"  Olhar Atenas"

  •   Tão gregos que nós somos !!

 

    ©  Lúcia Costa Melo Simas ( 2013 )

 

    

 

  Onde está Atenas ?

 [ Campo florido com trevos na Primavera. ( Pormenor ) .Jardim Botânico. Porto. 2008. ]

© Levi Malho

 


     

São Paulo assombrou-se ao chegar a Atenas. Estava lá um pedestal vazio preparado para um deus desconhecido. Sem mais delongas, discursou. Tentou converter os gregos ao deus dos cristãos. E o paradoxo deu-se. Ficámos gregos. Depois a Grécia transformou-se numa referência imprescindível de qualquer cultura ocidental. Passámos a estar sempre em Atenas confundindo o Pireu com a totalidade do território, a democracia, que tão pouco tempo durou, por um tabu nosso que mal se toca se desfaz em poeira, e a convicção de que aquilo, lá naquele tempo e na inteira Grécia era o paraíso político. De Esparta, nem o regime espartano para dietas recordamos. De Delfos, tiramos a Pitonisa, mas multiplicamos imitações. De Creta trouxemos o labirinto e uma multidão de mentirosos. O Minotauro ficou por lá a vaguear por não termos quem o enfrente. Ítaca, Lesbos, Cós, Lacedemónia, palavras, palavras, sons sem ecos.

   Em vez de Jano que vê o passado e o futuro, fomos buscar Édipo, mas depois de ficar cego. Se assim não fosse era um perigo pois reativava o esquecido complexo de Édipo e tínhamos todos os dias manifestações anti Freud.

 

Para desespero de um poeta francês, Clément que só é recordado porque grita “quem nos libertará dos gregos?” estamos sempre a regressar à Grécia como se fossemos órfãos sem aquela mãe que nunca existiu.

    Cada época inventa uma Grécia com os seus mitos, símbolos e heróis que nunca existiram para existirem sempre na ressurreição fatal do ocidente. Helena não é a grega e passa a nome feminino, os helenos todos estão transformados em estudos helenísticos e os gregos causam a desordem geral no mundo por causa de uma dívida que se multiplicou por milhões e biliões até toda a gente falar como se fosse Onassis em riquezas, só que ele era Aristóteles e Onassis também, o que dá uma mistura explosiva que não atingimos.   Local por onde passaram muitos impérios poderosos, macedónios, turcos, árabes, otomanos, e mais e mais bizantinos até que os gregos se habituaram a emigrar e o resto do mundo a regressar lá.

Epaminondas, Ulisses, Sócrates, Eurípedes, Péricles universalizaram-se em nomes de pobres crianças fadadas com destinos que deviam ser imortais e são tão atentos à sabedoria como à leitura de um livro sem gravuras e mais de 10 páginas. Todavia,  cada vez vai mais gente a Atenas quando está cá e o pó do Pártenon cobre a velha Europa e ameaça chegar até aos chineses.

 

    Para minha desgraça, aprendi grego, coisa de que gostei muito mas nada recordo. Ficou a frase “Vaidade das vaidades e tudo vaidades”  ( Ματαιοδοξία των ματαιοδοξίες και όλων των ματαιοδοξίες ) que nem grega é, pois veio de Roma e pertence por justiça à Judeia. Mas os gregos não são ladrões, são passagem. Obrigatória sempre, mas para esquecer mais de metade e depois tornar-se em recordações de outras recordações. Também não são mentirosos, mas inspiradores e teimosos. Regressam sempre.

    Inventaram a política, inventaram a relatividade, a eternidade da mitologia, a sabedoria, a astrologia, a matemática, a cronologia. Inventaram tudo o que existia sem eles, mas só eles deram a volta ao mundo. O bastante alemão Heidegger escreveu: “A filosofia fala grego” e isso foi pior do que o despeitadíssimo Nietzsche agarrar no Sócrates e estrangulá-lo com as próprias mãos, enquanto teimava em derrubar Cristo. Nem uma coisa nem outra. Ficou tudo na mesma, mas acrescente-se que inevitavelmente grego. Os gregos esculpiram estátuas, mas muito mais do que isso, esculpiram gerações de gente assombrada com tanta sabedoria junta. E continuam.

   Agora somos mais gregos do que os gregos! Vamos para lá, num sítio de nenhures onde saltitam mitos, alusões, ilusões, numa imensa plateia onde somos espetadores e atores, nunca sabendo o papel de cor. Reduzimos a Grécia a Atenas na tentativa de protagonizar um herói qualquer que jamais existiu. Mas, tal qual são os maus alunos, esquecemos o lado negro e real dos gregos.  Os seus deuses são vingativos, divertem-se a fazer sofrer os mortais, a sua democracia foi um arco-íris, os seus mitos são o nada de que Fernando Pessoa queria fazer tudo, esquecemos que a “Moira” ou o destino é implacável e que a Fortuna, se é uma deusa, é caprichosa e, o que hoje é a Fama, outra deusa perigosa, amanhã é lama no chão que se pisa.

