" Lua, micróbios e Galileu "
Sobre o "Grande" e o "Pequeno" [ * ]
© Lúcia Costa Melo Simas ( 2013 )
Melodias da "proximidade"
[ Pedra, folhas e restos de árvore. Manhã de Verão. Gerês. 2013 ]
© Levi Malho.
Desde o primeiro filósofo que a tentação de olhar o céu leva a acertar pouco no planeta terrestre, sem querer ver onde se põe os pés. Tales de Mileto foi o primeiro desastre e o tombo da filosofia começou. O azar foi logo o de ser apanhado ao cair e a ser alvo de troça bem merecida. Mas mesmo que tenha caído no chão nem por isso deixou de teimar e olhar para o céu. Melhor seria se lhe desse para ver bem o que tinha na frente do nariz: a Terra !
Kant deslumbrava-se com o céu estrelado e isso dava-lhe certezas bem serenas e pessoais, Entretanto outros filósofos, com o olhar sempre perdido para os distantes astros, aterram-se com a sua pequena presença num tão imenso cosmos. Como a filosofia não é da terra nem é do céu, Merleau Ponty resolveu o problema afirmando solenemente e para todo o tempo, na sua lição solene de abertura na Sorbonne, que a filosofia claudicava.
Como a palavra claudicante é soberba e rara, nada melhor do que a usar muita vez e até a dar nomes a muito boa gente que se passou a chamar Cláudio ou Cláudia e ignorar toda a vida o significado do seu nome, marchando a compasso como os seus semelhantes. Cada vez que se olhar para cima, o que nem sequer é frase cientificamente correta, constroem-se milhares de suposições e teorias que vão derrubando as anteriores. Desde a abóbada celeste comparada com o céu da boca e o fogo que ardia por trás da espantosa carapaça que se movia sobre as nossas cabeças, de modo a poder ver os diversos buracos do fogo semidivino, semi-científico a engenhosidade humana arquitetou os mais diferentes céus e corpos celestes. Em todas as ciências, os seres humanos temam sempre em olhar mais para o longe do que para o perto.
É muito difícil de entender a causa que leva tanta gente a olhar para cima sem querer saber onde põe os pés?
Tão forte é a ideologia que dentro dela só se consegue ver o que nos dizem ser correto. Aprende-se sempre sobre um erro anterior mas o problema começa em não saber onde está o erro. O tempo de aprender por livros antigos não acabou. Agora com a pressa das ciências um livro já está fora de rigor científico quando entra em circulação.
Quem tenta responder a uma questão desafiante só o faz quando se revolta contra as evidências oferecidas. Mas oferecem-nos tantas evidências amáveis e convincentes que só as crianças desconfiam de que lhe estão a mentir. Entre o micro e o macro cosmos, apercebemo-nos da interpretação do que se diz realidade que a sociedade impõe. Nem precisa de teimar muito pois se aprende sempre nas escolas que aqueles livros não estão errados e verdadeiramente só mentem os poetas e os sonhadores cada vez mais mal amados. Podemos estar num labirinto bem redondo e correr sem sair do mesmo lugar, como naqueles belos jardins ingleses onde qualquer visitante pode ficar lá longas horas à espera de socorro. A realidade, a que nos apegamos com tanta teimosia, não passa de uma simulação que, desde a infância, construímos diligentemente com a ajuda também diligente dos educadores ou de quem julga que é.
Há teias que se tecem de geração em geração nas mentalidades sempre prisioneiras do coletivo. Tudo são interpretações de outras interpretações e assim sucessivamente. Que levou Galileu a levantar o óculo para o céu e querer ver longe quando tudo ao perto gritava para ser observado? O certo é que os óculos e as possibilidades de ter um microscópio vêm muito de longe. Os holandeses, ao mesmo tempo que aperfeiçoaram o telescópio, também podiam estudar as possibilidades de um microscópio. Mas o microcosmos não interessava a ninguém.
