"  Magia das Palavras - III" 

  •   E agora "Pronto"...

 

    ©  Lúcia Costa Melo Simas ( 2014 )

 

  

    

"  Quase pronto!"

 ( Parede imperfeita.  Acesso a uma garagem. Arcos de Valdevez.  2013)

 © Levi Malho.

 


 

  Tirar o vocábulo “pronto” do dicionário ou de uma enciclopédia é um grande risco. Pronto não é como uma palavra qualquer que se arranca, até, por vezes, com esforço, do sossego onde dormitava calmamente. Nada disso. Pronto salta cá para fora, com uma rapidez inesperada, e invade resmas de papel, sem que se possa por ponto final à corrida fora do armário.

 

 

Legenda 1 - Pronto! Lá estou atrasado de novo.

 

 

 

Pronto! Claro que está tudo pronto, o navio pode zarpar! E o Titanic afundou-se, sem salva-vidas suficientes! É óbvio que temos tudo pronto e temos planos B e C,  tudo pronto a tempo e horas.

    --- Pronto – já o atendo! Mas, disse isso há uma hora atrás?

    Ainda não estás pronto? Nunca mais chegas a horas à escola. Diz o impaciente. E eu aqui, parva, pronta à tua espera e tu na conversa! Diz a resmungona. Pronto, acabo já. Só falta imprimir, Ai, pronto ainda falta a tinta! Pronto! Agora é que estragaste tudo! Salta o pessimista.

    Até aqui foi complicado, mas agora está mesmo quase pronto. Informa a voz sorridente do seráfico advogado. Pronto! Já disseste tudo o que tinhas para dizer. Mas agora, pronto. Cala-te um bocado! Diz o pacifista. Vou começar de novo, diz o resignado pacientemente. Pronto! Não vale a pena discutir por causa disto!

     Pronto!, diz, impando de alegria, do eureka encontrado. Quanta raiva e inveja isso levanta do pó do chão.  Pronto, pronto, não te aborreças mais. Ele ainda é um bebé e se pintou os sofás da sala, é porque tem jeito e ficou sozinho. É o Pai  vaidoso  de filho único. Pronto! Agora, a culpa é minha, diz o rezingão.         Pronto, a esta hora é que ela chega, é mesmo para estragar a festa, e dar nas vistas” diz a ciumenta. Pronto, não digo que estivesse mau de todo, mas podia ser muito melhor! Fala o perfecionista.

    Pronto! Quem te mandou ser tão apressado? Agora deixamos a chave da porta lá dentro! Desespera-se o dramático.Pronto! Nada de pânico, chama os bombeiros!

 

 

Legenda 2 - Já chega! Acabou-se tudo. Pronto!

 

 

    Pronto! Chumbou outra vez! Era de esperar mesmo. E na ilha, os pais nem sabem de nada. Brada o colega caixa de óculos, marrão.
    Pronto! Estavas mesmo a pedir! Já não  te podia mais aturar! É o marido assassino, que esfaqueia sete vezes a mulher, diante dos olhos esgazeados dos filhos, netos e pais, sentados na cozinha a jantar e a ver mais um programa a contar desgraças.
    Pronto é o reino do mundo a girar.Pronto! Em que posso ser útil? É a empregada ao cliente que espuma de raiva, depois de desesperar que acabasse o telefonema, na hora de expediente, mas suspeitosamente pessoal.

 

 

Legenda  3 -  Infomações. Em que posso ser útil?

 

 

Quando é que acaba a revisão do meu carro? Não é assim tão pronto coisa nenhuma. Estava mesmo num triste estado. Só amanhã, sem falta, está pronto. Mas de tarde, claro. O computador já pronto? Era o que faltava com tanta peça estragada e ainda quando já parecia pronto,  no último momento, faltava  uma peça fundamental.

 

 

Legenda 4 - Já estava mesmo quase pronto!

 

 

    Quando é que acaba a obra, já faz tempos que era para estar pronta?
    ---- Pois é, mas apareceram uns problemas nas portas, que não se contavam e vai ver que agora não chove em casa  se é que prefere tudo pronto como deve ser!

O casamento não era ao meio-dia? A noiva já estava pronta quando borrou a pintura toda com os nervos. O cabeleireiro também não está pronto, logo esperem mais um instante, só meia hora e tal e fica pronta. Pronto! Que descaramento! E agora desliga- me o telemóvel na cara. Pronto. É desta vez. Está tudo acabado! Casamento ou namoro. Pronto e acabado.
    Isto está tudo errado. Não se deve começar a escrever, seja o que for, pelo vocábulo  pronto! Só se for um anúncio muito famoso. O mundo começou a ser humano muito devagar e nunca ficou pronto. Nem o pronto-a-vestir chegou e venceu. Ainda há o quase pronto. Ou dá-se aqui um retoque e então fica pronto. Estou mesmo a acabar de escrever o meu livro acerca da História Universal dos Homens Prontos, mas ainda me falta esclarecer mais uns tantos adjetivos quanto às mulheres. Vai ser uma novidade um livro que terá na capa:

        PRONTO

Peço imensas desculpas. Se queria escrever uma coisa comum para  se interessarem e lerem, não devia escrever pronto, senão no fim. Mas também não sei quando acabarei. Pronto quando acompanhado do fatal “quase” é um poço misterioso, próprio de Hitchcock ou de Sherlock Holmes, com suspense que se pode reclamar para falar de beleza inacabada. Um trabalho, uma questão complicada. O quase é o inimigo do pronto, do bom, do excelente, do generoso. O quase é um perigo sempre à espreita.

 

 

    Por isso não quis escrever um livro sobre QUASE, porque toda a gente é quase herói, quase ladrão, quase santo, quase mentiroso, quase corrupto, quase burro, quase génio, quase normal e teria de dividir em quase bem e quase mal o tudo que não se me acaba.
    Já a história do pronto entra em todos os acontecimentos.
    Pronto! Exclamou Édipo ao vencer a Esfinge, ou ao matar o pai desconhecido, Alexandre Magno ao cortar o nó górdio, que ficou górdio para sempre.        Pronto- diz Napoleão, ao contemplar as pirâmides do Egito ou ao chegar, resmungando ainda planos de batalha e estratégias, à ilha de Santa Helena. Pronto, disse Camões, ao acabar a sua obra-prima, e D. Sebastião ao perder-se nas areias de Alcácer-Quibir.
    Pronto dizem todos quando agarram no Óscar do ano, ou no Nobel atribuído. Pronto remata o patrão ao despedir-se da empresa falida e a partir para rumos mais sólidos. Pronto, diz o candidato que ganha, ou o que perde. Tenho cargo chorudo garantido.
    Pronto, acabou-se a paixão a princesa transformou-se em Cinderela, que abriu uma sapataria, o beijo do príncipe encantado transforma-o em sapo. Pronto! A bruxa malvada casou com o rei e todos foram infelizes para sempre.

 

Legenda  5 - Pronto! As bruxas malvadas nunca morrem pois são só contos.

 

 

Sei que não sei contar bem as histórias dos contos de fadas. Sei que sei pouco, mas pronto, não digo que sei que nada sei porque sei um pouco e esse me basta. Pronto, também não prometi final feliz em vez de pronto final.