"Um Mundo e três Maçãs "

  •  Meditações sobre Filosofia das Ciências

    ©  Lúcia Costa Melo Simas .( 2007 )

 

       

Beauty is simple!

 

[ Guimarães -  Julho, 2007. Variação sobre uma janela.   ]

[©   Levi Malho. Foto digital tratada.]

 


       

  Como estamos na era virtual, também a maçã foi transplantada, como não podia deixar de ser, para esse novo mundo e tornou-se algo espantosamente importante, mesmo que já não se possa trincar e apenas ver uma que já foi trincada.

     Não vamos percorrer toda a caminhada do homem até chegar ao mundo onde nasceu o frágil  Isaac Newton. Era o dia de Natal de 1642.
No mesmo ano morria Galileu. Mas isto é ligeiramente confuso. Seria a véspera do dia de Reis, 5 de Janeiro de 1643, variando a data conforme o calendário. Nas contas da Inglaterra anglicana ou do resto do continente não reinava acordo, até mesmo neste assunto cronológico. O caso porém não é tão determinante, como o facto da criança ter sobrevivido, sendo prematura e já órfão de pai. Uma vida atormentada e cheia de honras e glórias que o ia tornar num dos homens com a mente mais prodigiosa que abalaria definitivamente a visão do mundo.

     Tinha o destino escrito nas estrelas e para elas se devia orientar. Sendo um jovem reservado e solitário, a biblioteca da casa do seu padrasto, Barnabé, de quem nunca foi amigo, deve ter sido uma graça vinda dos céus para a sua formação.

    Até ao dia em que lhe terá caído em cima da cabeça a citada maçã, quando estaria a ler mais um livro, parece que não tinha dado conta do significado do fenómeno da queda dos corpos e da gravitação universal. Agora, ia descobrir algo que mudaria para sempre a concepção do Universo e as futuras teorias sobre o Cosmo.

       Einstein não deixou de render homenagem aos dois grandes génios complementares, Galileu e Newton, que criaram uma teoria geral dos movimentos do Universo.

  Os grandes infortúnios de uns, como foi o terrível flagelo da peste de 1665, que passou com a asa implacável da morte por cima das cabeças de milhares de inocentes, não trazem só desgraças. Por causa dessa epidemia, Newton tinha saído de Cambridge, onde estudava, pois a Universidade fechou e foi continuar os estudos de matemática em paz e sossego para o campo. Não podia morrer porque as estrelas o esperavam e  todo o Universo também.

    Corria então o Verão de 1665, e tinha ele apenas 22 anos, quando retornou a Lincolnshire, terra onde se festeja alegremente Robin dos Bosques que, sabe-se lá porquê, nos recorda Guilherme Tell e  a sua lendária maçã.  Esse ano ficaria chamado o “Ano Milagroso”, tão grande foi o passo dado pelo cientista. Nesse recanto da Inglaterra ia dar-se a grande revolução silenciosa da ciência. Stukeley, seu primeiro biógrafo, narra-nos o caso nos seguintes termos:

 

     “Depois do jantar, se o tempo estava agradável, íamos para o jardim beber chá à sombra de umas macieiras, só ele [ Newton ] e eu. Entre outras coisas, ele disse-me que estava exactamente na mesma situação de quando, formalmente, a noção da gravitação surgiu na sua mente. Foi ocasionada pela queda de uma maçã, quando ele estava sentado numa posição contemplativa. «Porque motivo aquela maçã desceria sempre perpendicularmente ao chão» pensou consigo mesmo”.

 

    Não há consenso sobre tal lenda e, com sentido de humor, João Luiz Kohl Moreira escreve: “do que hoje se conhece de Newton, se por acaso uma maçã lhe caísse sobre a cabeça, provavelmente teria um ataque de fúria e é bem provável que mandasse, no mínimo, podar a macieira. Newton era vaidoso e geralmente implacável com seus adversários e inimigos”.

    Podemos ter a certeza de que teve uma intuição e deu-se um momento único na história das Ciências. Antes porém, todo o trabalho que tivera, possibilitara que se desse uma tal descoberta.

