"  O outro lado dos Dias " 

  •   A Páscoa dos Coelhos e das mentiras dos Ovos

 

    ©  Lúcia Costa Melo Simas ( 2014 )

 

 

 

 

" Triunfo do insólito"

 ( Loja de Artesanato.  Zona "histórica" Porto. 2013 )

 © Levi Malho.

 


 

 

 

 

Ilustração 1 - Não vale responder. A criança de verdade só sabe perguntar

 

 

 

 

Por mais que tente, não consigo conjugar coelhos com Páscoa. Ainda maior confusão  me dá a combinação de coelhos com ovos!
     Mamíferos não põem ovos e as justificações não me agradam, por mais literatura semeada que encontre. Com todas as imagens coloridas com que me acenam e mais promessas de floridos jardins, almoços e férias que querem impelir a consumir falsos ovos com falsos coelhos, fico cética. Ainda mais desorientada com férias pelo meio, praias onde não chocam ovos nem correm coelhos, mas se tosta a pele. No final da chamada festa, uma lista de mortos e uma fria estatística anunciam que mais gente perdeu a vida na estrada, vida que talvez nunca encontrasse nem milagre de que se apercebesse.  
    Comercialmente, uma Aleluia, ou um Messias de Haendel soariam bem desarmónicos tocados por aí. Não conheço canções religiosas, que se possam tornar chamativas, para fins comerciais e forte atração de compras como acontece no Natal. O calor do Natal é interior, é dádiva do coração e, por mais que se busque resistir, os olhos da infância espreitam nas faces mais velhas.
         Já a Páscoa tem calor exterior e, talvez por isso, ainda não nos rendemos aos coelhos, aos ovos e aos fracos poderes publicitários, muito ecológicos, quando não se trata de alimentação e do turismo fugaz. Ao menos, que as agências de viagens tenham uns dias de sorte.
       Num híper, não se pode tocar Aleluias  a cada passo. Depois é uma música que faz pensar. O ritmo, ora dramático, ora lento, ou intenso, enlouqueceria mais depressa as pobres senhoras das caixas com as filas de clientes impacientes.      Ainda está por inventar um bom musical substituto de música enlatada para a ressurreição pascal. O problema é grave pois não soaria bem umas aleluias em tom de fado, ou com um cançonetismo popularizante meio sacro, meio samba, meio pimba que fique a bailar na mente.
    Nem Rutes Marlenes, nem os Toys e Quins Barreiros todos juntos, com o sempre jovem Marco Paulo da nossa boa música se candidatam a comercial de Páscoa. A Aleluia é subversiva, daria para ficar em casa em marcha lenta, fim de semana de pijama, com bocejos e sem compras, nem reuniões de costume.
     Os coelhos a porem ovos azuis, em espampanantes embrulhos, que só enrolam uma casca fina de chocolate, enganam criança só por três minutos. O chocolate a fingir ovo, os desgraçados pintos coloridos, verdes, azuis e roxos, eis até onde chega a deturpação por causa da festa!
    Só que, nem todos têm possibilidades de ressuscitar e à maioria nem lhe interessaria. Quem não gosta de pensar a passear nos bocejantes jardins do paraíso onde nem saberia em que meditar, ou refletir, coisas que a imenso custo se aprende. As palavras de vida Eterna não se pronunciam, guardam-se nos dicionários a sete chaves. O infinito dá tédio, a transcendência do rosto do Outro, que reflete a nossa própria face, nada significam. As montras garridas chamam, a fuga para as noites loucas, que acabam já em dia claro, são o paradoxo do mundo ao avesso.
    De repente, parece que ouço ao longe a bela voz de João Villaret:

Tocam os sinos na torre da igreja, há rosmaninho e alecrim pelo chão. Na nossa aldeia que Deus a proteja! Vai passando a procissão.”

As almas simples das crianças, ainda que nunca tenham vivido em aldeias, nem experimentando o alecrim pelo chão, escutam como se de longe os seus avós as chamassem docemente. Só porque é a melodia evocativa, desperta sons e perfumes, risos e nas palavras de António Lopes Ribeiro, poeta de um povo, pobre e alegre, agora é pobre, cínico e tristíssimo. Por isso. Ferrando Pessoa mentia tanto e todos gostam das suas mentiras pois tinha coragem de se dizer mentiroso de aldeias e natais nunca tidos nem vividos.  
    Pessoa bem contribuiu para a nostalgia do nevoeiro, com doses de curar povos, que não fossem velhos portugueses. Ora é mesmo entre raposas e lobos que soltam pobres coelhos.

 

 

 

 

Ilustração 2 Ressurreição é coisa de comer? Que se ensina as lindas criancinhas? O pior, é que aprendem!

