"  Sombras do Equinócio " 

  • Mudança de Estação.

 

    ©  Lúcia Costa Melo Simas ( 2015 )

 

 

 

    

"  Partida das Aves "

" Migração Outonal sobre o Rio Douro a caminho do Mar. Ribeira. Porto. 2012)

  © Levi Malho.

 

 


 

Na rádio é um toque mágico. Na vida é uma tragédia e, para alguns incautos, com sorte, só comédia.
    Vamos lá, cambada,
diz o bom e louro Herman José Bá lá cambada, infantes, desportistas, ... Bamos dar-lhes uma abada e ensinar-lhes o qu'é bom; que isto é mesmo assim.

    Acabou. Findou. O verão fechou o portal sem mais delongas. A escola está ali pronta para engolir e mudar todo o ritmo da semana. Engole toda a gente submissa. Os pais depositam fielmente as crianças, depois aprendem a ir por seu pé,  bem calçadas, vestidas e algumas magras e outras obesos. Não interessa, nada interessa. O único interesse é estar lá dentro.

 

 

 

Figura  1 - Eu sou o mundo e já fio escola. Aqui cabe sempre cabe mais um.

" Deixai de foro a toda a esperança, ó vós que entrais”!

 

 

 

 

A Escola engole e comanda todos. Até o trânsito, as notícias, os Supermercados, os analfabetos, os iletrados, com literacia e sem ela. Depois a roda gira. As criancinhas, já bem adestradas, em seguida escravizadas, com mil apetrechos, até gostam da malta que por lá anda. O que mais gostam por vezes, é do convívio e dos intervalos. Formam grupos, fecham grupos. Os pais também. Depois os avós têm mais tempo livre ou menos netos em visitas. Mais solidão, mais lares, por causa da Escola não há tempo para idosos.

 

 

Figura  2 -  Quem entra numa Escola tem de aprender a sair, é o mais importante

 

 

    Os professores, com os relógios atrasados, a pensar nos planos que não executam e no peso das aulas, nem vêm que os alunos aguardam ordens, carinhos, amizades e um pouco de método no que já sabem. Porque já sabem muito. Um pouco de organização e uma mente fica cheia de informações. Só precisa de conhecimentos. O comércio continua com o horário errado, igual ao da função pública e quase totalidade de empregos. Por isso, de manhã e de tarde, as lindas casas dos quarteirões burgueses são puramente caninas. Só eles, uns fedelhos, mal encarados que qualquer ladrão por mais frágil que seja, faz desaparecer com um pontapé bem dado. Os horários, os T.P.C, as aulas suplementares, os suplementos das aulas,  toda a sociedade, levanta-se e deita-se ao som da campainha invisível da Escola mas que todos ouvem na consciência que também  gira de novo no ano que começa, nunca em Janeiro mas em Setembro, quando a saudade das antigas castanhas baratas, quentes e boas quer aquecer os corações frios.  As notícias são raras fora da Escola. Um aluno bateu num professor  já não é notícia.
    Notícia razoável para o jornal e que dura duas horas
Um cão conseguiu apanhar um ladrão que assaltava a casa de um ex deputado que foi de férias.

    Quando chego ao ponto de encontrar em papelão e quase vivo, o figurão do Nicolau Breyner, “o senhor feliz” num corredor, quase acredito que o vou cumprimentar delicadamente e espanto-me. Onde está o senhor Contente? Como os mortos continuam a governar os vivos que já estão mortos que só falta riscar-lhes o nome dos registos. Ouvi dizer: Dentro de cem anos também estaremos lá. Esse lá que ninguém discute. “Lá” não é nota musical nem tem espaço nem tempo. É a Ideia hegeliana, o espírito que move o mundo através das escolas? Afinal. Este “lá”  engloba muito tempo na Escola. Vim de lá. Vou para lá. Quem me dera estar “lá”  Quem “lá” está não volta. Há que florir a Escola como os cemitérios. Tudo depende do tempo que se passa “lá”. Se a Escola tivesse mais verde, mais flores talvez houvesse mais risos, mais cultura porque a cultura vem da agricultura. Caso para pensar. Mas não para criar comissões de estudo. Isso é matar antes de nascer uma só flor.

 

 

Figura   3 - São tão lindas as criancinhas, fazem nos ninhos com mil cuidados para os filhinhos que vão nascer...