 

     Deles retiramos os jogos Olímpicos, mas não paramos as guerras nem por uns minutos. Estudamos os mitos, mas não usamos a sua sabedoria, demos um valor louco à palavra, mas o que nos vale é o dinheiro. Usamos os gregos até já nem serem gregos nem nós coisa alguma. Por entre mitos e símbolos, esfinges e cidades reduzidas a pó, não distinguimos nada, tratamos coisas como gente e gente como coisas. Aprendemos por obrigação e não por alegria. Trocamos direitos por Reduzimos a democracia a demagogia, inventamos milhares de falsos Demóstenes a palrar no vazio, colocámos o pedagogo que era o escravo a carregar os livros do seu senhor, em senhor carregado de livros que nunca lê. Fizemos da pedagogia uma ciência experimental e dos jovens alunos cobaias. Depois vem o rótulo do insucesso escolar que é cómodo mas nada se resolve.

   O direito e a sacralidade da lei passaram a tortos e amorais. A polis, era a cidade para os cidadãos, e dela fizemos o político, a mais triste figura institucional, até que ninguém, que seja honrado e sério, quer ser com medo de ganhar milhões mas em troca perder a alma, a vergonha e qualquer paz de espírito, pois até o espírito perde.  Quando a amizade se vende por ganância, o deus do homem é ter poder e riqueza, sem olhar a meios, enganar toda a gente e até a si próprio. Usamos um punhal escondido nas palavras mansas, uma perfumada mentira e a filosofia fala mesmo grego porque ninguém quer ter o trabalho de pensar por si. Se isto cheira a moralismo com bolor é porque se pode pensar no Paraíso terrestre postado numa Acrópole que inventamos em cada época.

   Nunca saímos do chão da Grécia, se olharmos se roda, sem ilusões. Os mitos eram sabedoria a rodos, mas só raros a guardaram e menos a usam. O riso da escrava está para o filósofo Tales de Mileto, que olhava para os astros, sem olhar para onde punha os pés, assim como a troça do político para os pobres depois dos votos.

    São Paulo não voltou a Atenas. Na ágora, ninguém sacode as sandálias, pois agora o que se dize ser político e se comporta como “animal político” só usa sapatos Louis Vuitton, fatos Gucci, olha para a estátua que espera um deus desconhecido e, depois de estar em meditativo êxtase, grita, qual Arquimedes a sair do banho: Eureka!  Eureka!

   ---- Este deus não é nada desconhecido! Chama-se Dinheiro.

 

  Depois olha à roda e vê crianças. Se for político tem de as beijar para guardar foto. Em seguida, dirige-se aos gatos pingados, que sempre o acompanham e pergunta em voz baixa:

    ----São crianças ou são anões?

   

    O cérebro de um bom político nunca vê gente. Vê votantes. Parafraseando António Gedeão: “Vê gigantes? São gigantes. Vê moinhos? São moinhos?” Por isso vê votantes? São votantes. Mas D. Quixote ensina a governar loucos e o político é um louco que governa gente que foi por uns tempos adulada, acarinhada e carregada de promessas de bem querer: ---- Os Votantes!
    Depois, cada vez há mais idiotas, no sentido de nada querer com política e mais as palavras são raras, preciosas e o peso do silêncio aterraria se o pudéssemos ouvir. Entre o insucesso escolar e o insucesso político dançam milhões. Nunca se necessitou tanto de insucesso escolar. Dá emprego e dá esperança Assim, há mais lugares para todos, para professores, explicadores, livros e mochilas novas. Se não nascem crianças, multiplicam-se por anos de estudo e o número aumenta. A estatística é uma ciência e o insucesso escolar é a provada inteligência dos alunos. Crescer? Para trabalhar, não vale a pena. É tão bom aprender a ser grego. Lentamente, paulatinamente que os livros são lindos, coloridos, apelativos apenas pesam demais. Porque se fazem livros tão pesados?

Quando se tinha alegria a, escola pouco tinha, a régua e a tabuada trabalhavam juntas, os livros eram leves por fora e pesados por dentro. Crescer?
 

Só para ser político! E ir na subida de postos, de cargo em cargo de nomeação e não de trabalho, pois na acessão portuguesa, político é deputado, cargo, e mas cargo jobs e mais "jobs for boys". Fala-se por toda a parte em milhões. Dívidas e empréstimos, mas parece que se derretem pois cada pobre grita que está mais pobre.

O vulgo conta tostões, sempre a somar e dividir os trocos enquanto os políticos somam e multiplicam milhões. De vez em quanto lançam um alarme: O Governo vai cair! Alguém boceja. Há petróleo no Alentejo! O povo vira as costas! Há gaz natural no Algarve! As gentes dormem. Há manifestações! O povo pega em sindicatos de autocarros e faz excursões e piqueniques a olhar para Belém e a tirar fotos para levar para casa. Os gregos não se preocupavam com grandes tiradas de palavras. Nem tinham a Avenida da Liberdade. A fatalidade era-lhe familiar mas não queremos aprender. Nem aquele gosto pelas coisas simples da água e de pão com azeitonas. O grego era a maravilha de descobrir tantos infinitos que o finito lhes dava e era tudo fresco e novo. A filosofia não tinha notas de rodapé sem fim, nem era necessário muita frase para saltar luz da palavra. Agora incendeiam-se milhões de palavras e nem dá para uma pequena fogueira. Enterramo-nos vivos em palavras mortas!

Uma frase valia mil Agora, falar grego é dizer o que não se sabe que se diz.

    Os gregos que somos são um parêntesis amargo num tempo qualquer.