" Memórias de Alice. II"

  • Exercícios de "Arquelogia". Vestígios dum "Social Feminino" .

 

    ©  Lúcia Costa Melo Simas ( 2013 )

 

   

 

Rodas da Fortuna

 [ " Pedras de lagar e instrumentos agrícolas" . ( Pormenor) Macedo de Cavaleiros. 2012. ]

© Levi Malho

 


 

 

 

 

 

 

              

  Um retrato que mudou o palco da História

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                   

       As artes foram avaras com as mulheres ao longo da História. A sua condição doméstica e subjetiva não dava azo a aparecer em cena se bem que nos bastidores dos acontecimentos tivessem uma forte influência.
     O retratista podia acrescentar arte ao seu trabalho, mas essa não era a dimensão fundamental da simbologia do aparecer e do representar. Se bem que o retrato, por longo tempo, pudesse ser uma das atividades ou ocupações femininas tal qual o bordado, o piano ou as rendas, não nunca ganhou a tradição do que se considera “a grande pintura”. Já para a tarefa de retratar a figura feminina, quer nas cortes, quer em trocas para mostrar aos pretendentes ou para recordação dos seus familiares mais queridos, foi sempre o retratista masculino que tinha teve nome e relevo para a posteridade. Só houve vagas exceções a confirmar esta regra. Assim, toda a mulher que aparece e podemos ainda hoje ver, é de pintura masculina, mais ou menos famosa ou esquecida.
1 Quadro de Franz Hals Uma sociedade nova onde a mulher surge em forma de ostentação da riqueza. A Burguesia holandesa Caixa de texto: Figura  SEQ Figura \* ARABIC 1 Quadro de Franz Hals Uma sociedade nova onde a mulher surge em forma de ostentação da riqueza. A Burguesia holandesa
       Anteriormente, o retrato tomava uma dimensão bem mais coletiva e histórica. A sua razão de ser, mergulhava profundamente numa finalidade institucional e social para exteriorizar o poder, até na graça de uma dama de sangue azul, a riqueza das vestes de veludos e cetins, brocados e rendas, que uma família apresentava era para o prestígio do nome e da linhagem. Numa família burguesa, o retrato era o modo subtil de manifestar a riqueza do dote de uma donzela. Essas negociações eram bem conhecidas dos noivos e mostram bem a inutilidade de apelar a romantismos. As desconfianças do embelezamento e disfarces das noivas ou mesmo dos pretendentes foram sempre causa de certa frieza nos encontros com a realidade em carne e osso.
          Os quadros e miniaturas serviam de elo para o futuro conhecimento, mas também para criar erros ou imaginários arriscados.

 

 

 

 

Fig. 1- Uma sociedade nova onde a mulher surge em forma de ostentação da riqueza. A Burguesia holandesa

(  Quadro de Franz Hals )

 

       Por vezes, havia surpresas e esses retratos alteravam por completo rumos já há muito traçados.  

 

 

 

 

 Fig. 2  - A arquiduquesa de Áustria, D. Leonor, a dama que encantou El Rei D. Manuel I

                         ( Quadro  de Joos van Clève em 1530 depois do casamento com o rei de França Francisco I  

 

 

                                         

 

       O nosso rei D. Manuel, (1469-1521), casara em primeiras núpcias com D. Isabel, filha dos Reis Católicos, mas que morreu de parto, e de novo contraiu matrimónio, com a sua irmã, D. Maria de Aragão (1482-1517) em 1500, dela teve vários filhos e o futuro rei o infante D. João. Porém, algo estranho estava para acontecer. Quando pode ver o quadro da futura nora, a Infanta D. Leonor de Áustria, irmã de Carlos V (1498-1558), algo inesperado aconteceu e que deixou todos os planos por terra.
         Quando o rei viu o retrato da bela Leonor,  a sua perturbação foi intensa ao verificar a a Beleza da sua futura nora. Ao contemplar a imagem da esposa prometida ao seu filho, a bela princesa de Áustria, D. Manuel esqueceu a esposa morta e pela qual chorara inconsolável, embora por pouco mais de um ano e tudo esqueceu do passado.
    Remoçou e planeou novo enlace, com enorme desgosto do príncipe herdeiro e surpresa de todos, em especial da Infanta, que nunca pensara em casar com o velho rei. O casamento realizou-se pois o poder estava nas mãos do rei e ninguém se atreveu a opor-se a uma mudança, tão imprevista, como repentina. O caso causou forte surpresa na corte e D. Leonor teve de aceitar sem direito a revolta.
        A lenda deixou crescer o rumor da mágoa do príncipe, o nosso futuro rei D. João III que via a noiva, já há muito prometida, passar a madrasta. Com certeza que sentiu amargura e ciúme do rei, senhor seu pai.

