"  Magia das Palavras - II" 

  •   Desafios do "NADA"

 

    ©  Lúcia Costa Melo Simas ( 2014 )

 

 

    

"  Está aqui "alguém"?? "

 ( Casa em ruínas.  Zona "histórica" do Porto.  2013)

 © Levi Malho.

 


 

 

       Nada parece mais simples do que esta pequena palavrinha.
    --- “Vai ver que nem dói nada, nem sente, – não custa nada
. Vá dizer isso a outro, que custa e bem.
 
    ---- Em que está essa cabeça a pensar” – Em nada. Não estava a pensar em nada. Que mentira mais transparente. 

 

    --- Afinal, que é que se passa? Estás tao calado. – Nada. Não se passa nada.

 

     --- Que fizeste o dia todo? -Nada!... Estive para aí.

 

 

 

 

 

 

 

 

Quando dizemos a hora a quem pergunta, ou indicamos uma rua que alguém procura agradecem-nos e respondemos também: Nada. Urbana e educadamente.

  O pior é o confronto do substantivo, em que os dicionários, mais as enciclopédias nos envolvem, em contendas e perturbações sem fim. Parte-se do princípio aceite que “nada” seja substantivo e masculino. Até aqui tudo bem e significa vulgarmente  nulidade, patavina, bagatela, até vazio. Mas, na, Enciclopédias, senhoras nutridas de muitos saberes, e volumes, tem duas páginas e meia, em papel de bíblia para explicar esse mesmo vocábulo. 

Começo a ficar aflita, em vez de entender claramente, percebo é nada de nada da rica língua portuguesa.  Numa das centenas de intervenções em conversas que ouvi, muitos discursos   trazem já uma tirada preparada:

 

Solenemente começa,

 

 

Legenda 1 - NADA  MAIS IMPORTANTE QUE…

 

 Antes de mais nada…   e imediatamente a seguir, lá se inicia a gloriosa alocução que até pode terminar em nada com as palavras formais e protocolares que me ensinaram:
 

 E não havendo mais nada a tratar, após ser lida e assinada, vai ser encerrada nos termos da lei     Será mesmo que se pode falar de nada? Quantas vezes se ouve dizer que, falaram, falaram e no final não disseram nada? Isto pode ser verdade?

 

    Mas, se dizem isso logo mentem. Este substantivo existe apenas porque não existe, mas escreve-se que é vazio, nulo o que não existe. Mas também não é o zero nem é resposta para contrariar o ser. O nada não pode ocupar espaço. Parece certo. Sem espaço, para onde vai parar o tempo?

    Com nada se começa a filosofar, a ter uns pensamentos menos claros, a cair para o fundo do poço das perguntas difíceis que, apesar de tudo, tem menos profundidade do que nada ou do que antes de falar de nada.

    Quando a ciência se sente mal apela para o sentido bíblico de nada, depois vai para a metafísica e remete-se para o nada tal qual sopa fervente de onde sai o universo e esse ”vime pensante”, no pensamento de Blaise Pascal, do milagre do pensar num universo pleno de matéria e energia, luz que não deixa de ser subjetiva face ao nada objetivo onde cabe tudo o que tem sido antropologicamente interpretado. 

    E o resto, esse desconhecido que não cabe nas leis que a ciência atinge, existe mas não pode ser nomeado por só o racional ser real para o homem.

 

 

    No dicionário nada está antes da sua definição como um substantivo. Logo nada “não pode ser substantivo porque depende de ser antes de poder catalogar em substantivo. 

     Uma fada, um dragão, existem por analogias de seres diferentes com elementos que o poder imaginário sugere. Face ao ser, o nada é o total paradoxo. Voltaire fala em “parar no instante da vida e da morte e do ser ao nada

 Sartre recorda a frase de Voltaire, em 1943, para retirar uma conclusão pessoal de que a existência individual precede a essência. Queria demostrar que o livre arbítrio através do projeto que termina na morte, se bem que o homem não passasse de ”uma paixão inútil”.

 

    Nunca conheci uma paixão útil ou não porque como valor tem um sentido para além da utilidade ou do pragmatismo. A paixão pela perfeição, pelo Bem, pela construção de uma vida, na beleza da dedicação ao Outro, são formas de transcendência vital do ser, realizada no humano.

Se o ser humano descer à categoria de útil perde a dignidade única de pessoa, torna-se num meio para atingir fins e nada o separa da cadeira onde me senta ou da chávena de café que bebi. A chávena vazia ou cheia é a mesma porque o nada não está, melhor se diria “não - é”,  mas sim um modo de ser outro.