 

 

    Repare-se no carinho que se dá a uma pequena flor. Talvez germinasse maior afeição a todos os que andam na Escola. O grave problema é uma pessoa estar morta e julgar que está viva e vise versa.
    Diógenes, o cínico, procurava de dia e, com uma lamparina acesa, um verdadeiro homem. Tanto que mudou, no tempo do Diógenes, esse pobre dos pobres, cínico pois era aquele que dizia a verdade e merecia parentesco com o cristianismo. Agora, o verão nos Açores ou o outono, é cínico pós moderno. Mente e diz a verdade. Cinismo do mar e do sol. Se o espanto é o primeiro estádio do filósofo e é o último, estou bem situada.

    Como eu mudei! Não sei se os outros mudam, mas li em qualquer parte que um Cardoso, presidente do grande Brasil,
José Luís Sá e, até em lenda, Mário Soares, que foi tudo até ancião, sem falar de muitos outros  escreveram, cada um com suas razões que:
     "Só quem é burro não muda de opinião diante de fatos novos
". Se não é o pleonasmo que parece, o sol regressa todas as manhãs mas não sobre as mesmas cabeças .

É outono, enquanto o sol berra que é verão e mente na estação errada das ilhas. Acabou-se a silly season! Recolhem a casa como ratos às tocas ao som inaudível mas fortíssimo da velha instituição que coloca tudo na ordem. A Escola chamou. Acrescento que gosto do conceito escola e de rato sem colocar um mais importantes do que o outro. Gosto de ratos e a humanidade deve-lhes muito, pelo negativo e pelo positivo que não vou explanar. Os noctívagos deste ano dão sinais de cansaço mas, para o ano, estão de volta. Se não forem estes, pouco importa ao espetáculo do mundo. São sempre os mesmos papéis e o cenário dá para bocejar.

 

 

 

Figura  4 - Ser Anjo de penas é dura pena para adolescente a espalhar pétalas de rosas tristes desfolhadas

 

 

    Em tons de saudosismo e melancolia reimagina-se o que nunca aconteceu. As recordações são tão paradoxais. Já fui um anjo. Sim, fui à força, por paradoxal que pareça e se possa ser um anjo à força sem parecer nome de filme. A minha amiga Débora e eu, quem se recorda da Débora?, fomos vestidas de anjos pela grande procissão do Senhor da Pedra. Quanta pancadaria levou a pobre Débora para ir de anjo! Eu rebelei-me e desesperei por dentro. Fomos dois anjos rebeldes, lado a lado, a espalhar pétalas de rosas no caminho, e cada um tornou-se a seu modo e seu destino, anjos de penas. As asas cansam muito.

 Até Garrett o sabia e também se cansou:
     “
Eu tinha uma asas brancas, asas que um anjo me deu, em me cansado da terra,
Batia-as, voava ao céu.,(…) Pena a pena me caíram.. Nunca mais voei ao céu.

Ainda há quem use asas. Uns usam-nas só aos domingos e dias santos. Muito compenetrados cumprem rituais de missa e manuais de bom comportamento domingueiro.

 

 

Figura  5 - Estuda, menina, estuda, deixa lá os chocolates da Tabacaria!

 

 

    Até dão aqueles passeios dos tristes. Para esquecer os tempos das loucas noites das febres das sextas feiras. Outros, mais humildes e bons, escondem-nas com cuidado e até nas estantes da poesia, não vá o diabo tecê-las, descobri-las e estragá-las. As asas dos bons são tão especiais que nunca envelhecem nem criam bolor. Difícil é vê-las com tantas asas de vampiros, de demónios a circular à nossa volta. 

     Diabo? Como é que eu agora fui falar de mim?

 

 

Figura 6 - Estas crianças de hoje já nem sabem como as fazia felizes

 

 

 

 