    As evidências, só o são, para quem está preparado para dar conta delas.

    Se a maçã entra assim tão depressa em cena, também sai rapidamente. Cumprira a sua tarefa de causar em Newton uma   tempestade cerebral. O rumo das suas ideias coordenava-se agora harmoniosamente. Veio-lhe também à mente o que já estudara de Euclides, das intuições de Kepler, Viète, Galileu, Descartes e outros e, de repente, apenas com 23 anos de idade, incompletos, desenvolveu a sua famosa teoria da gravitação universal, que explica as forças envolvidas nos movimentos dos planetas, ampliando e corrigindo algumas das ideias, antes intuídas por Kepler acerca da matéria estar sujeita à lei da gravidade. 

   Fala-se da Bíblia como o nosso primeiro livro, a obra de Newton será a nossa segunda bíblia, escrita dentro de uma nova Luz, um outro “Fiat” que corresponde à época do Iluminismo, tal como foi vivida   na Inglaterra. É deste modo que o poeta Alexandre Pope fala de Newton ao escrever: “ A Natureza e as suas Leis estavam escondidas na noite. Deus disse: -Faça-se Newton! E fez-se Luz”.

 

     Não seria, seguindo Descartes, mas antes Galileu que o seu pensamento se orientou. É óbvio que tem uma dívida para o cartesianismo, até porque será sua a última palavra quanto ao sistema que o filósofo desejara criar. O cálculo infinitesimal possibilitou a unidade do céu e da terra.

      Não faltaram discussões e contendas na vida de Newton. Já não estamos no plano dos deuses, mas dos humanos. Pelo que nos foi dado perceber, pelo pouco que lemos das suas biografias, com a sua personalidade complexa e tempestuosa, ele tinha consciência das suas capacidades e devotou-se a ampliar o grau de profundidade que podia atingir o seu conhecimento em múltiplos campos.

      Ainda como aluno do Trinity College e só com 21 anos, começa os seus estudos sobre a luz. Foi o arco-íris e a descoberta de um prisma numa visita a uma feira que causaram essa curiosidade que motivou a construção do seu novo telescópio de reflexão, que era muito superior aos de refracção criados por Galileu e usados posteriormente pelos astrónomos.

     A  Royal Society foi palco de muitas polémicas e antagonismos, por causa desta descoberta. Aí, encontrou Newton um outro grande cientista, Robert Hooke, seu forte adversário, e ambos não deixavam as suas competências por mãos alheias. Se dermos alguma razão a ambos, talvez se fique perto da verdade, mas não agradaremos nem a gregos nem a troianos. E não nos ficaria mal chamar à liça o bom Cardeal Nicolau de Cusa, com a luz da sua intuição para sonhar uma linguagem universal capaz de converter todos os infiéis. Nem ficaria de fora, o friorento e desconfiado Descartes, com similar sonho para completar a galeria da descoberta de uma teoria e uma linguagem que só a matemática realizaria.

   Devemos porém a Newton os cuidados e a minuciosidade que tornaram possível a nova ciência moderna.

   É claro que já se sabia, na época de Newton, da existência da força da gravidade, como “gravitas” mas ele foi o cientista que a intuiu com todas as suas implicações: pois é ela que nos “segura” no nosso chão enquanto a Terra se move no espaço. É uma força que se exerce sobre tudo o que está sobre o planeta, desde a queda das maçãs, às catedrais e pessoas que, se assim não fosse flutuariam como os astronautas no espaço.

   Sem nada que fizesse ligar a Lua à Terra e esta ao Sol e todos os planetas, como é que tudo seguiria o seu rumo? Porque não se
precipitavam os astros todos uns contra os outros? Que força unia no espaço esses corpos e tudo seguia uma ordem, uma força invisível, que seria, nem mais nem menos, a força gravitacional descoberta e a que todos os corpos estão sujeitos. Da queda das maçãs às orbitas dos planetas havia uma força misteriosa. Mas Newton tinha de trabalhar mais. Só em termos matemáticos poderia criar uma teoria que organizasse as forças, as pudesse descrever e decifrar as mais ocultas leis da Natureza.