   
      Um romance histórico surgiu pela pena de António Campos Júnior (1850-1917) em 1910, escritor açoriano que se dedicou a escrever romances históricos de largo fôlego.

 

 

 

  Fig. 3 -  Campos Júnior.

( Recuperado da grave doença mental que o abateu por tanto trabalhar e muito homenageado no final da vida )

 

 

 

 

Romance histórico de "Campos Júnior"

 

 

   A obra, em quatro volumes, obteve grande sucesso e diversas edições sob o nome de  “Rainha Madrasta” e conta, romanceando largamente, a infelicidade de uma jovem princesa ludibriada e que casou, sem querer, com o velho pai do seu noivo.

 

 

 

"Rainha Madrasta". Romance histórico

( Campos Júnior )

 

 

 

      A rainha, tão jovem e de grande beleza, foi a malograda noiva perdida de um príncipe adolescente e sacrificada pela paixão de um velho rei. Parece que ao avistar o jovem herdeiro lançou um reparo escarninho que mostrava bem como estava consciente da cilada em tombara, sem poder dizer mais do que uma frase, um reparo que mostrava bem a sua amarga desilusão.

     ----  « Es este, el bobo?». 

 

     Na altura, o Infante tinha excelente aparência, garboso e com ar inteligente e de belo porte. A paixão foi uma viragem nos sentimentos do velho rei que parecia inconsolável, mas afinal foi de curta duração esse desgosto.

     Sendo trinta anos mais nova do que o futuro marido, nem uma palavra pode dizer de uma tal mudança que alterava a sua vida por completo. O casamento durou apenas três anos e não passou de um capricho real, mas que mudou muito o rumo da história na Europa
     Porém, o casamento pouco durou, com a constrangedora situação entre os antigos noivos, pois D. Manuel faleceu dois anos depois.  D. Leonor ainda chegou a ter dois filhos do rei D. Manuel. O primeiro morreu muito jovem e seria o infante D. Carlos, a filha, a pequena infanta D. Maria, teve de deixar no nosso país, em 1530, quando em obediência a seu poderoso irmão Carlos para um novo casamento planeado por ele.
           A morte de D. Manuel que, para os nossos dias, até se considera ainda novo, pois no século em que viveu a esperança de vida era muito menor. O rei morreria atingido por uma epidemia que então grassou em Lisboa.

  

      A madrasta, agora rainha viúva, tinha apenas 23 anos de idade, estava em plena mocidade mas recolhera-se imediatamente ao convento. D. João opôs-se à grande clausura da sua madrasta. Mudou a sua estadia para mais perto da corte e ia muitas vezes visitá-la. O afeto pela rainha, outrora sua prometida, parecia vivo e D. Leonor não aparentava ser insensível a isso. O dote também era algo que teria de ficar em Portugal se o casamento se realizasse, e o duque de Bragança, D. Jaime, foi um dos que defendera o enlace real. A afeição de ambos era real e, a atestar o facto, ficou escrito no capítulo duodécimo da parte I dos Anais de D. João III de Frei Luís de Sousa.

