"  Retrato de Família " 

  •   Aproximação à Biografia de Hegel

 

    ©  Lúcia Costa Melo Simas ( 2014 )

 

   

 

" Caminhos incertos"

 ( Seres dos bosques. ( Pormenor ).  Alto-Minho, 2013 )

 © Levi Malho.

 


 

ELEMENTOS  PARA CONHECER A FAMÍLIA DO FILÓSOFO GEORG HEGEL

 

Figura 1 - Pormenor da cidade de Tubinga.

 ( Cidade do pai de Hegel e do seu Seminário teológico )

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 

Quando Georg Ludwig Hegel [i] (1733-1799) o conservador e diligente "funcionário público", saiu da sua cidade natal de Tubinga ia em busca de uma vida melhor. Porém, parece que não a sorte não o guiava. É bem verdade que teve algum êxito no seu desempenho profissional, cargo que cumpria com satisfação e com o belo sentimento do dever cumprido. A felicidade pretendida para a sua vida pessoal parecia sorrir-lhe, como acontece a quase toda a gente enquanto é jovem. Agora, vê um futuro especial para si, encontra possibilidades próprias que ainda não testou e acredita inocentemente que dias melhores virão.
    Se as suas ambições eram atingir um posto superior, então temos de acreditar que devia estar contente consigo mesmo. Passou a ser
"Oficial" no serviço fiscal de Vurtemberga, o que lhe dava bastante prestígio e vida mais folgada, posto que a sua família já  pertencia essas atividades e com muito orgulho.

        A outra ambição dependia mais do destino e da fortuna do que da sua competência fiscal já posta à prova. Um assunto delicado sempre face ao futuro começou a dar-lhes inquietações e noites mal dormidas. Agora a sua ambição voltava-se para problemas mais subtis, nomeadamente alcançar a sorte de um "bom casamento", que lhe desse sentido para aquele vazio sentido na casa onde se hospedava e no seu coração. Ainda estava solteiro e já atingira os 35 anos.
    Sem que movimentos românticos o atormentassem, Georg Ludwig Hegel não dependia nem de paixões, nem de impulsos, mas de uma prudente linha de vida. Após o  trabalho, ao passear junto às margens do belo rio Necker, via-o deslizar bem lento pelos arredores da cidade, e procurava recordar-se de todas as pessoas que já conhecia na cidade. Meditava então no modo de conviver com uma família respeitável e encontrar uma conveniente menina ou dama para sua consorte.

 

Figura 2 -  Rio Necker em Estugarda

 

 

