwin que coube a tarefa e teve a honra de ser sepultado, com a devida pompa e circunstância, na Abadia de Westminster, onde igualmente repousam Newton, Shakespeare, Dickens e Churchill.
  Desce-se ao vale para semear ou colher. Depois recomeça a sonho das alturas e dos voos. Nada melhor para subir uma montanha do que ser preparada por uma pesquisa no vale. Treina-se a corrida e os obstáculos na planície para subir melhor às alturas. Olhar para trás é uma escolha, e as consequências não devem ser a estaticidade mas ganhar experiência e desapego do que já se conhece para criar forças motivadoras e curiosidade para a viagem.

   É estabelecer onde estamos. Para trás, evolução tem um caminho que se perde na noite dos Tempos e para a frente o desconhecido que tanto pode ser o despertar de novas energias e saberes como o mais profundo abismo.

   Tanto de pode dizer que se está na infância ou na velhice da Humanidade. Numa crise, como se diz ser esta época, há tão fortes indícios de novidade como decadência. O deslumbramento e o mal-estar são provas disso. O problema é a semelhança de sinais. Perto do fim, ou do princípio, o que vale é caminhar.

 

 


 

NOTAS:

 

 

[1] HOWARD, Jonathan, Darwin, p 48.

[2] GROS, François, A Civilização do Gene, p. 57.

[3] Grandes Vidas, Grandes Obras, 1982, pp.329-335.

[4] HOWARD, Jonathan, Darwin, p 49

[5] WATSON, James, A Dupla Hélice, Edição Gradiva, Colecção Ciência Aberta, nº. 12, Lisboa.

[6] GROS, François, Prefácio de Dominique Lecourt, A Civilização do Gene, Edição Terramar, Questões de Ciência, LISBOA, S/D Paris, 1989. p 10-11.

[7] SARAIVA, Rodrigo de Sá Nogueira , Ecce Homo Sapiens;-  A condição humana vista por um etólogo, Ed. Psicologia Cognitiva Braga,s/d p.5

[8] DAWKINS, Richard, O Rio que saia do Eden,

[9] HOWARD, Jonathan, op.cit, p.111.

[10]COBRA,Rubem Queiroz  Cobra, Rubem Q. - Francis Bacon. Site www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 1999. ("Geocities.com/cobra_pages" é "Mirror Site" de COBRA.PAGES), 08.08.02.

[11] HOWARD, Jonathan, Darwin, pp.28-29.

[12] GROSS, François, idem, p. 38.