Foi o orgulho que levou a olhar para a grandeza em vez de olhar para o mais pequeno e humilde?
Os esforços para atingir o céu só nos roubaram a terra. Afinal, com os mesmos aparelhos, apontados na direção oposta podia-se ter descoberto o perto mais cedo do que o longe. Causa espanto que se teimasse em olhar para os céus em vez de humildemente curvar a cabeça e reconhecer outras maravilhas do mundo real. Era possível ver como se podia curar tantos males da humanidade através do micro em vez procurar o distante macrocosmos.
Não há “ses” na História. Fica a pergunta e também imaginar o que fazia correr os sábios e cientistas para contrariar Aristóteles. Este foi um filósofo com muita sorte. Apesar de ser da Macedónia, de ter sido pedagogo de Alexandre Magno nem por isso foi corrido da Grécia, nem teve o azar de ser perseguido como a maior parte dos pensadores que querem saber tudo. Mas o Estagirita foi mesmo apelidado, por um bom historiador de filosofia, Jean François Revel, de “o homem que podia explicar tudo”. A sua escola peripatética teve boa fortuna e, se bem que Rafael, já no renascimento, o pintasse a contrariar o seu mestre Platão, a apontar para o chão, tal noa foi bem assim pois o homem além de teimar que sabia tudo deixou uma tal herança que poucos, no planeta inteiro, se podem orgulhar de durar tanto!
Atravessou séculos com todas as suas virtudes e erros, aceites e engolidos sem pestanejar. Só uma pessoa que goste mesmo do ócio se podia dar ao luxo de tentar condenar um homem tão perniciosamente admirável. O filósofo da magnanimidade, da grandeza do leão, ainda chegou fresco e vivo ao século XXI nos seus liceus que se esvaziam para se tornaram em museus. E o filósofo atravessou sempre refrescado todos os séculos para desembocar na dialética, na retórica e na política e, nunca tanto como hoje, em demagogia, agora nem se sabe por culpa de quem. Todavia, os seus erros davam para condenar mil e um cientistas e filósofos que tivessem a paciência de duvidar de tanto saber. A culpa de Aristóteles é tão grande como a sua sabedoria o que quer dizer que nem a podemos julgar. O grande e inteligente São Tomás, depois de o batizar, muito e muito o leu e melhor o deixou anotado para mal dos pecados dos que por este mundo queriam ver mais do que nos livros já estava assim tao descrito e de acordo com o Mestre! Contrariar tão alto saber foi uma luta de gigantes teimosos que pagaram caro em o negar ou tentar sequer confundir. O homem que tanto sabia tornara-se já no homem que tinha o Poder.
Depois é como em todos os tempos. Qual é o Poder que não quer aprisionar o Saber?
A corrida ao espaço foi com ameaças, sangue e terror. Contrariava o senso comum e a teologia da época. A descoberta de heliocentrismos ou geocentrismos, na época não mudaram em nada a vida do comum dos mortais. O “Sidereus Nuncius” (1610), ou “O Mensageiro das Estrelas” nome belíssimo, é uma obra espantosa, fruto de descobertas perturbantes no meio de cientistas ou teólogos contraditórios, teimosos e casmurros. Paradigma de uma “Revolução Científica”. O “Sidereus Nuncius” é o notável livro em que Galileu Galilei (1564-1642), por causa de uma luneta, nos dá um pontapé fora do centro do universo.
A pergunta terrível é porque razão, Galileu era assim teimoso mesmo atrevido, mesmo com os bons amigos a aconselharem um pouco de prudência. Se tivesse olhado para o chão e se interessasse pela vida das formigas, das plantas, dos vermes que mundo não nos teria dado?
As ciências que floresceriam hoje seriam bem diferentes passados estes séculos que se aceleraram como se o tempo envelhecesse! Galileu ainda pôde ser chamado filósofo se bem que até até a obra de Newton se chamou tanto tempo filosofia. Galileu cometeu um erro tão grave que nem se compara com o que António Damásio diz do “erro de Descartes”.