    O espírito irrequieto e curioso de Newton fê-lo interessar-se por Física, Química e Matemática e até por Alquimia na sua busca constante por melhores conhecimentos e aplicação de métodos rigorosos.

   A doença e morte da mãe, em 1679, foram provas que o levaram a interromper, por algum tempo, as investigações.

 

       Entretanto, longe da Inglaterra e de Newton, Leibniz (1646-1716) tinha nascido em Leipzig, e ia ter um destino que se cruzaria com o cientista inglês de modo infeliz e nada abonatório para ambos. De acordo com Bertrand Russell, Leibniz teria “um dos intelectos supremos de todos os tempos, mas como criatura humana não foi admirável”.. É difícil de entender a sua sabedoria. Escondia, sob uma filosofia que se diria popular, aquela que publicou em vida, um outro pensamento oculto, profundo e lógico, com influências de Espinosa que se descobriu, não há muito tempo atrás. Ao primeiro modo de pensar, pertencia a tese de que “este é o melhor dos mundos possíveis”, o optimismo e a metafísica com que busca agradar ao seu público. Esteve em Paris e na Itália, mas foi a sua ligação à Casa de Hanover, quando Jorge II se tornou rei da Inglaterra, o que mais o prejudicou no fim da vida.

   Na sua já longa existência, quase aos 80 anos, teve uma certa contenda que os ingleses nunca lhe perdoariam. Tinha publicado um trabalho importantíssimo para a ciência, – acerca do cálculo infinitesimal – dando a possibilidade da segurança de uma linguagem matemática capaz de converter e tornar inteligíveis muitos dadas geométricos em linguagem de matemática, que estavam, até então, com linguagens diferentes. Foi em 1684 que o trabalho apareceu, mas já o devia ter inventado em l675-76, quando estava em Paris. Suspeita-se com alguma razão que   sabia que Newton também escrevera sobre  o assunto, mas este só iria apresentar o seu trabalho em 1687 a instâncias de um amigo.Queria a perfeição e por isso era preciso insistir com ele para publicar uma obra sua,  Já fora armado Cavaleiro pela rainha Ana, uma honra nunca antes concedida a um cientista! Iniciou-se então uma das mais célebres disputas científicas e de tal ordem que deixou em escombros as virtudes, a reputação e serenidades adequadas aos dois sábios.

    Uma teoria que se descobre, ou uma rara ideia nova que surge, são como que um filho que se adora e acarinha com o rótulo claro da filiação. Pôr em causa um tão grave facto até faz perder o equilíbrio “no melhor dos mundos possíveis”, quanto mais ambos, Newton, membro da Royal Society e Leibniz na Corte de Hanover, cada um a seu modo, amavam a fama, a celebridade e os louvores. Mas Leibniz, tal como referem os factos, teve de se conformar, bem contrariado em ceder os louros ao inimigo, mas o certo é que ambos foram grandes visionários e ambos chegaram, quase ao mesmo tempo, aos mesmos resultados. As ideias circulavam no ar, num tal estado de agitação, que não admira, como, dois espíritos distintos fizessem a mesma descoberta ao mesmo tempo.

  O carácter de Leibniz era o de um cortesão com todos os defeitos inerentes aos cargos que desempenhava, algo mesquinho, calculista e bom diplomata mas era também um génio como raros o são, um homem que dominava o saber da sua época como jamais voltou a acontecer.

    Ora, a Casa de Hanover, quando o rei Jorge passou a governar a Inglaterra, não o podia levar para esse país pois aí ele ficara para sempre mal visto por causa do longo duelo epistolar com duras e excessivas críticas travado com Newton. O povo amava o seu Newton, como seu ídolo e odiaria a presença desse filósofo que o afrontara.

     Por seu lado, o inglês bem o sabia e não hesitou em tirar todo o partido dessa sua celebridade.