     A construção social da identidade de noiva que se tornara madrasta e depois viúva do pai do novo rei, só podia manter-se com um forte domínio da pressão cultural e religiosa. A ideologia religiosa com toda a dominação comportamental de uma educação com hierarquias bem definidas é o que levou a algum equilíbrio entre estas duas personalidades. Todo o quotidiano de D. Leonor era pautado por severas práticas e devoções religiosas que a ocupavam o tempo todo. Se bem que pudesse parecer uma pessoa com alguma liberdade, sendo rainha viúva, o seu comportamento era vigado e programado para uma vida dedicada à oração e práticas religiosas que não se iriam diferenciar muito das abadessas conventuais.

         Porém, algo fora do rigor da clausura perturbava as atentas diplomacias. O embaixador, Cristóvão Barroso, informa o caso para Castela. As visitas do rei ao convento já pareciam excessivas e não aparentavam ser só por simples delicadeza, ou cortesia, tanto que ambos eram ainda jovens e tinham sido prometidos em casamento.

Ao que se sabe, já em Lisboa o mesmo pensamento e boato se espalhavam, mas o povo via com agrado tal matrimónio. De modo diferente pensava Carlos V, que se opôs energicamente a que sua irmã continuasse no nosso país, e mandou pedir a D. João III o seu beneplácito para que a rainha viúva voltasse para Castela.

 

 

Fig. 4  Nota de cinquenta escudos, largo tempo a circular no século XX.

( A formosa rainha Leonor mostra aqui algumas semelhanças com o retrato da sua irmã, a Arquiduquesa de Áustria, e Infanta D. Catarina, que foi esposa de D. João III )

 

 

5 A rainha de Portugal, D. Catarina, irmã de D Leonor e esposa de D. João III Caixa de texto: Figura  SEQ Figura \* ARABIC 5 A rainha de Portugal, D. Catarina, irmã de D Leonor e esposa de D. João III
       O nosso rei D. João já então contraira matrimónio com a D. Catarina, em 1525,a própria irmã de D. Leonor. Porém, nem mesmo isso, tranquilizava ninguém.

 

 

 

 

Fig. 5 - A rainha de Portugal, D. Catarina, irmã de D. Leonor e esposa de D. João III

 

 

 

6 O Altivo e poderosíssimo Carlos V Pintura de Ticiano Caixa de texto: Figura  SEQ Figura \* ARABIC 6 O Altivo e poderosíssimo Carlos V Pintura de Ticiano
     Houve ainda hesitações da parte de Portugal. O Imperador insistia porque já planeava casar a irmã com um seu aliado francês e, finalmente, com o próprio rei de França, Francisco I.

    Há um aspeto da política portuguesa que evitava a saída desta rainha viúva. Terá sido o mesmo que não permitiu que saísse de Portugal a sua filha, a Infanta Maria. Uma princesa que muito cedo se viu privada de mãe e cuja vida foi estudada por D. Carolina Michaelis de Vasconcelos.

    É uma figura singular nas letras, economia e na política na Europa. Temos de ver que era, na altura da sua juventude, a princesa mais rica da Europa inteira, ou até do mundo inteiro

 

Fig. 6 - O altivo e poderosíssimo Carlos V

( Pintura de Ticiano )

 

 

 

       A conjugalidade e a afetividade não eram uma unidade como depois aconteceu na grande família burguesa. O interesse político e a continuidade do nome da família só davam realmente à mulher um sentido mais elevado pela maternidade. A polidez e a doçura de tratamento juntavam-se ao apoio que a Igreja concedia à mulher, logo que esta fosse submissa e obedecesse às ordens masculinas.
          Tudo isso tinha mais força quando surgia a maternidade, a maior glória de qualquer mulher, que ficava comparada à Virgem Maria.

    D. Leonor teve dois filhos do rei D. Manuel. O primeiro morreu jovem, seria o infante D. Carlos e a filha, a formosa infanta D. Maria, que teve de deixar no nosso país, em 1530, quando obedeceu a seu irmão.
   
