"  Roubaram o  Menino Jesus "

 

    ©  Lúcia Costa Melo Simas .( 2006 )

 

       

 

Natividade

[   Detalhe do "fresco" de Giotto.]

[ © The Nativity and Adoration of the Shepherds. Detail. 1304-1306. Fresco. Capella degli Scrovegni, Padua, Italy.]

 


 

 

    Sim, roubaram, e pouco foi o espanto ou reboliço. Mas o lugar ficou vazio. Ficava um ponto de interrogação. Há quanto tempo roubaram já o Natal ao Menino? Agora, nada mais natural que roubem finalmente o Menino ao natal. É lógico. Politicamente correcto. Fica a festa. Anónima e sem sinal!
        Para uns, sem neve e sem frio, não é Natal. Para outros sem férias na praia não serve. Outros ainda convidam meio mundo para uma festa e fecham-se muito bem por dentro, não venha alguém estorvar a festa tão dispendiosa. Há ainda quem mande postais. Ou Mensagens. Mas já não têm os dizeres de outrora. Nada de Santo Natal, Paz, Amor e Alegria, mas sim Boas Férias, ou pior, só Férias!,  ou então o vermelho vivo do pai natal, uma paisagem sem sal ou uma piada de mau gosto.
       É verdade que não se sabe ao certo o dia e a hora do nascimento do Menino, mas escolheu-se um, um só, quando nós temos tantos! Aparecem presépios minimalistas e as árvores são gigantescas nas praças e por todo o lado. É um enfeite sem significado, o efémero de ver luzes a piscar e uns arremedos de músicas convencionais de Natal a repetirem-se sem fim à vista.
       Não faltam pais natais por aí, a assaltar varandas das casas, pendurados como ladrões como alguém disse com graça. Deve ser porque estamos mais habituados a que nos roubem do que a que nos ofereçam prendas!
     O natal é a azáfama das lojas, das casas, a entrega de lembranças, as decorações, a festa, a luz, a cantiga, tudo tem o natal, mas não é Natal. É uma maravilha, um espectáculo, circo, baile, lauto jantar, um deslumbramento, mas não tem Menino. Por isso, assim pequenino, desaparecido, não há Natal. As pessoas dizem com ar desconsolado e saudoso: - O Natal nem lembra agora!
   Afinal como é que pode lembrar se somos nós que o esquecemos de o viver?
 Há muito que o vão roubando, minguando cada vez mais pequenino. Talvez esteja debaixo da majestosa árvore, ou ao pé de um pai natal, ou por trás das grinaldas de luzes que lembram alegres defuntos em festejos inopinados.
      Este Natal assim não é de Jesus. Não há nascimento do Messias, não há anúncio de Boa Nova, do Reino Novo.
     Se Cristo viesse à Terra e visse o brilho das luzes, a festa que de longe ainda podia parecer sua, começaria a interrogar-se:

    --- Então esta é a minha festa? Estes alegres folgazões são os meus discípulos? A minha mensagem transformou-se nisto? Esta é a felicidade que reina com tamanho brilho?


    Mas logo os seus olhos descobririam nas trevas tanta dor e solidão, descobriria o nosso egoísmo de não partilhar com quem está longe, quem sofre e se esquece. Descobriria que a hora da alegria é seguida de enorme vazio, loucura, povos alienados, corruptos, indiferentes, que nada querem ouvir e muito menos ver…
As luzes apenas fazem mostrar melhor a escuridão das Trevas que caem sobre a Terra.
Quase que dá para acreditar em milagres! O menino Jesus, que desapareceu do presépio, foi roubado por Cristo que o levou e escondeu para esperar pelo dia em que em verdade há-de nascer em plenitude no coração da humanidade quando o Amor reinar entre o leão e o cordeiro, entre o lobo e o menino e a verdade for aclamada como irmã do afecto mais límpido e puro que se há-de inventar!
    Jesus de Nazaré foi só promessa, escreveu o grande filósofo Hegel e o sonho ainda está por cumprir. O Espírito sopra, passa pelos povos como quer e leva na sua marcha a História da Humanidade inteira.
  Escreve Bill Bryson (2005) físico, cosmólogo e filósofo: «Estamos, na verdade, no início de tudo. O difícil, agora, é termos o cuidado de nunca chegar ao fim. E isso, quase de certeza, vai exigir de nós mais do que simples sorte».
   A verdade é que, em termo de tempo, ocupamos um lugar fulgurante como um nascimento numa “milagrosamente” curta época do planeta que a matemática demonstra ser incrivelmente rápido. O milagre da aparição do Espírito dá-se diante de nós, à nossa volta, numa velocidade assombrosa. Basta o homem querer e o verdadeiro Natal só agora vai começar!