     A luta podia ser ainda bem pior se fosse com maçãs, as armas seriam mais visíveis e contundentes e os efeitos não menos pesados.
Leibniz acabou por morrer pobre, abandonado, sem as riquezas, a fama e a celebridade que cobriram para sempre o seu adversário que não era possível vencer. Newton era duro, irritante e impetuoso, o que nada tem a ver com a sua faceta tão notável e genial que o tornava o maior cientista de todos os tempos. Ninguém lhe podia fazer frente.

     Um dos mais geniais lógicos e matemáticos de todos os tempos! A sorte sempre sorria a Newton, mas, nesta querela, não dependeu apenas da sorte, bem mais de apoios “encapotados e defesas encomendadas”, tal como já sucedera com outros opositores. Newton, seja isso defeito ou não seja, não admitia ser contrariado. Uma hipótese para explicar isto pode ser a má vontade que tinha contra o padrasto em pequeno ou ter levada com a maçã na cabeça e nunca mais ser capaz de sentir que esta estava segura.

     Diz-se ainda que Newton era uma pessoa reservada e um incansável estudioso e trabalhador. Tomava as refeições de pé ou chegava a esquecer-se de comer um dia inteiro, entregue ao seu labor de investigador, por causa do seu meticuloso trabalho que nunca largava. Soube também cativar e rodear-se de aliados, se não de amigos, de boa posição social. Devia ter, apesar de o acusarem de irascível e agreste, uma faceta amável e conciliadora para se ter cercado de aliados, como conseguiu. Parece que foram também esses defensores que o ajudar am quando passou por uma grave crise nos anos de 1693 a 1696, com falta de saúde, esgotamento ou depressão, crise essa, que nunca se explicou muito bem. Ele mesmo é que classificou esta época como “os anos negros” da sua vida”.

    Já tinha publicado a sua “obra-prima” ou seja, a sua “bíblia” que vigorou muito tempo “Princípios da Filosofia Natural da Matemática”. Hoje, o título torna-se ambíguo aos nossos olhos. O cientista encontra um título que o seduz logo por tratar da matemática, mas ao filósofo, a obra manifesta-se com a sua ligação à mãe de todos os saberes, a filosofia.
    Esta era o termo adequado para falar da Natureza e da Matemática. “Os Princípios”, como a obra passou a ser chamada, eram lidos nas escolas, primeiro com espanto e depois com crescente admiração e respeito.

     Será bom não esquecer, que o próprio Newton sempre reconheceu a importância do trabalho de seus antecessores, dizendo que se pôde ver mais longe é porque se havia “apoiado nos ombros de gigantes".

   O mesmo dirá bem mais tarde, o médico e humanista Alexis Carrel ao escrever uma obra famosa de que já pouca gente se lembrará “O Homem, esse Desconhecido”.

    Fundamentalmente, a transformação que se realizava na concepção mental de Newton seria no aprofundamento da matemática e depois na óptica, na física e na astronomia que terá também expansão na teologia, filosofia, alquimia e até cronoloxia, estudos onde Newton não teve êxitos.  

    Todos nós traçamos planos de vida que se alterem com o que chamamos, talvez bem impropriamente, acaso ou necessidade. Não defendemos o fado, nem o acaso, nem a necessidade. Há  mistérios que nos ultrapassam e por causa disso, não especulamos neste caso as causas.. Era melhor trincar uma maçã dessas, do que as que comemos, normalizadas e vindas sabe-se lá de onde e de que fim do mundo, agora são as únicas que temos.

     Não estamos com fome ao escrever isto, mas a falar de maçãs que terão existido no Jardim do Éden, na quinta da Inglaterra onde estava o jovem Isaac e as nossas vulgares maçãs que comemos, vemos e usamos nas técnicas informáticas, damo-nos conta como o mundo mudou!

    Antes de ir mais além, será bom não esquecer essa terceira maçã.

    Se a primeira nos lançou fora do Paraíso, a segunda fez entender porque temos os pés pregados à Terra. A terceira traz o sinal das outras consigo, Símbolo tecnológico  ligado à comunicação e à globalização pode ser um sinal do Inferno, e este pode ser um Paraíso, para o qual estamos muito mal preparados. Desta vez, temos mais um desafio com as implicações do bom uso da liberdade, da ciência, e da boa consciência.