    As surpresas foram sucessivamente agradáveis. Depois de algum tempo, as suas ambições encontravam um alvo. Por fim, conheceu uma das famílias de Estugarda que lhe mereceu muita atenção, pertencente à elegante burguesia dessa cidade, com nomes sonantes de advogados e  teólogos que se relacionavam com a alta burocracia e com familiares do escalão superior de Vurtemberga. O seu interesse concentrou-se em  Fraulein  Maria Magdalena Fromm.
    A dama já se aproximava fatidicamente dos 30 anos. Naturalmente que a ideia de um casamento não lhe desagradava. Tratava-se de uma senhora, meiga, que parecia submissa, saudável e bem educada. Além disso, se bem que tal assunto fosse de menor importância para o futuro marido, possuía uma vasta cultura, bem fora do comum das senhoras da sua cidade e do seu tempo.
 Encontrado o seu objetivo, Georg Ludwig Hegel começou a comportar-se como deve proceder um enamorado em tais circunstâncias e a recordar ideias agradáveis acerca das vantagens do Evangelho: “O homem não deve estar só” ou “Crescei e multiplicai-vos”.
    A vida num lar, com as suas doces alegrias, uma roda de crianças, e todas as benesses que um casamento vantajoso traria, levavam-no a cantarolar de manhã, antes de assumir com todo o método e cuidados, as suas severas tarefas oficias. O sonho de uma boa refeição dominical, seguida por um agradável passeio pelas ruas da cidade, apresentar-se diante da sociedade com uma tão prestigiosa dama ao lado, não deixava de lhe ser sumamente atraente. Dentro dos bons princípios religiosos do protestantismo pietista, de que ambas famílias eram praticantes, com uma vida regrada e domesticamente bem dirigida pela esposa via já uma vida que muito lhe aprazia. Até já sonhava com os seus filhos teólogos pietistas ,o que muito satisfaria a futura esposa, ou  então advogados ou juristas famosos e bem reputados pois já os havia em sua ilustre família.
    Mas isso ainda eram sonhos. É muito bom não saber o futuro e poder sonhar, mesmo que o sonho não ultrapasse muito a altura da chaminé das casas, ou chegue só rente às torres das igrejas da cidade. Viveu ainda três anos solteiro em Estugarda,
mas finalmente, nos finais do verão de 1769, Herr Georg Ludwig Hegel foi aceite pela dama dos seus desejos para seu marido. Fraulein Maria Magdalena Louise (nascida Fromm), (1741-1783 ) aceitava que o noivado se tornasse em casamento e assim, no final do verão do ano de 1769, os cidadãos de Estugarda ouviram tocar os sinos que "proclamavam" de um novo par.
    Aos comentários laudatórios ao enlace
juntavam-se as habituais frases invejosas das damas solteiras para quem um casamento se torna sempre motivo de comentários malévolos ou invejosos e raros os prazenteiros e sinceros. Aquela Magdalena Louise por certo não merecia mais do que elas, já com tal idade, conseguir um marido, com belo emprego e, para mais, alguém que vindo de fora tinha já prestigio e futuro garantido. Ora, talvez nem fosse o que parecia. Até talvez Maria Magdalena Louise se viesse a arrepender de dar um tão arriscado passo.
    A época não predizia bonança. O século trouxera críticas sociais de todos os lados e uma mentalidade nova pairava no ar, sem certezas do rumo que tomariam tantas novas ideias.  Muitos sonhavam com boa fortuna e novas ideias, outros franziram o nariz desconfiados e pessimistas, pelas notícias que se ouviam de futuros incertos, sinais de revoltas e crescente miséria.
    O tempo passou e, em Agosto, em pleno verão do ano de 1770, um som de choro de bebé ouvia-se na casa dos Hegel. Era o primogénito a soltar os seus primeiros vagidos. Nesse dia, sentado na sala, nervoso em extremo, nas horas incertas, à espera de ir ao quarto ver a esposa e o seu rebento,  Georg Ludwig meditava. Sonhava já com os crepúsculos em que chegaria a casa, cansado,  mas iria  ouvir a esposa cantar ou recitar versos às crianças, que encheriam de risos a sua habitação e as redondezas. Por tudo isso, com certeza, Herr Hegel rejubilou,  logo que soube que era um rapaz. 
    Bem mais tarde a voz de Georg Willelm, Friedrich Hegel ouvir-se-ia pelas cidades da Prússia, de toda a Alemanha e, por fim, por todo o mundo. Por ora, a mãe completava 30 anos e já não se pode dizer que a sua idade fosse muito comum na época para ter o primeiro filho. Mas aquela ainda podia ter uma bela família. Seria um lar burguês  feliz, onde a voz paterna se faria ouvir por todos e criaria laços de serenidade numa paz de um lar abençoado pelos céus. A família Hegel ainda teve mais filhos, o segundo, nasceu no ano de 1771, morrendo quase logo a seguir. Uma sombra que depois se dissipou um pouco com o nascimento da única filha que sobreviveu à infância, Christian Louisa,
que nasceu em 1773.  Os outros filhos nasceram mas morreram pouco depois não sobrevivendo à infância. Em 1774, 1777 e 1779 a esposa de Hegel deu à luz crianças que não sobreviveram.
    Apesar destes sucessivos desgostos com seus filhos mortos, os pais ainda podiam alegar-se pois ainda lhes nasceu mais um em 1776, que se tornou no benjamim da família. Ao todo nasceram 7 filhos, mas apenas 3 sobreviveram. A proximidade do primogénito com a única irmã manteve-se toda a vida, mas já o irmão mais novo teve fortes problemas familiares.
    Georg Ludwig não teria um destino feliz. Com uma séria inconformidade com o carácter e ideias do pai por causa da sua rebeldia e de aceitar as ideias revolucionárias que tanto irritavam o pai iria alistar-se no exército napoleónico. Tendo apenas com 26 anos, foi como oficial na campanha contra a Rússia de onde nunca voltou. O seu desaparecimento já não causou sofrimento a sua mãe que já morrera.