      Qualquer afeto devia submeter-se aos interesses superiores da sociedade e especialmente quando as “razões de Estado” falavam mais alto.
 D. João III teve de consentir, e D. Leonor saiu de Portugal em 1530. Contava então 34 anos de idade e vivera no convento oito anos.  Em breve, a bela Leonor casava de novo com Francisco I, viúvo e rei de França, a 4 de julho de 1530 e era coroada rainha de França em 1531. Esta era mais uma união política e de reconciliação entre as casas de Valois e de Habsburgo.

 


   

 

Fig. 7 - Um rei renascentista, Francisco I

( François Clouet demonstra, nas suas requintadas e ricas vestes e adornos, reside a nova mentalidade )

 

 

Fig. 8 - Retratos de D. João III

( Autores desconhecidos. )

   

    Com o tempo, o ar melancólico e a piedade deste rei que muito sofreu, pela perda de todos os seus filhos, decadência do Império  e uma corte cada vez mais triste, não trouxeram alegrias para um Portugal à beira da ruina…
     A Rainha, ao que parece, sentia-se muito infeliz e deslocada numa corte corrupta e entregue aos prazeres, com um marido mais do que infiel. A sua vida mostra um recato de todo contrário ao estilo palaciano francês. Foi educada com um sentido de obediência absoluta, mas sabia música, gostava de ler e era culta.
    Vinda de um convento austero, onde folguedos e festas não apareciam de um país que não interessava à política do rei, foi mal recebida por este.
    Apesar de ser ainda bonita, nela o rei via um representante de um grande e odiado inimigo. D. Leonor não se adaptou nunca à corte francesa que também a hostilizou. O rei era um exemplo do Renascimento, protetor das artes e das letras, adorado pelas damas que o disputavam entre si.
Estes dois matrimónios não deram alegria ou felicidade à rainha D. Leonor, que viveu em França num ambiente sempre hostil, tanto da corte como do povo. Ainda passou 17 longos anos em França, mas sem contentamento, apenas mostrando uma dignidade, realizando obras religiosas e em múltiplas tentativas de conciliação entre a França e seu irmão, o que ainda a tornaram ainda menos aceite. Não era a rainha de França, era a irmã de Carlos V!
          Ao enviuvar novamente, em 1547, tinha já 49 anos, saiu de França, deixou as suas joias reais e, sem pompa nem cortejo real, refugiou-se na Flandres, onde se sabia menos detestada.

    D
epois veio acabar os seus dias em Espanha. O último desgosto que ainda teve foi a frieza do reencontro com a filha, a Infanta D. Maria que deixara em Portugal ainda de tenra idade, quando partiu. D. Maria não quis partir para Espanha porque se sentiria humilhada no seu forte orgulho. Não casara com o Rei Filipe e pensava que a mãe era culpada de a ter abandonado. Este ressentimento e orgulho demonstram que a bela duquesa de Viseu era cruel e vingativa. Mesmo sabendo que não mais votaria a ver a mãe, a infanta mantém-se indiferente.
A infanta mostrou uma frieza e desprendimento total por sua mãe e, pouco depois, D. Leonor morria, naquela sua grande mágoa por ter perdido a filha.
         A bela e poderosa infanta D. Maria, meia-irmã de D. João III, tornou-se senhora de uma casa real, com a sua corte, o seu mecenato e as suas damas. Dizia-se que era muito formosa mas nunca se casou. A sua fortuna, na altura a maior da Europa, dava a qualquer casamento, fora de Portugal, graves preocupações políticas e económicas.

 

 

 

 

Fig. 9 - Litogravura representando a Infanta D Maria, a Duquesa de Viseu e a mulher mais rica da Europa

 

 

     

A complexa personalidade de uma tão alta dama que usava um excesso de adornos pasmoso, para além de ser formosa, intrigava os visitantes que passavam na corte portuguesa e que muito se espantavam por ver um tal luxo. Não se pode negar uma inequívoca vaidade e, por certo, grande vontade de agradar e ser admirada. Rodeou-se de damas escolhidas e bem letradas, mas toda a sua vida foi perturbada por intrigas da política e projetos de casamentos que sempre se goraram. Ficara com uma madrasta que era sua tia e o rei João III era seu meio-irmão. Que sentimentos a ligariam a todos os que a rodeavam e lisonjeavam? 
          A vida das mulheres, muito mais ainda as de estirpe real, serviam de pedras de xadrez no jogo político e a vida da formosa infanta foi assim labiríntica, causada por um retrato que alterou o curso dos acontecimentos.