Figura 1- Interpretar a partir de onde e para quê?
Olhou para cima em vez de olhar para baixo. Damásio quis esquecer os séculos que separavam as ideologias das épocas, pegou no passado plantou-o no presente e deturpou, com imenso êxito pessoal, a filosofia cartesiana que abrira as portas à Modernidade com a Filosofia. E Descartes (1596-1650) também era matemático e cientista, teria sido mais um que podia ter reparado no micro cosmos com êxito de médico e de estudos da luz.
Com um pouco mais de calor na sua lareira e esquecendo-se de convites de rainhas, nunca teria a fatal ideia de emigrar para a Suécia. Ele, que tanto detestava o frio, a andar pelas 5 horas da manhã nos corredores do palácio, para dar explicações a Cristina da Suécia que de nada lhe iriam servir e foi a morte mais apressada do bom Descartes. Se tivesse olhado para o fogo a arder na sua lareira talvez mais sorte tivéssemos e Descartes arranjaria uns bons óculos e, dando mais um passo era um microscópio e iria comunicar ao amigo Marin Mersenne, matemático, teólogo e sábio (1588- 1648) e este, diria Eureka, em vez de andar atrás dos primos de Mersenne e ter um asteróide em seu nome ajudava a descobrir, o que bem se precisava, as bactérias, os micróbios e todo o maravilhoso e perigoso mundo das armas químicas, mas antes das vacinas, do terror da raiva, de mil doenças fatais.
Mersenne, nos nossos dias seria o dono de um computador ao qual chegariam milhares de e-mails carregados de perguntas e respostas de todas as ciências pois pode dizer-se que se pôs em contacto com o que de melhor da cultura existia no seu tempo.
Figura 2 - Padre Marin Mersenne
Em vez dos números primos de Mersenne, estes cérebros todos, matemáticos como também o contemporâneo Gassendi, olhavam para o chão que pisava, Aliás com muito mais razão do que nós tendo em vista o prosaico caso de terem muito mais pulgas do que nós.
Quando Galileu apontou o óculo para o lado errado cumpria um paradigma pedido quase exigido pelo social. Todos estavam com os olhos pespegados lá para o alto, para a esfera celeste, o Sol ou a Iua. A espantosa Ilha de Tycho Brahé (1546 – 1601) e o seu espantoso observatório a que ele chamava o seu castelo do céu “Uraniburg”, é algo que resulta dos mais precisos e rigorosos estudos de 35 anos devotados à observação do céu antes da invenção do telescópio. A sua persistência merecia melhor sorte, apesar de todos os meios que o rei lhe ofereceu com a dádiva da ilha. Kepler chegaria ao contacto pessoal com o grande Dinamarquês, já emigrado na Cidade de Praga, pouco antes da sua morte.
Figura 3 - O Sonho dum persistente Visionário
Museu de Tycho Brahe
As lutas pela celebridade são de sempre e os cientistas não escapam. Cometem-se loucuras para seguir obstinadamente um objetivo quando pode outro maior está mesmo ao lado. A curiosidade nasce já sobre uma vaga certeza tecida de suposições que se acreditam sem pestanejar. A cultura científica tece-se em livros e a figura de Galileu moraliza, escandaliza, provoca para tudo o que se deseja menos para o que realmente interessa. Deveria servir, mais do que tudo isso, para ser um modelo de persistência e de amor à ciência, exemplo de estudo, tenacidade, de busca de uma certeza que acreditava ser verdade. Foi um erro também. De olhar para o longe quando o perto revolucionaria bem mais a vida humana.