 

 

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Figura 3 - Moradia da família Hegel e onde o filósofo nasceu em 1770.

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Na infância do primogénito, o pequeno George, que a família e amigos chegados tratavam todos por Wilhelm, ainda era possível esquecer as vozes e sons de revoltas e guerras e ter sonhos coloridos carregados de fé num pietismo conformista. Aquela família, como tantas outras em tantas épocas, o pouco que queria, iria ser impossível querendo tão pouco
    Madeleine Louise, em solteira tornava-se muito prendada e, entre outros conhecimentos, aprendera Latim e ajudou ainda o filho mais velho a aprender essa língua. Bem cedo, Wilhelm, com apenas três anos foi para a escola e aos 5 já estava na escola de Latim. Depois, seguir-se-ia o liceu da cidade até aos 18 anos e, por inclinação pessoal, influência do pietismo materno, entrava no Seminário Teológico de Tubinga a terra natal de seu pai.

    A morte da mãe ocorreu quando tinha apenas 13 anos e os dois irmãos mais novos ficavam órfãos ainda bem cedo.. Hegel, pai, ficava viúvo com dois filhos ainda na infância. Christian Louisa com apenas 10 anos e o pequeno Georg Ludwig, somente de 7 anos. Por certo que as esperanças de uma vida feliz desapareciam do horizonte do velho Hegel, que nunca chegou a ter uma forte relação e influência nos filhos. 
    Para além da morte dos quatro filhos, o falecimento, ainda tão  nova da esposa, e as discórdias de Georg com o pai mostram que a vida se apresentava  amarga e carregada de desilusões, sem aquela alegria e felicidade que tanto esperara. Além da longa viuvez solitária, o grande desapontamento de Hegel pai tornou-se na falta de entendimento o pensamento dos filhos. Também não seguiram os ideais religiosos de sua mãe e afastaram-se cada vez mais da família ao entusiasmar-se pelos novos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade que chegavam da França.
    Hegel pai ainda viveu 16 anos sem a esposa e, só em 1799, contando 66 anos de uma vida em que seus filhos tanto o desapontaram que poucas alegrias e muitos desgostos lhe deram. Entretanto, a filha única, Christian Louisa, que recebera em criança uma excelente educação através da mãe, não mostrava sinais de uma personalidade estável.
    Sendo solteira, já após a morte do pai  obteve um lugar de governanta na casa do Conde
Josef von Berlichingen,[ii] durante 7 anos, de 1807 até 1814.

 

Figura 4 - O conde Josef von Berlichingen (1759- 1828)

( Uma das figuras de mais relevo intelectual e militar dessa época na região da Prússia )

 

 