    Isso não existe, faz parte da coleção do Pato Donald, de Mefistófeles, de Satanás, de Asmodeu, ou até de Vulcano, Hefesto, o velho bezerro de ouro que ninguém leva consigo por mais que o ame. Satanás não existe. Só vai na procissão, debaixo do pé de São Miguel porque na realidade se ri às gargalhadas por aí à solta. Demónios é o que mais aparece sem que ninguém tenha receio algum, “Quem tem medo de Virgínia Wolf?”  de Edward Albby 1962,  Há areia movediça aqui, e  serão arrastados (...) Antes de perceberem, sugados para baixo (...) Nem assim o Demo sossega. O lobo mau aparece agora de novo disfarçado em “O deus da carnificina” a francesa Yasmina Reza mas tem por cenário oculto os tempos da escola e dos seus diabos e anjos.
     Demónios e coriscos, ao gosto açoriano, só há coriscos e são micaelenses não de outras ilhas. Mas estão semeados  por aí e crescem muito mais do que os cogumelos de Marx que precisam do Outono.
      Dá risada forte falar do diabo a uma criancinha que vai logo ver qual é o programa na TV que passa isso. Não pode perder . Longe vai o tempo dos pais que se queixavam do trauma infantil de falar do inferno na escola ou catequese às doces criancinhas. Depois não dormiam e noite e tinham enurese.  Não há medo de nada por perto. Só do longe se teme e olha de soslaio, que não chegue aqui e fiquei por “lá”.

 

 

Figura  7 -  O livro do nosso quotidiano, o Diabo nunca se esquece de o trazer

 

 

    Esses maquiavélicos que são nossos amigos e que Satanás esconde por trás das câmaras. Com a ajuda de diabos e coriscos só poucos ou talvez ninguém sabia verdadeiramente. As falsas verdades dos media são a merenda da escola, o pequeno-almoço e a construção quotidiana do papo-seco ou carcaça da opinião pública que não presta no dia seguinte.
    Santo deus e ainda sou do tempo em que me pasmava por ouvir queixas contra falar do inferno e meter medo às tempos em que se às criancinhas por causa das suas maldades, eufemismo de adulto para pecados. Hoje elas conseguem ser uns inferninhos e nós a temê-las.  Depois há tanta criança teimosa que não quer sair da escola, não quer crescer e até envelhece neste estado de alma doce e ledo. Que Diabos serão amanhã?
    Tenho saudades de ter saudades das minhas saudades. Fui uma criança infeliz. Tal qual todas as outras crianças que o foram mas colocam a felicidade aí, ao jeitinho do poeta Fernando Pessoa, que traz a felicidade da algibeira rota. Temo escrever Pessoa sem Fernando e poeta, pois Fernandos há tantos como chapéus e poetas.
     Mente a imaginação. Não passa de “Fantasia” já com a sua idade, 1940, como Walt Disney, agora visto como um verme consumista e o Pato Donald, com os seus sobrinhos, Zezinho, Luizinho e Huguinho, de tanta memória colorida pelas suas traquinices, sei melhor os seus nomes do que o meu número fiscal. “Quer fatura” Sei lá se quero. Eu queria era querer!

    Os meus amigos Pateta, Tio Patinhas, o Mickey, o Pernalonga,  mais a sua trupe da minha longa infância transformaram-se em expoentes do
imperialismo capitalista, perdem a graça que eu lhe dava. Consulte-se para esclarecimento obras destas: “Como ler o Pato Donald” e parece que o fascínio que o chileno Ariel Dorfman adotou pela sua luta contra o capitalismo foi tão alienatória que acabou por largar o seu Chile e ir viver para os E.UA.  Do Chile? Sei lá o que sei do Chile! Como Quivis que trazem rótulos de “ lá”

 

 

 

 

Figura   8 - É proibido sonhar e paga multa o riso!

 

 

Alguém recorda Leonard Wibberley, autor de “O rato que ruge” e que deu aso a uma comédia quando aquilo é  bem mais uma tragédia anunciada?  Como as sátiras fogem do tempo e estão na escola para ninguém ler.
    O Poço Largo alguma vez existiu? Era local paradisíaco, oculto, de mar prisioneiro de rochas macias e negras. Enorme e espaçoso! Passo por um sítio que afirmam ser ali. Encolheu! Vejo umas pedras negras, uns poços tão parecidos a tantos que já vi por tanto lado, um pescador que mais parece uma estátua, Nada me recorda o que foi. É lindo o meu Poço Largo pena ser só meu “outrora, agora.” Tinha toda a luz das férias e da infância. Agora tem a cor do Outono e da solidão. Passa um turista. Tira retratos e aposto que nada vê. Como eu já não vejo.
     Na aparência das folhas secas que caem, a tarde morre na rua. No céu, redonda e bela, espreita a lua cheia.

    Olhem a lua! Olhem a lua cheia!   ----
grita alegre alguém que se esqueceu que envelhece, é Outono e o tempo da estação tonta acabou. A sério?