    Se a maçã, símbolo da ciência, nos desse sabedoria, era pela sua mão que voltávamos ao Paraíso. Isso já está a acontecer.

   A nova maçã, impossível de comer, representa o símbolo tecnológico de uma revolução que começa. A “Apple of Newton”, ou o simbolozinho da maçã trincada, inventado por alguém com um alto sentido de humor, existe na tecnologia mais avançada a afirmar a
tendência humana para as maçãs e as revoluções. Serve para levantar as maiores interrogações quanto ao próximo ciclo.

   Podemos assegurar que Newton está na charneira entre a revolução de Adão com a sua queda e a nossa revolucionária era que olhamos e usamos, sem nos darmos sempre conta da grande mudança global que vivemos ou, pelo menos, presenciamos.

    Todas as vezes que lemos o belo poema de Álvaro de Campos: “O binómio de Newton é tão belo como a Vénus de Milo, o que há é pouca gente a dar por isso. Ó ó ó ó ó ó…” parece que a ironia portuguesa se esconde, na falta do hipotético gosto lusitano pela matemática e a sua tendência para a poesia. Sem o «ó ó ó ó, sem a maçã e sem Leibniz, faltaria a confluência harmónica e a transcendência que Milo ou Newton  desejaram. Não teria aquele sentido de humor português, a idealização de Milo e o sentido de rigor do método científico que toda a vida Newton cumpriu. Estes elementos juntos podem ser um “barril de pólvora”. Toda a tese e a antítese precisam de uma síntese para “ser mais” e cumprir o trajecto da estrada deserta do infinito, onde Hegel caminha, mas não tão sozinho como desejaria.  Com Hegel, inevitavelmente, vai a maçã. Quando o filósofo escreveu “A flor, se fosse só flor, ficaria eternamente flor, a flor nega-se ao transformar-se em fruto”. Era essa negação que ele devia estar a comer - uma maçã -  pois assimilava a Ideia em si, para si, na verdade da dialéctica, ele comia a verdade que era a flor e demonstrava o devir da realidade.

      Mesmo na aparente descontinuidade, há um fio condutor, não diremos de um labirinto, mas possivelmente de uma teia de estrelas. Todos os astros e seres espalhados no espaço estão lá, “seguros”, sobre a nossa cabeça a cumprir a sua rota, por causa de uma maçã que indica estranhos caminhos, e que só a algum é dada a trincar..

  

     Está por escrever a história dos erros da História e nessa se incluirá a história esquecida da maçã.

The Big Apple”, a que se chama a cidade de Nova Iorque, é como que um grande brinquedo para a

dultos, ao ponto de ser chamada a segunda Disneylândia e está quase ao alcance virtual da nossa mão mas não o génio espantoso de Newton.  

      O mundo inteiro será igualmente como um brinquedo inteligente que, desperto por uma maçã, brinca nos céus com números e estrelas, com bombas e moedas. É tudo isto como um longo jogo em que relógios e dados, tabuleiros de xadrez e chávenas de chá não acertam com a fórmula para o fabrico de uma só maçã que eternamente mate todas as fomes, especialmente a do saber e do afecto.

   A prova mais certa de jogo existe  e temos de a revelar. Devia ser segredo, mas não é. Vem por vias travessas, longos e obscuros
caminhos que dizem ser segredo cobiçado, oculto e agora desvendado. O livro ou o filme”O Segredo” traduzem a necessidade de ser famoso, feliz, rico, saudável em termos que toda a gente entenda, sem apelar para valores, transcendência, vida solidária ou dedicada aos outros. Cada qual centra-se em si e irradia energia que o Universo lhe oferece.  Platão, Galileu, Newton, Freud, Emerson, Einstein e todos os grandes da História guardavam zelosamente esse segredo. Faria de qualquer ser humano o que ele bem entendesse querer. Emerson teria dito que “O segredo é a resposta para tudo o que é, foi ou virá a existir”.As imagens do filme e as frases do livro são ardilosas e subtis de modo a ser problemático escapar às insinuações, provas, frases pseudo-científicas e cientificas, místicas e materialistas aplicadas habilmente. E fica a pergunta, valerá a pena querer escapar? A divulgação do segredo é bem um produto da “New Age” com outra árvore do Bem e do Mal. Até tem a maçã.  Mas está oculta, como é óbvio num segredo.