Foi ainda uma senhora alemã, D Carolina Michaelis de Vasconcelos, que  retirou a Infanta de um certo esquecimento e escreveu acerca do seu modo de vida palaciano, no meio de tantos admiradores, poetas e mil lisonjas. Até ficou romanescamente ligada a Luís Vaz de Camões, num segredo que jamais será desvendado. Sendo a mulher mais rica de toda a Europa e talvez do mundo, o seu destino foi o de uma espetadora das mudanças de um país que vira florescente e acabou por ver o jovem D. Sebastião, seu sobrinho neto, num trono moribundo, rodeado de lobos. Acabou por morrer um ano antes do grande desastre português, perdido nas areias de África.  

      Os artistas famosos podiam também ficar encarregados de elaborar uma cena, um grande acontecimento, um grupo ou uma só pessoa mas o retrato, para que se desejasse que aparecesse, tinha um forte papel de mostrar o poder institucional e social. Os conjuntos eram elaborados propositadamente para causar orgulho, admiração, colocar bem em evidência as distâncias entre as classes diferentes.

 

 

 

                         Fig. 10 - O poder e a pintura.

( Thomas Gainsborough retrata aqui a nobreza rural inglesa. O contraste das vestes da dama é patente, face ao ar afetado do marido, falsamente negligente de caçador. )

 

 

     Eram composições que exaltavam a classe social, servindo bem de instrumentos de autoridade e de grandeza. Traziam um pouco mais de garantia de um poder penosamente adquirido e mais zelosamente ainda guardado.

As damas da nobreza, da corte, da rica burguesia, ou da aristocracia, até há bem pouco tempo atrás, que se contemplam nos quadros, reproduzidos por toda a parte pela indústria cultural ou nas sombras dos museus, têm, acima de tudo, o estilo e a representação que lhes atribui o artista e o seu objetivo. Uma Mona Lisa, que passou a ícone para as massas, é um símbolo já vazio, uma atração já corrompida e sem efeito do despertar da beleza e da graça com que estava iluminado.

No contexto cultural de cada época, as pinturas separavam radicalmente as classes sociais. Um quadro é uma afirmação de poder. Quer a austríaca Maria Antonieta, borboleta que só brilha para causar ódios e invejas, a sempre austera inglesa D Filipa de Lancastre, o inteligente D. João V, numa imitação do rei sol ou do corso Napoleão, quando David o faz coroar-se a si mesmo e a Josefina, são o resultado da ambição levada aos últimos limites. Não há nada de individual em toda aquela pompa em que a figura feminina nada mais é que um belo trofeu da força do poder institucional.
    O pincel de David obedece a um plano do novo Imperador. Ali, no grandioso quadro, David desejava impressionar, causar admiração e que esta se transformasse em respeito e, mesmo cativando, demonstrassem a força da autoridade e do poder da dominação.

 

 

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Fig- 11 - Sagração dos Imperadores de França.

1804. Bonaparte coroa Josefina. Qual o poder mais forte?

( Pintura de David )

 

A afronta ao Papa Pio VII foi aquele irónico e imperioso convite de vir a Paris, coroar aquele que se intitulava Imperador dos Franceses. Para maior humilhação do Pontífice, com aquele orgulho desmedido que tinha, Napoleão coroou-se a si mesmo, o Papa apenas assistiu e abençoou o casal.

Napoleão, Josefina e o Papa Pio VII surgem numa dialética de poder em que Josephine, de joelhos é quem, ironicamente, é a vencedora de toda esta grande encenação. Josephine controla Napoleão e este prende o Papa, vence a Europa, é Imperador, mas está prisioneiro do encanto desta fascinante mulher.