Tratava-se da Casa de uma das figuras de maior relevo de toda a região de Vurtemberga. além de militar de alto renome, em campanhas contra os Turcos, empenhou-se com o maior brio na reorganização das finanças, administração, ensino e a promoção da ordem pública da região. A primeira esposa deste ilustre e culto conde, Charlotte Sophie, morrera exatamente nesse ano da chegada  de Christian Louisa.
    Tendo a seu cargo as oito filhas e dois filhos do conde, o seu papel de governanta, em casa de tão ilustre família, demonstra que a irmã do filósofo da dialética não podia ser uma pessoa vulgar. Porém, o seu estado mental piorava e contraiu uma depressão tão grave que teve de ser internada. Já o primogénito teve uma sorte que parecia bafejá-lo escapando da morte de seus irmãos que morreram na infância. É certo que o desgosto da morte da mãe parece que o afetou profundamente, mas o seu interesse pelo estudo não parava de aumentar. A sua mente indicava uma excecional capacidade linguística e a sua curiosidade parecia inesgotável.
    É quase impossível conhecer tudo o que Hegel aprendeu. Esses conhecimentos foram-se depois estruturando e amadurecendo até transformarem a mente desse homem numa fornalha ardente de dados e de erudições, de tal modo ambiciosa e de tão amplas horizontes que quis abarcar todo o conhecimento cientifico do seu tempo colocando-o sob a égide da mais racional e humana de todos os saberes: a filosofia.  A filosofia do saber absoluto é uma empresa capaz de assustar qualquer pensador. Mas tal não acontecia com Hegel.

 

Figura 5 - Biblioteca de Tubinga

 

 

 Munido de um saber invejável da ciência, da literatura e da filosofia do seu tempo, captou diferentes formas de pensar a Antiguidade, os grandes autores clássicos e seus contemporâneos com o grande privilégio de conhecer grandes personalidades da sua época e obras que até então eram do conhecimento geral, mas que em Hegel se transformavam num mundo interior de uma riqueza espantosa. Enumerar os seus conhecimentos e esclarecer as áreas que dominou desde cedo é entrar na mente de um génio.  
    Quanto realmente vislumbrou a tarefa que na sua mente se desenhava, teve uma intuição fulminante. com boas  razão tornou-se orgulhoso do seu saber, irritava-se quando era contrariado e, cada vez mais, a ânsia de publicar a sua obra demonstra claramente a consciência que tinha do desdobrar das linhas do seu pensamento. Tratava-se de um louco genial dos que raramente aparecem na senda da humanidade.

 

Figura 6 - Imagem de Schopenhauer e Georg Hegel  ( Pintura )

 

 

Hegel é o arauto de uma filosofia que se quer afirmar a ciência do absoluto e os sonhos de uma Alemanha a abarrotar de Estados com aspirações crescentes de ser um império do Mundo. Ora o seu otimismo remete para esperanças no futuro, ora uma pesada prudência envolve o pensamento de sombrios receios. Por entre todos os pensadores, Hegel consegue erguer o último sistema filosófico que, pela sua estrutura e pelo seu método, se conseguiu impor mesmo com todas as às transformações do pensamento europeu jamais pode ser igualado.  

 

 

 

 


 

 

Bibliografia consultada

 

 


[i] Nota O rigor das datas e dos datos estão em dois trabalhos: 

    A biografia de Canfora/Froebhttp (http//hegel.net/en/hegelbio.htm 11.12.2013 ), é  considerada a mais rigorosa nas datas!

    Terry Pinkard,, Hegel, A biography, 2001,Cambridge, University Press,  U.S.A..

[ii] Wer war Joseph von Berlichingen?  ( http://www.pantoia.de/Goethe/Hermann/Berlichingen/1825/vita.html 1.02.2014. )

 

    Outros:

 

1. Kunder, Leandro, A Razão quase enlouquecida, Editora Campus, 1991. (  http://www.afoiceeomartelo.com.br/posfsa 2-02-2014 )

2. Reis, Alfredo, Filosofia, Edição Contraponto, Porto, 1990, p126 e p.129.

3.  Rodrigues, Sousa Rui, Luís, Filosofia. Apogeu e Crise da Razão, 1990,Lisboa, 3ª Edição,  p.104.

4.  Serreau, René, Hegel et l´Hégélianisme, PUF, nº.1029, 1971, Paris,4ª édition, pp 6-9.