Um cientista como Galileu não é nem um mito, nem um ícone mas ideologicamente um prisioneiro, como todos nós, da mentalidade da época. Devia servir de exemplo para a verdade e também para o risco de errar. Para poder pensar que há sempre falsas evidências e o mundo sempre anda às avessas. Enquanto os europeus pasmaram com as manchas no sol, há milhares de anos atrás, os chineses já as tinham visto a olho nu, mas como Aristóteles não era chinês nem a sua religião era da perfeição e Deus não parara nunca o sol para dar a vitória a um povo, os chineses continuaram a trabalhar na terra miseravelmente e nem por isso concluíram que era preciso construir lunetas.
A conjunção da astrologia dizia muito mais a esse povo até descobrirem que podiam criar um vírus que se espalhou por todo o mundo e é o “Made in China” ou mais reduzido o símbolo fica só de C CE.
Repare-se na contradição do oriente e do ocidente para ver que é a história das mentalidades que age em cada um de nós de forma a aceitarmos tudo o que os livros nos dizem com a chancela de oficialidade. Chineses, dinamarqueses, franceses ou italianos, velhos ou novos aprendemos a pensar como nos ensinam que está certo. O correto é o geral, as minorias, quando passam a maiorias, perdem a verdade e criam bolor. Este nosso frágil “real” é tão construído pelas ideologias que estas são as verdadeiras mentoras das marionetas que somos em suas hábeis e inconscientes construções de mentalidades.
Figura 4 - Se alterasse o "Objectivo", o Mundo seria "Outro" ??
Olhar para as estrelas ou olhar para o microcosmos?
Estamos cegos! Não vemos!
Pode dizer-se isto ontem, hoje e amanhã. O pé perde segurança quando sabemos que o chão se move, a mesa estática movimenta-se, o céu não é propriamente azul, os cães sabem que temos medo pelo nosso cheiro e os árabes distinguiam a raiva também pelo olfato e agora tornamo-nos desconfiados quando sabemos que não há “vazio” à nossa roda e o puro ar é composto e se vê o pó nos raios do Sol.
Figura 5 - …. tão pequeno, mas movem-se!!
O microscópio alterou a face da ciência e todavia a força da ideologia é terrível. O grande e sábio Pasteur, só no século XIX acabou com a teoria da geração espontânea de Aristóteles que nunca antes se refutou. Lutou nos hospitais contra a fatal febre puerperal, responsável por dizimar milhares e milhares de mulheres. A estes cientistas das bacterias e micróbios se devem a mudança da vida humana e não a descoberta do heliocentismo. Porém a mudanças das mentalidades é terrivelmente lenta. Após uma palestra acerca dos riscos de beber água contaminada e de usar o máximo cuidado com os micróbios, Pasteur, pela força do hábito bebeu um bom copo de água fresca da torneira.
Figura 6 - Muitas ironias e ainda mais verdades
Amanhã diremos que o Sol “nasceu” com a mesma certeza de que o ar não anda carregado de segredos, cheiros, mistérios que nunca desvendaremos. A humildade do saber deve ser carregada com o peso consciente do que não se sabe. A descoberta do saber é um peso terrível se formos suficientemente humildes para entender quanto há que não se sabe.
"Quod nihil scitur" – Ao menos a obra de Francisco Sanches, 1550-1622) o médico e filósofo e matemático português . Micróbios, estrelas e senso comum. A sopa de onde se tiram colheres de ciência.
OBSERVAÇÃO:
Como homenagem ao docente da Disciplina de "Cosmologia" ( na altura, área obrigatória no 2º Ano --- 3º e 4º Semestre ---das Licenciaturas em Filosofia na Faculdade de Letras da Universidade do Porto ), desde os finais da década de "oitenta" do Séc. XX, até final do Ano Lectivo 2007/2008. [ Professor Doutor Levi António Duarte Malho ]
© Lúcia Costa Melo Simas (Texto) - Regressar a " Os "Trabalhos e Dias" "
© Colaboração na concepção da página - Levi Malho.
Actualizado em 13.Setembro. 2013
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