 

É tabu ter orgulho do nosso país. É tabu falar de um povo pacífico, que ressuscita dos mortos como uma alegria triunfante.  
    Nietzsche foi o único suficientemente louco para imaginar o “Eterno Retorno”, para além da ideia oriental da repetição da natureza. O amigo, que lhe ouviu expor a teoria, parece que foi para casa convencido de que o filósofo enlouquecera. Não deixa de ser um pouco verdadeiro pois para que serve um filósofo que se não for louco?  Isto é complicado mas, talvez em lugar de pensar numa ressurreição e eterno retorno futuro e falando de um eterno retorno já do passado, que acaba sempre neste agora, se entenda melhor. Um exemplo dos “milagres” humanos é o cinema em que se repete o retorno sem fim em arremedo ao grandioso plano de Nietzsche. Se em vida Nietzsche foi mais admirado por ser incompreendido pelos seus admiradores e amigos, menos eu serei capaz de o explicar.

    Se partirmos das suas premissas,
lá que tem lógica, tem mesmo. Se existe infinito, tudo um dia se repete. Há tempo com fartura na eternidade. O pobre do cantor Paulo de Carvalho, ou outros do mesmo tom, diziam dez anos é muito tempo, muitas horas a cantar, mas não sei o que diriam dos biliões e  biliões de Carl Sagan.
 Há cantigas que não saem famosas depois de boa reflexão. A repetição de um dia como o de hoje é hipoteticamente  possível.
    Há muito tempo já, Kondratov, um cibernético soviético e ateu, afirmava que, se o acaso existe, um chimpanzé poderá, ao longo de biliões de anos de tentativas escrever ”A Divina Comédia” de Dante  e, por efeito do acaso, uma Vénus de Milo podia aparecer perfeita e, já agora, sem o enigma da falta  dos braços que nunca se saberá como seriam. Muitos escultores já tentaram reconstruir essa estátua mas a obra nada melhorou os fragmentos que restam.

 

Ilustração 3 -  Real, mas invisível para os olhos
O que interessa ao sacerdote cirurgião da arte das peles humanas, é a aparência e o lucro

 

 

Através de mil sacrifícios dá-se a entrada no Paraíso a prazo e do qual se é expulso logo que o tempo cumpra a sua obra. Na altura, a xenofobia aos gordos ainda não aparecera pois hoje, tanto a Vénus de Milo, como as damas e madonas de Rubens e outras, estão perfeitamente expulsas dos campos ou dos Jardins do Éden terrestre das elegâncias da moda. Já não sei de que ressurreição se fala ou se festeja. O sol na praia, as moradias vazias, as casas de Deus sombrias, lacrimejantes de velas e as vozes cansadas que ainda murmuram baixinho.
    Aleluia!

 

 

 

 

Ilustração 4 - Legenda? Qual legenda? A pele é pele como será ter um coração a bater ali dentro da túnica de pele?

 

   

O homem, depois de matar um  deus atrás de outro, arranja mais um, cada vez em imitações mais toscas e pobres mas mais exigentes de sacrifícios, penitências de tribos de aparências de corpos e rostos. Com o “botox que paralisa alguns músculos da face e muitos neurónios do cérebro, cada vez a mente fica mais oca. Se impede que as rugas apareçam, tal como outras penitências, as velhas mortificações da carne, obrigam a terríveis dores e padecimentos, sacrifícios, horas e horas dedicadas à deusa das túnicas da pele, e do que vulgarmente se diz cabelo, esses pelos formados por várias camadas de células mortas. Todavia jamais se usa as palavras tabus “células mortas” para referir tais pelos nos maravilhosos anúncios publicitários.
     O falso eterno retorno de imitação lucrativa, acaba quando o efeito das drogas e rejuvenescimento e a deformação é ainda pior. Cada vez mais pobres de deuses fugazes, os seres humanos vivem com eles e infelizmente para eles, sem procurar ver que nada mais falso do que as evidências fáceis.

 

 

Ilustração 5 - Ovos Humanos em processo de criação

 

  