         Estamos numa época de inventar teorias da conspiração ou de descobrir segredos que quanto mais chocante mais se vende. Se não são tão científicos como deveriam ser, também dão na mesma boas fortunas e são disputados, desejados cobiçados, testemunhados. A obra “The Secret” transforma-se numa divulgação do que todos sabemos mas a que a sua autora, Rhonda Byron, dá vida própria e vai cativando gente por esse mundo fora.. É já um segredo incontornável e  que se vende muito bem. Newton, se fosse entrevistado, não se sabe como reagiria acerca deste livro. Mas, recordando que foi Administrador da Casa da Moeda da Inglaterra, que gostava também de ser famoso e rico, devia estimar e aplaudir o pragmatismo, misticismo e lucros que tal produzem. Também a sua faceta de alquimista e a curiosidade pelo desconhecido o levariam a apreciar tal arte.

     Milhares e milhares de pessoas voltaram a reflectir sobre a lei da atracção do Universo por causa deste livro. Usando-o para seu uso pessoal, numa pseudo cientificidade que no seu pragmatismo se torna verdadeira. “O útil é o verdadeiro”, está provado e aprovado. Agora,em vez de Arquimedes pedinchar: "Dêem-me um ponto de apoio e, com a minha alavanca, eu erguerei o mundo" diria, depois de ler o livro:
     --- Eu sou o ponto seguro! Dêem-me o mundo e eu erguê-lo-ei..

    Se a lei da atracção universal existe, nós estamos mergulhados nela, logo atraímo-nos mutuamente. A descoberta está em como usar, a  nosso favor, tal atracção. As leis da Natureza são “perfeitas”, logo nós podemos usar essa perfeição que existe em nós e em nosso proveito. Afinal, é uma lei universal, não é? Num idealismo que nos atira para Berkley, “o mundo é o que eu penso”, por isso posso viver, concluímos nós, no mundo que escolhermos. Numa multiplicidade de universos descobertos, aqui vamos ao que de mais recente a ciência oferece, podemos escolher um mundo feito só para nós e os outros anuirão, batendo palmas. O que somos - “começa agora”. É uma sopa primordial muito saborosa, preparada por “cozinheiros” dos melhores do mundo na arte de fazer livros, filmes e programas e vende-los com óptimos benefícios.

     De toda esta “receita” para todos os males e toda a felicidade, com dificuldade, mas bom empenho, tira-se uma excelente lição. Ali também se fala da gratidão. Em começar o dia com a recordação de tudo a que devemos estar gratos. Aprender a pensar mais na gratidão que devemos… A quem? Quanto a isso, cada qual é livre de escolher. Mas na nossa lista colocavamos uma certa maçã. Ela merece.

   No meio de todos os processos astuciosos das palavras e das imagens, as palavras do Divino Rabi: “Se vós, que sois maus, sabeis dar boas coisas aos vossos filhos, quanto mais o Pai do Céu dará o Espírito Santo àqueles que Lho pedem” deviam ser lidas com mais cuidado.

   A terceira maçã, está mais oculta do que nunca, mas procurando bem; só ela tem a força da revolução de hoje e da atracção de sempre.
Use a sua mente! Trinque a maçã e entre no admirável mundo novo do “faz de conta” do “fast think”, do "fast happy". Felizes para sempre no regresso ao Paraíso. Basta saber pôr do novo a maçã na macieira e esperar!