O poder político e o poder religioso surgem à superfície numa antítese. Mas no âmago da vida, na sua realidade que o discurso não diz, é o poder feminino que prevalece e se realiza. Descodificando o quadro de David, vemos o sagrado ser humilhado pela força da razão, mas para Hegel ter razão ao admirar Napoleão ele não viu o Espírito do mundo cavalgando a entrar na cidade de Iena. Viu sim, a superfície da realidade pois a “astúcia da razão” está nas paixões dos homens no rio da vida onde a mulher na sua essencialidade dominadora, oculta o segredo do devir.

 Quando a coroação aconteceu na famosa catedral de Nôtre-Dame, que pensamentos povoavam aquela mente feminina, quando se transformava na mulher mais famosa de toda a França?

Já completara 41 anos e a vida levara-a até ali, guiada por uma boa estrela, com episódios de um jogo de contrastes de extrema singularidade.

Ela, a quem o primeiro marido não quisera apresentar na corte de Maria Antonieta, em Versalhes, por estar envergonhado e embaraçado com os seus modos rústicos, falta de cultura e aspeto provinciano de crioula era agora, mais do que rainha, tornava-se a Imperatriz dos franceses!

 Poucos historiadores trataram a sério a vida de Marie Josèphe Rose Tascher de la Pagerie, (1763-1814) mas Knatpon é considerado um dos melhores investigadores que trataram deste biografia, na maior parte das vezes vista como lenda ou mito, romanceada, sem rigor ou veracidade. 

A ironia do destino trouxera-a da Martinica, onde nasceu, no seio de uma família arruinada que tinha plantações de açúcar. O patriarca era um jogador compulsivo que desejava libertar-se das dívidas e combinou um casamento de conveniência.

Parece que a sorte guiava os passos de Rose. Só veio para a França, porque a mais nova irmã morreu antes de partir para Paris com o rico Visconde de Beauharnais. Assim, veio ela com seu pai em seu lugar no ano de 1779.

 Os sinais da Revolução já se sentiam, quando Rose afinal casou, mas o prestígio da corte ainda brilhava. Alexandre tinha 26 anos e ela 15 e pouco tempo estiveram juntos. Pouco depois, o marido partia para a Martinica, onde lhe era notoriamente infiel e procurava enriquecer com a Guerra da Independência. Por seu lado, ela foi forçada a viver num convento de esposas da aristocracia com excelentes maneiras e rapidamente adaptou-se ao meio. Aí aprendeu os modos requintados que depois muito proveitosas lhe foram. Também ela foi diversas vezes, de novo à sua ilha, mas já não se adaptava ali. Por fim a reconciliação oficial do casal deu-se quando o reinado de Luís XVI estava já agonizante.
    O visconde
ainda teve cargos influentes junto do rei e foi guilhotinado durante a revolução, em 1794, por ser um “aristocrata suspeito” e vagas suspeitas de não ter combatido com bravura.

 

 

Fig.12 -  Alexandre de Beauharnais, cuja ambição era excessiva em riqueza e poder

 

 

 

 Rose, ou Yeyette, nomes pelos quais a família a tratava, foi igualmente presa e suspeita de alta traição. Estava acusada de ajudar realistas e expôs-se demasiado, numa época tão perigosa, sem pensar nas consequências. Quase por milagre, a sua sorte mudou. Escapou do cadafalso, pela queda de Robespierre, um dia antes de ser executada.

Desde esse ano de 1794, que lhe valeu a amizade de Teresa Cabarrus, (1773-1835), depois transformada na famosa Teresa Tallien, 13 A corajosa Teresa que ajudou Josefina e Napoleão foi afastada por ordem de Napoleão que se esqueceu dos velhos tempos e temia essas recordações Caixa de texto: Figura  SEQ Figura \* ARABIC 13 A corajosa Teresa que ajudou Josefina e Napoleão foi afastada por ordem de Napoleão que se esqueceu dos velhos tempos e temia essas recordações
  uma encantadora mulher que casara apenas com 15 anos, com o Conde Fontenay, conselheiro do rei e se tornara amiga de Rose na prisão. A vida de Teresa era já muito conturbada pois, segundo escreve Sousa Costa (pp.578-579) o marido morrera no cadafalso, na “feroz limpeza”da Gironda”.

