"  Hoje de novo" 

  •   Agora e sempre. Luís Vaz de Camões

 

    ©  Lúcia Costa Melo Simas ( 2014 )

 

 

   

 

"  Visitação dos Equinócios"

 ( Floração anual de rododendro.  Jardim Botânico. Campo Alegre. Porto. 2013 )

 © Levi Malho.

 


 

 

  Uma nação é mais do que nação, os seus limites não são passíveis de captar, estamos nela, mas uma nação é um passado que nos trouxe até aqui e uma promessa impossível de resolver em nenhum agora. Viemos de tão longe que nos perdemos nas trevas, vamos para algures que não conhecemos. No meio disto há um Estado e uma Governação. A nação é mais do que conceitos porque a conceção de Pátria transcende o monarca que morre assassinado e a república que se rege por leis. A transcendência da figura do monarca, pelo regicídio, só existe na essência da Pátria pelo seu valor intrínseco para além do imediato ou manifesto em que se efetiva. Numa Pátria, as leis representam valores relativos e com a sua polaridade própria. Mudam mas existem sempre. O mistério dos valores está na sua perenidade, na essência em si que nunca morre. A verdade do Valor está para além da experiência de todos. É transcendente, a sua aparência não é mais do que uma visão de algo que mais se oculta mas é essencial. Assim acontece no Direito, quando se compara o Direito natural e o da Polis. Sem a transcendência não há validade no Direito natural porque ele não se apoia apenas no homem comum, vai mais além pede o misticismo, o mítico, o sagrado. A aceitação do natural implica noções muito complexas e uma universalidade do humano que está longe ainda de revelação efetiva. A subjetividade será a face interna de uma realidade que não surge como Kant e Hegel desejavam.
        A Pátria pede alma e só assim se entende que Camões tenha dito. “Morro com a Pátria”. Mas a morte não lhes tocou. Nem no Poeta nem na Pátria. Ressuscitaram por serem grandes demais para morrer. Camões não perece e uma massa anónima sonhou sempre, porque o sonhar é a alegria dos tristes. Ficou escrito, vive por cada leitura da sua “Bíblia” Portuguesa.

 

Figura 1 - Camões lê "Os Lusíadas" ao jovem rei e canta o Passado para glória do Futuro.

O poeta não é decadentista,  pois crê num ressurgimento no espírito do rei que incarna a o Espírito do mundo português

 

 

 É impossível entender o génio, muito menos o prodígio da mente camoniana. Um mundo inteiro se encerra nas páginas que uma fabulosa memória e inteligência imortalizaram. O saber do renascentista é tão real que abrange todos os campos e também ele podia dizer: “Sou homem, nada do que é humano me é estranho.”
    
A pluralidade que se unifica revela-se numa visão axiológica de tal amplitude e grandeza que, em todas as eras,  se bebeu dessa fonte, com mais fulgor numa parte que outra, mas Camões tem sempre um modo de ser entendido.   O devir do povo torna os netos em avós numa continuidade em que,  para Bourdieu, “o morto agarra o vivo” numa teia que quase se assemelha à teia de Penélope pelo fazer e desfazer da força da tradição, que se transfigura em cada falsa repetição e por força desse grande senhor, o hábito, esse que nos veste a pele. O povo não o é sem pátria, é uma nação errante mesmo que a transfigure em pátria celeste sempre em graus de espiritualidade.
    Ter consciência da pátria é ser religioso. Ligar-se ao passado e pensar no futuro. Aceitar valores, alimentar-se deles e transmudar-se por eles. A Pátria que somos oferece um caminho para a transcendência e para o progresso. As crises não passam de mudanças que, quando nos tocam existencialmente, não somos capazes de afastar a racionalidade prática e entrarmos no mundo dos jogos de linguagens que tão bem descrevia Wittgenstein  com as suas metáforas das palavras. O jogo das palavras é de vida e de morte em busca de sentido. Mas o  mistério também transcende as palavras.
    Num regresso reconhecemos sempre que algo mudou. Também não conhecemos Luís de Camões, mas a sua obra, do épico sabemos lendas, mitos e vagos dados discutíveis. O que encontramos  é a inserção do nosso projeto de vida na sua epopeia e por tal contexto nos guiamos. Procuramos respostas, mas elas somos nós. Gil Vicente, na Corte faustosa, é aurato do povo que sofre sempre diante dos poderosos que deixam os seus nomes escritos

 “Nós somos vida das gentes e morte das nossas vidas

Assim se atreveu e assim foi dito diante do rei D. Manuel e toda a corte com a coragem se tornava verdade no versejar. Essa mesma Corte que o nosso Vate frequentou, por lá versejou com outros poetas e possivelmente se enamorou diversas vezes, sofrendo desilusões e fortes rivalidades. O nosso sofrimento é coletivo nessa “apagada e vil tristeza”, mas o cariz de grandeza revela-se na esperança, messiânica ou não, de um mundo melhor por toda a parte por onde ser português é trazer a saudade estranhada na alma, uma índole adaptativa, tolerante e laboriosa que engrandece o país que jamais esquece.