      No fundo, o que menos importa são as maçãs, mas estão lá as três, isso estão e fazem parte da história da humanidade. A primeira é a tentação, o proibido, ou a curiosidade. Pode ser ainda muito mais: Símbolo da ciência? Da aparição da consciência? Do Bem e do Mal?Da liberdade?
      De qualquer forma, não foi um começo brilhante. A vida do homem na Terra teria principiado por causa de uma maçã. Engasgou-se ao comê-la e ficou para sempre o sinal, a marca da maçã no Adão e em todos os seus descendentes. Mesmo que a culpa se diga ser de Eva,o certo é que se escreveu que, no Jardim do Paraíso, Éden ou Campos Elísios, estava lá uma árvore e alguém colheu uma maçã.
      Por muito que se lute pela neutralidade da ciência, esta nunca é neutra. Porque não se fala da neutralidade em teologia, em estética, em literatura ou até em história para não ir mais longe? Estas suposições são, por si sós, suficientemente estranhas para não se aceitar neutralidade. Ao se referirem a seres humanos, com a inerência do observador e logo vem à baila o contexto e a ideologia. Até nas ciências mais exactas, já se põe o problema dos limites que a subjectividade causa.
  Existe uma história da ciência que se diria exterior ou oficial, e outra história interna, de que pouco se fala, e em que se podem ver os “cientistas de pantufas”, como já alguém escreveu.

   Provavelmente, é muito ingenuidade discutir se existiam macieiras no Paraíso, se eram laranjeiras, pereiras ou outras árvores quaisquer, mas há quem estude isso mesmo, levando muito a sério tais investigações. Mas, para o assunto em causa, tem de ser mesmo uma maçã pois uma abóbora não cresce nas árvores, seria lesiva e menos atraente como uma bela maçã, mesmo há milhões de anos e sem nenhum insecticida.

   Também pouco importará saber se Galileu viu ou não viu o lustre a mover-se na Catedral da sua cidade. Aceita-se igualmente que caiu uma maçã na cabeça do jovem Newton e isso deu origem a uma fantástica descoberta. Deve haver uma relação entre tudo isto, ou Arquimedes, tal como conta a lenda, não gritasse antes deles: “Eureka, Eureka”, - que em grego,  significa “Achei, achei” .

  Ao mergulhar na banheira, Arquimedes verificou o impulso da água no corpo e teve a intuitiva solução de um problema sobre a hidrostática ou a densidade dos corpos. Assim, saiu a correr pelas ruas radiante por encontrado a solução de um problema de matemática que o rei de Siracusa lhe tinha proposto acerca do roubo no peso do ouro de uma sua coroa. Não era a só a vontade de desmascarar o ourives ladrão, mas a curiosidade de saber qual a densidade dos corpos e se a coroa do rei Hierão era mesma de ouro ou misturado com prata.

    Arquimedes foi um dos maiores génios de todos os tempos e, mais de dois mil anos antes dos famosos Leibniz e Newton, descobriu uma espécie de cálculo integral.

    Isso muito contrariaria os dois sábios dos tempos modernos tão ciosos das suas descobertas, se o levassem a sério.

   Com a segunda maçã, Isaac Newton entra num mundo completamente novo da ciência e espreitou o Universo como nunca ninguém antes o conseguira.

   Diante do túmulo do genial cientista, na Abadia de Westminster, podemos reflectir como foi espantosa a revolução que realizou. Cremos que está lá gravado algo semelhante a isto: "Alegrem-se os mortais por ter existido tamanho ornamento da geração humana".

    Não há nenhuma referência à maçã. Se admiramos o célebre pensador, cientista e criador não sabemos se nos havemos de alegrar com a ciência que dá e tira tanto das vidas de cada um. Mas uma maçã é sempre algo bom, venha ela do Chile, de Espanha, da China já que do quintal mais próximo é raro chegar!

   Depois de sair do Paraíso, vivemos atormentados por infindáveis males e o sabor de algumas maçãs continua a ser muito aceitável. A ideia de que a ciência em geral e o conhecimento em particular trazem felicidade ou bem-estar aos seres ditos humanos remete para problemas filosóficos a que nem Adão, nem Galileu, nem Newton são alheios nem sequer a simbólica maçã dos nossos dias.

    As implicações filosóficas da maçã são terríficas!