Raramente gostei tanto de ler um texto do Bispo, D. António de Braga, da Diocese dos Açores, como o último em que fala acerca de não se poder compreender Deus. Alertava para a distância infinita que separa Deus de uma criatura que atinge a suprema soberba de querer entender a grandeza de Deus. A humildade é uma virtude tão esquecida. Milagres que o homem faz também enganam.
    Isto dá uma situação bem  inconfortável para todos os desconfiados cientistas, filósofos, crentes de toda a espécie e ateus de todos os feitios e qualidades que, à viva força, querem um Deus que o homem entenda, antropológico, com as algibeiras cheias de milagres.     Chamar Deus ao acaso, por causa do infinito do universo, é o mesmo que aceitar a necessidade como um deus que tivesse inventado a necessidade sem fundamento. Nem Hegel conseguiu sair deste problema. Por muito divino tédio ou razão que jamais entenderemos o acaso ou Deus resolveram  um início de qualquer coisa a que chamamos inabilmente tempo, cronos medida, ou nada de possível de explicar mas que deu o resultado de termos chegado até aqui.
    Pois estar aqui, seja lá onde for o aqui, há uma sucessão de milagres que a ciência explica, logo que se aceite a axiomática e todos os seus “ses”.      Ando sem paciência para aceitar coisa nenhuma que não me agrade ou se justifique. A literatura serôdia onde portuguesmente nos entretemos repetidamente, as crónicas de boçal humor, as nostalgias de outras crises, os medos do que se vê e não vê, as confissões livrescas de toda a gente que se imagina um personagem sem autor, depois da náusea, dá vómito. 
    Ai o eterno retorno realiza-se quando as mentes rodam e rodam no vazio, paradoxalmente poluídas pelo mito do Verde, do natural, da limpeza do organismo, da obsessão de lavar, purgar, quando o que está sujo, além das mãos, é o coração que já não se lava desde séculos.     A axiomática já foi superada, poucos já se sabe disso e, segundo os maiores cientistas e sábios, entre eles, Sir Roger Penrose e as suas prudentes palestras, é que o conhecimento do universo ainda está para começar.
    Haverá nova era depois de ultrapassarmos a teoria quântica. Nem imagino nada, pois me agarrei a âncora do eterno retorno e, uma vez perceberei melhor. As dimensões do cosmos e as suas leis, só em pequena parte, cabem na mente humana. Pode muito bem ser que, um dia qualquer, o cosmos fique mais pequeno ou que a mente humana aumente. Numa Páscoa em que se dá a passagem dos ovos a mamíferos tudo pode acontecer.
    Só faltaria um professor mais severo e astuto gritar:

---- Isso é antipedagógico, meu caro colega!

Mas até mestres são carpinteiros e pintores de paredes. Quanto a professores extinguem-se na proporção malthusiana da falta de criancinhas . O deus que todos procuram não é o do pobre, o do sem voz, o  do excluído e, por isso, cada vez “andam mais cegos e a conduzir cegos”.
     Nietzsche dizia que chegou antes do tempo. Penso que ainda continua a ser ainda muito cedo para chegar. Sem comparações de mau gosto, Platão está a chegar e a passo lento e Parménides ainda não acordou. Como Nietzsche dizia não ser homem mas ser dinamite, há quem aplauda a dinamite, mas sendo demasiado humano, não entenda o pobre filósofo.
        A ressurreição pode não ter muito a ver com Nietzsche mas até tem, pois não falta essa raça imunda de que falava e que vagueia nos pastos, como um rebanho cujo pastor enlouqueceu. Para resumir, é o dinheiro, o bem-estar, a felicidade do hedonismo que vence. Há pouco disseram-me que quem quer a felicidade acaba com a cara na lama. Nada sei da felicidade porque não a procuro. Quando, por um “acaso ou necessidade” a encontro, cumprimentamo-nos cordialmente, seguimos, cada uma, o nosso destino, pois temos caminhos diferentes.
        Que horror! Ser feliz todos os dias, dormir como uma pedra e comer alfaces e saladas de coelhos, ver ovos falsos ainda, por cima, na dita Páscoa!

 

 

Ilustração 6 - Este riso pode ser pobre mas explode de ressurreição

 

Páscoa quer dizer passagem e por isso Nietzsche esfrega as mãos de contente, esquece as suas horríveis dores de cabeça de que sofria e repete: O homem é uma ponte. Depois, Dali pintou "O Bolero de Ravel" e tudo ficou perfeito. Só que é difícil de ver.

 

 

Ilustração  7 -  A ponte é o único caminho A estética a última esperança da alegria?

 ( "O Bolero de Ravel",  por Salvador Dali )

 

Cansa muito mas insiste-se tanto em viver em cima do muro, rodeado de pombas brancas, um pouco ao jeito do Ovo, Humpty Dumpty, da Alice do Pais às avessas, do outro lado do espelho. A obra tem coelho, ovo w corrida contra o tempo, mas não tem Páscoa. Bem se vê que Lewis Carroll via o mundo às avessas 
    E quanto a deus…
    São poucas as reticências pois andam milhões delas por aí. Nada melhor do que a semiótica para ter um riso sadio, liberto capaz de querer ser ponte. O Papa perguntava domingo, antes da sua sessão dos sorrisos.

    Onde está o meu coração?
 Se aí estiver Amor, este indicará a grandeza de DEUS e a humildade da racionalidade.
    Santas Páscoas, para todos os que tiveram a grande paciência de me ler. Perderam o seu tempo, mas o tempo anda sempre perdido, por isso deviam era achar tempo. Como não encontraram, vieram até aqui Não deviam porque de Deus, nem de Páscoa não levam resposta.
Isso dá trabalho a cada um e, não é para mim, a paciência de meter na cabeça de ninguém as ideias que tem de procurar por si para serem verdadeiras. Há trabalhos que não são para mim  e, se ainda disserem que escrevo sem pés nem cabeça,  é mesmo verdade, como o ovo que, ou é todo cabeça ou nem  cabeça tem. O importante é o que, Humpty Dumpty, o Ovo disse a Alice:

 

Ilustração 8 - O melhor Ovo para esta Páscoa

 

"When I use a word, it means just what I choose it to mean—neither more nor less "