 

Figura 2 - Brasão da cidade da Guarda onde se comemora o 10 de Junho de 2014.

( A cidade dos 5 Fs. Fiel, Farta, Fria, Forte e Formosa )

 

 

Saudar Portugal é um dia para louvar o poeta, a pátria e os portugueses espalhados pelo mundo e ver o português como o homem universal. Reconhece-se pelos valores legados e muito amados.

 

Figura 3 -  "As armas e os barões", face ao novo milénio

 

 

Fernando Pessoa terá sido o melhor leitor de “Os Lusíadas”. Se assim é “A Mensagem” glosa o sonho, torna o povo português uma entidade mística, um ser no mundo, carregado de prodigiosa herança desbaratada por generosidade espiritual. A espiritualidade que quer superar o império material pode ser realizada pela palavra, mas não é a palavra. Com um sonho tão infinito como o de Camões, o mundo não se reduz à palavra, nem a pátria pode ser verbo sem que o verbo atinja a universalidade. Partindo de uma Europa no “Ocidente, futuro do passado” metáfora feminina,  “o rosto com que fita é Portugal”. No seu dizer , “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce”.
    Amar a pátria não é chauvinismo, narcisismo, ou demagogia. Nesse caso qualquer grande afeto assim seria. O exagero do decadentismo soa sempre tão forte na intelectualidade portuguesa e não se pode esquecer Almeida Garrett no seu “Frei Luís de Sousa”, com um fatalismo de sombrias notas autobiográficas,  as polémicas de Antero, carregadas de ideais, sonhos juvenis, por vezes esculpidas em mármore, mas tão mortais como a peste, tao  depreciativas como acontece com a geração de 70 que feneceu, aburguesou-se, ou corrompeu-se. De um modo ou outro, a Geração de 70 conseguiu pôr alguns espíritos de pé, levantar poeiras de velhas certezas, mas logo se sentou, abancou-se nas mesas de advocacia, de ministérios, de bons restaurantes e melhores jantaradas. Apenas representa uma pequena parte e é tomada pelo todo nacional.

 

 

 

 Por seu lado  a aparição de  Os Vencidos da Vida une-se em torno do seu próprio mito falhado, os seus projetos de gaveta, do lendário e quimérico Portugal que em ditos, ironias, sonhos e muita crítica com frustração pessoal que teimam em chamar coletiva. A  monarquia é zurzida sem piedade e paradoxalmente indispensável  ao lado de um republicanismo de ideias utópicas  que deu tristes frutos. Ser decadente era ser irónico, “blasé”, falar do progresso de fora, desse invejado e imaginado estrangeiro, tudo isto nutrido por jantaradas que nada enobrecem o espírito construtivo e altos ideais. A Pátria resiste à intelectualidade que lhe impõe ditames provincianos, numa capital gorda e burguesa, onde o povo labuta e vive com alegrias e tristezas, festas e cantares espalhados também por todo o território nacional. Confunde-se a parte com o todo. Lisboa toma-se pelo país inteiro. “Os Maias” contam três gerações de pesada hereditariedade, com uma fina ironia, crítica mordaz e única de um Eça que se contrapõe à ressurreição do orgulho português. Tivemos um século de reflexão e espanto face a um Eça de Queirós, a joia rara da literatura portuguesa. A Mensagem não ganha prémio, nem poderia vencer, Pessoa escreve loucamente e torna-se o nosso “poeta plural”.
    O século dezanove fascinou por excessos os povos. O romantismo cedeu depressa lugar à racionalidade e está quando se encontra sozinha leva à construir, durante o verdadeiro final do século, os cem anos que fecham o milénio, os maiores horrores em nome de uma realidade que queria chegar ao bem pelos mais ínvios caminhos. Começa o findar das ilusões do progresso e da paz.

 

Figura 4 - A face risonha do progresso oculta as entranhas horrendas das guerras.