A esposa teve outro destino. O comissário “Tallien, encadeado pelos olhos estonteantes de Teresa, arrebatara-a ao carrasco”, trá-la para Paris e passa a viver com ela. Robespierre não aceita um tal desacato e suborno. A condessa é presa na aterradora cadeia de  “Force”. Aí fica, por entre “centenas de donas e donzelas destinadas ao sacrifício cruento” e esperam o fim terrível.

 

 

 

Fig.13 - A corajosa Teresa Cabarrus, (1773-1835)

 ( Ajudou Josefina e Napoleão, por ele "afastada", que se esqueceu dos velhos tempos e temia essas recordações. )

 

Mas Teresa é uma lutadora e escreve, na véspera da sua morte, a Tallien. Usou um arame embebido no sangue do seu braço para o avisar:

-----“Amanhã, irei ao cadafalso… Graças à tua insigne cobardia”. (…)


   
O aviso sinistro da mulher amada sobrexcita-o e levanta-lhe o ânimo. Dispõe-se a morrer com ela, ou a salvá-la, derrubando o que a condenara à morte.
Estava-se em Julho, o mês do Termidor, e o poderoso “Arcanjo do Terror”, Robespierre, é assassinado, as portas da prisão de a “Force” são despedaçadas e Teresa sai nos braços da turba em triunfo e cantam: “Viva Nossa Senhora do Termidor.

 

 

 

Posta em liberdade, agora Rose, viúva e com dois filhos, teria de encontrar meios de viver numa nova sociedade em que tinha de saber usar as armas para habilmente poder subir socialmente. A futura Josephine tornava-se numa jovem sedutora, inteligente e calculista, pronta a aprender a sobreviver num meio onde nada tinha nem parecia estar preparada. A pobreza da formosa viscondessa era tal que, tinha de levar a comida, se quisesse aparecer numa festa. O contraste, entre a jovem crioula que pelos seus modos desajeitados, envergonhara o marido Alexandre, e a carismática figura que agora ditava a moda de Paris, é espantoso.  

Para Napoleão tratava-se de uma mulher que trazia "tudo” era nobre, a formosa, afetiva, amorosa, e não pertencia a nenhuma classe em particular, nem nação, sem história peculiar. Pertencia ao mundo, à Humanidade à História Universal. Agora ditava a moda.

 

 

 

 

 

                                                                                                                             Fig. 14 - A obra histórica de L MUBLACH

 

 

 O “advento do Diretório” continua Sousa Costa, é o oposto ao Terror e “sucedem-se as festas sumptuosas nos salões, bailes ao ar livre, o jogo, o luxo, o prazer. Rir, cantar, dançar, gozar, eis o lema da quadra festiva. A nevrose da alegria contra a nevrose do terror.”
   
Paris seria o palco de uma parte singular da sua existência, numa melindrosa rede de ligações políticas e financeiras em que se envolveu. Se adquiria uma reputação moralmente duvidosa, mostrava bondade para quem lhe pedia auxílio e a sua diplomacia já era notória.

 Com uma nova lei do poderoso Barras, em 1795, teve a boa sorte de recuperar os bens do seu marido. Mesmo sendo casado, este ficou seduzido pelos seus encantos. É assim que Rose consegue montar uma casa que, como ela dizia, seria um hotel “à minha altura”.

