" Poema da batata frita"

 

    ©  Lúcia Costa Melo Simas

 

 

       

 

Das dificuldades da Beleza

[  "  Cacto endurecido", Porto,2003.]

[ © Levi Malho, foto digital . ]

 


 

POEMA DA BATATA FRITA

 

 

Gostaria de ser

como as pessoas razoáveis

que são como eu, banais

e diferentes, mas todas iguais.

Só não têm aquelas dores de cabeça

Metafísicas,

para as quais não há remédios de botica.

Pessoas que não andam a pensar no Ser

e no Não-ser, assim como eu,

mas em batatinhas fritas

também gosto de batata frita

como todo o bom e fiel burguês.

Mas tomo o pequeno-almoço a pensar

na morte

o que não passa de um grande disparate!

Depois é isto

Ser tão banal por fora

E tão estranha por dentro

Que até invejo não ter aquela batata frita

Em vez desta alma angustiada e aflita

Gostaria de sentir embriaguês

Por um vestido novo ou um casaco

Por um jantar de festa,

no caso de receber convite

quando o presidente da república

se dá ao luxo e gana de convidar

o povo ou o intelectual da lista

e a gente vira e revira o pedaço de papel

a pensar no pedaço de asno

que seria se aceitasse…

Mas como pouco janto e não sou razoável

Nem para casacos nem para presidentes

Cerro melhor os dentes ao frio

Ou a coisa nenhuma.

E não me digam que isto é despeito

depois do convite não aceite,

que eu confesso e grito o meu defeito

   -pecado meu, feio e triste! –

Por favor, não me tentem, isso não!...

Com um saco bem cheio

                              de batatinha frita!