" O jardim das Perguntas"

  • Uma questão de "portas"

    ©  Lúcia Costa Melo Simas .( 2008 )

 

            

       

  Antes do outro lado

[  Batente duma porta. Cidade do Porto. 2006 ]

© Levi Malho - Imagem digital

         


 

  Começou tudo por causa das interrogações que fizemos: Por que é que o mar há-de ter portas? E para que serve receber a chave da porta de uma cidade? Posteriormente veio a lembrança da porta de São Pedro e a chegada lá ao cimo. Depois de passar pelas portas da morte, vem a questão de ter ou não perdido a chave da “porta estreita” que, diz a tradição, o santo pescador guarda e exibia tilintando alegremente na sua procissão da freguesia. As portas do Inferno, essas estão sempre abertas, nem chave têm. Mas já para o Céu como é que se arranja uma chave daquelas?
     Lá nos confins da memória, ecoa uma velha cantilena: “Era meia-noite quando o ladrão veio/ Bateu três pancadas à porta do meio”. Um ladrão bater à porta é um paradoxo só aparente. Quantas vezes o lobo bate à porta em vez do Capuchinho Vermelho?

   Para certas contrariedades ficamos surdos como um portal de quinta. Curiosamente, era velho costume, colocar uma vassoura atrás da porta quando uma visita se demorava muito e a impaciência era já grande. Não asseguramos a eficácia desta prática

      Estamos habituados a ver tanta gente entrar pela porta do cavalo, como a dar com o nariz na porta. Questão de sorte ou de padrinhos. Em casos delicados, as pessoas reúnem-se à porta fechada embora quase sempre se saiba o que se passa lá dentro. Fechamos a porta a sete chaves com medo dos ladrões, mas como bons cristãos devíamos ter sempre a porta aberta para todos. A fraternidade, pois mas que é isso? Nada quando temos portões de segurança e não queremos que ninguém saiba o que se passa das nossas portas para dentro.

      Dizemos que é São Pedro que tem as chaves do Reino. Mas o bom santo oferece-as a todos com a maior generosidade. Podemos ir para o Céu agora mesmo. O Sol radioso, a ciência que nos cura tantos males, o amor e dedicação a todos, a água que temos a jorros, a amizade que recebemos e nunca sabemos se merecemos, mil coisas como um frigorífico, maquinaria para tudo e mais alguma coisa (isto não tem lógica nenhuma pois, mais alguma coisa depois de tudo é capricho de linguagem) e depois de termos e vermos mil maravilhas e mais e mais, o Céu parece já não ter lá aquele atractivo que fazia as pessoas jejuarem, dar esmolinhas e rezar pelas almas benditas do Purgatório. Será que já ninguém que ir para o Céu? São Pedro deve andar perplexo. Se entrar na igreja da freguesia não se reconhece com aquelas vestes e de luvas vermelhas. Cá fora, já parecem cansados de festas. Por outro lado, Santo António perdeu a fama de casamenteiro, São João veio dançar para a rua e deixou-se de pregar no deserto contra os hipócritas e corruptos. Resta São Pedro. Em vida, Jesus escolheu-o e causou o seu espanto. “Porquê a mim?

   São Pedro ficou para sempre a fazer perguntas difíceis. Uma mania como outra qualquer, mas que o aproxima de um filósofo e nos assusta como santo.
    Lá está ele, nas portas do Céu e tem as chaves para entrar. A porta é estreita, mesmo muito estreita…. Será que nos vai perguntar coisas difíceis, como os tristes professores, ou entrega um convite, como os senhores presidentes? Às portas da morte andamos nós todos, ignorando quando chega o ladrão.   E não se lhe pode bater com a porta na cara!

       São Pedro não impede ninguém de passar pela porta para o Paraíso. Apenas podia dizer que o Amor abre todas as portas. Quanto a questões e perguntas basta uma, uma só para nos deixar ficar bem ou muito mal este exame final. É uma pergunta “de algibeira”:

       Que fizeste pelo teu irmão?