Num outro rumo mental, Leibniz apropriar-se-ia seriamente desta questão básica. Este filósofo, forte rival de Newton, tinha o sonho de uma ciência universal e isso alterou o propósito da busca da sua explicação do nada. O Ser leibniziano necessita de apontar para Deus e para o único mundo que podia criar. Se não podia criar melhor do que este, Deus  o criou, no pensamento de Leibniz.

 

    Melhor seria a pergunta do rei à pequena Alice, numa estrada deserta.
 

      --- Vem aí alguém?
 

     Qualquer pessoa daria a resposta óbvia e todavia a mais profunda que o escritor Lewis Carrol coloca na boca da criança. – - Não vejo nada!

    Muito admirou o rei a argúcia de Alice que assim mostrava que a sabedoria se esconde muitas vezes dos sábios e se revela na falsa limpidez da simplicidade.

    Nada mais profundo e negativo para afirmar o ser.Schelling admitiu o nada, mas Hegel pôs fim à questão e à amizade que tanto  devia ao seu amigo da juventude. O nada não existe, por não ter sentido. Pude consultar toda a grande obra “A fenomenologia do Espírito” sem uma só vez encontrar tal conceito. Aí tudo está em evolução e tem a cada passo um resultado, uma falsa paragens entre dois momentos que não são mais do que o pensamento que se atrasa a tentar explicar o que não existe. Infelizmente. para mim, Hegel conhecia Parménides.

     O problema é que estes filósofos se conhecem todos entre si e lutam por nada para ganhar tudo! A fama de Hegel é espantosa. Seria de extremo interesse estudar as analogias entre este pensador do idealismo absoluto e a ciência de hoje. Há analogias espantosas entre a linguagem metafísica da Ciência do Absoluto e as últimas teorias do universo. Ainda Heidegger ressuscitaria o nada, (1927)  mas de modo existencial como Sartre o faria.

 

 

 

Legenda 2 - A busca da verdade  acaba no Nada?

 

    Parece que estou a tratar levianamente temas muito sérios, mas a falta de humor nos filósofos é um terrível defeito que não é nada saudável. Aliás, afasta os pobres leitores. O Ser e o Nada são conceitos ontológicos que devem ser tratados sem antropologias que reduzem ao humano problemas muito mais amplos. É óbvio que quem pensa o nada é o homem, mas o problema não pode tratar-se sem referir os avanços da ciência. As leis que temos são confiáveis apenas porque nós somos racionais. O problema é bem mais obscuro e encerra um círculo vicioso. Há autores que atacam Parménides por um aspeto que a filosofia não podia escapar. Parménides dissociou palavra de coisas. Ao nomeá-lo o objeto aparece, mas não a verdade do objeto, apenas um nome que até podia ser outro. Isso leva a que haja caminhos que o homem não pode trilhar, nem seguir as aparências, nem a doxa comum.

      O físico Lawrence Krauss (2014) serve de exemplo ao referir-se à validade e à confiança, ingénua, ou necessária, nas leis da física. Quando Krauss pretende ser honesto fala de certo sem querer de crença.

A lei, cujo último fundamento é a crença, acorda o velho Kant que, por causa do hábito que nos torna o futuro, a repetição e a ciência fiável mas dentro de um círculo. Quebrar tudo significaria dar cabo do nada e fazer em estilhaços as teses já fundamentadas. Mas nada me impede de insistir que a crença na racionalidade do universo é uma pretensão um tanto ou quanto ambiciosa.

     Como é que uma parte do todo, um ser pensante, no meio do todo, pode saber “tudo” ou confiar que abrange e, já agora, dá um pontapé no Nada, abrindo as portas para milhentos universos que logicamente existem?

    A lógica é a reflexão de um Eu vazio, na vaidade do seu saber. Por mais avançadas que estejam as estruturas humanas estarão entre o nada e o ser, numa ínfima parte subjetiva do todo objetivo e global de um Cosmos onde somos menos que grão de areia..

    Essa vaidade não exprime apenas que esse conteúdo é vão, mas também que é vã essa a resposta terrível para a questão está num Universo do qual se faz parte. Será preciso transpor o “abismo hiante” de que falava Parménides e ver que falar do nada é já Ser. O nada para o homem podem ser tristezas, manias, morte, angústias mas paradoxalmente tudo isso É e unicamente uma passagem entre o ser e o nada.

 

 

 

Legenda 3  - O Nada é o problema central da Física, da Filosofia,  início e fim do Pensamento

 

Porque existe o ser em vez do nada? Porque o nada não pode ser pensado. Regresso a Parménides. Se o nada É, logo é Ser, não é nada.

 

 

 

Legenda  4 - Nadar é regressar ao princípio, a água. Nada como  nadar

 

    Nada? Ah, sim, o melhor mesmo é ir nadar que o verão já se se nos acaba e vem aí trovoada a anunciar o outono.