( A ingenuidade de tantos levava a pensar que a 1ª Grande guerra vinha acabar  com todas as guerras... )

 

Paradoxalmente é o positivismo que mostra a sua face de loucura e a ordem vence a noção de progresso. Os projetos mais loucos e ambiciosos transformam-se em realidades de dividir, separar, organizar e as hecatombes, os holocaustos, as tiranias mostram os verdadeiros rostos da barbárie, numa nova e nunca imaginada selvajaria em que a ciência e a técnica estão contra qualquer humanismo. O que antes se sonhou e imaginou para o futuro torna-se numa tal monstruosidade que a intelectualidade se desmorona. A lição que deu humilhou o saber, manchou as mãos dos homens, fez surgir uma nova peste, um novo degredo, uma nova pele que nos habituou a separar o “sujo” do "limpo” a catalogar gente palpitante de vida em simples números. O “Rei” diz Ionesco está a morrer.
    Sociedade e natureza são antíteses num pacto de morte e o medo envolve o planeta de um manto escuro. A troça, o ridículo assola os valores e, atónitos, os intelectuais demitem-se, escondem-se, suicidam-se. Ridicularizados, oculta-se em novas catedrais de um saber que assassinou a vida. A ciência, a máquina, as técnicas invadem o social cada vez mais longe e da  realidade do humano.

 

Figura 5 - O tempo das utopias terminou e a cena não tem ninguém no palco. 

Já não há heróis,  só espetadores.

 

      A cena está vazia no fim do século. Só há máscaras e simulacros. Cumpriram-se da pior forma as utopias, as massas e o público escolhem tiranos, oferecem a sua vontade e o seu pensamento a quem se apresente porque a rapidez das mudanças confundem os espíritos cativos que amam os seus vícios e uma felicidade do agora.  Já não há tempo para falar do manto da fantasia da forte nudez da verdade de Eça. A fantasia são os cavaleiros do Apocalipse que passam, mil vezes piores do que o seu precursor Atila que, por onde passava com os seus Hunos a erva não voltava a crescer.
     Já não há quem tenha coragem de pintar rosas, nem colocar um gato na janela. E ao longe, ainda se pode escutar o que dizia Nietzsche “
Eu não sou um homem, sou dinamite”.
    Agora a Pátria entra num século e num milénio bem novo ainda. Se pelo mal se chega ao bem a nova montanha que temos de subir ou descer nada se compara com qualquer passado. O horror do olhar o passado é o risco de deixar a inocência ser apenas ingenuidade tão perigosa para predadores de toda a espécie. Este milénio revela todos os sinais de bem e de mal por toda a herança recebida. O lixo que temos é forma de muita dessa herança. Se há era do vazio, então que chegue a criança e o adolescente do novo milénio e que avance e caminhe com a sua adolescência carregada dos entusiasmos e medos de sempre.

   
 Não o compreendemos o que é normal. Nem sabe o que quer, ora confia, ora é desconfiado. O saber tem outros nomes, as escolas são redes de saltimbancos onde um salto em falso é a queda fatal. Como sempre as massas aplaudem e riem. Um punhado de resistentes e um novo espírito de mundo espera que a adolescência do milénio acorde. Com a timidez e a reserva de quem observa um mundo velho que se lhe insistem ser novo.  Incompreensível e incompreendido, como todo o adolescente, rebelde e sonhador, contraditório, o novo milénio querem tudo e nada.

     Na voz de Rui Veloso já se cantava:

 

 Não há estrelas no céu a dourar o meu caminho,

 Por mais amigos que tenha sinto-me sempre sozinho.    (…)

Tão depressa o sol brilha como a seguir está a chover.

Para mim hoje é Janeiro, está um frio de rachar

 

    Por um dia teremos um Portugal de netos e de avós a segurar água na mão fechada ou aberta para dar mundos ao mundo como sempre fez e sempre sonhou. O sonho da pátria portuguesa não termina aqui pois aqui está sempre por cumprir, o longe e a distância. I
    mortais?! Povo que vive, ama e sofre, como toda a gente em qualquer lugar. Porém é uma gente em miscelânea completa que chora, ri, canta mas tem fé, confia, ama de coração aberto. Um pouco igual a todos, um pouco diferente de todos.  Nós, o bom povo, nação valente. Atravessamos tempos suficientes para mostrar a nossa grandeza imensa face à pequenez de espaço. Portugueses em dia de parabéns e aniversário. Um discurso que louve Natal, que recorde Avós, que tenha aquele calor um pouco semelhante ao do Natal. Um renascer no âmago dos mais atentos, trabalhadores, modestos, ocultos, como o Bem sempre está quando o Mal usa tantas luzes, aparato, beleza na busca de seduzir os que  ainda escolhem entre o sim e o não procurando antes onde estará a sua consciência.
    No novo milénio, uma árvore que resistiu a tantas tempestades que foi heroica, enfrentou todos os mostrengos, tem poetas líricos, epopeias, gente anónima e corajosa, sentimental e saudosa merece festa, flores, palmas e medalhas. Parabéns para nós que os merecemos.
    Se bem disse Cristo: Ama o próximo como a ti mesmo. Para quem é português foi a saudade que trouxe o próximo e o coração fez o resto para refletir sobre uma festa.