Os comportamentos de Rose e de Teresa eram de uma grande liberdade de costumes,o que mostrava bem a dissolução social da época. Ambas tinham ligações bem duvidosas num período tumultuoso de transição do Diretório. A chamada “Juventude dourada” compunha-se de antigos aristocratas e revolucionários que tentavam pela excentricidade, marcar uma nova época com fortes contrastes de novos ricos, políticos, agiotas, filhos de aristocratas com um forte culto de hedonismo. As figuras femininas passam a ter um forte papel social com os salões e todos os locais, teatros, estúdios, bailes ao ar livre ou passeios que agora eram constantes. Destacavam-se a bela Teresa Tallien e a crioula, Rose Beauharnais que rivalizavam com Madame Récamier, ou   Mademoiselle Lange.

 

 

                      Fig. 15 - A famosa atriz da época, Mademoiselle Lange

                         ( Pintura de Girodet Trioson que nela se inspirava )

 

 

Teresa, agora conhecida por "Nôtre-Dame do Termidor"  pelas numerosas vidas  que salvou nessa revolução em que se envolveu, continuou uma vida aventureira e, ao mesmo tempo que cultiva a música, a pintura e as artes.

Rose passou a reinar em Paris pela elegância e encanto de maneiras. Tanto ela como Teresa passavam a ser quem ditava a moda. O seu sucesso deve-se também à sedução que exerciam sobre políticos e militares e aos seus salões cuja moda começara e o de Rose era cada vez mais notório.

Diz-se que foi a sua beleza morena e tez pálida, o modo como se movia, a sua voz cálida e baixa lhe emprestavam um carisma que mais ninguém possuía e a diferenciava de todas as outras mulheres. Sabia agradar e jogar com a sedução de modo a ser sempre ela a agradar seduzir e dominar o sexo masculino. Aprendera o jogo da sedução em que era exímia. Vestida com requintada elegância, as amizades que soube escolher abriram-lhe as portas dos salões parisienses passou a ditar a moda e o novo estilo supostamente clássico. Todavia, pode reparar-se como era astuciosa, atenta a todos os pormenores, desde o vestuário, ao cabelo e uso de perfumes, mais uma moda da época, e nunca sorria abertamente pois os seus dentes feios, por causa do tempo de criança em que trincara tanta cana de açúcar. Assim aparece serena e doce em todos os retratos que lhe pintaram.

 

 

 

 

 

 

    Rose de Beauharnais, para se apresentar o mais elegante possível, cada vez tinha mais dívidas. A sua compulsão para as compras já se manifestava e iria agravar-se, mais tarde, de forma astronómica. Com toda a astúcia e com a ajuda dos seus encantos de sedutora, era-lhe fácil pagar as dívidas mais ameaçadoras, pois ela tornava-se na rainha da beleza do Diretório ao lado da ambiciosa Teresa, que abandona Tallien e vai vive com Paul Barras. No castelo de Grosbois, Teresa ocupa o lugar de senhora da casa.

Quando se fala das “maravilhosas” e da juventude dourada, Teresa e Rose foram modelos para um novo estilo. Os “Incríveis” e as "Maravilhosas” mudavam o estilo de vida e a sociedade. Não se tratava apenas da moda, mas antes esta era um reflexo de uma grande mudança social, de uma nova linguagem, de uma liberdade excessiva que trazia os reflexos do tempo de opressão. A moda era apenas a face mais visível das mudanças dos hábitos, das novas formas de ocupar o tempo, os novos gastos e o estilo de vida.
    Saiam dos estúdios dos artistas, as damas vestidas à Diana a caçadora, à Deméter ou outras figuras da mitologia clássica. Foi através de Teresa e de Barras que Rose conhece Napoleão. As despesas e as dívidas de Josephine eram sempre exasperantes para quem as sustentasse e Barras já se cansara de tanta dívida. Para ele, Napoleão era um meio de não ter mais de a sustentar, com todos os exageradíssimos gastos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

   Fig.16 - Nunca mais seria esquecida

 

 

 

 

                            Fig- 17 - O retrato do jovem general

                                  ( Não mostra a tez macilenta, o cabelo ralo e o seu ar taciturno que mostrava nos salões da moda )

 

 

Tudo corre muito rapidamente. O jovem oficial era pobre e a generosidade de Teresa em 1795 valeu-lhe em situação aflitiva em que se encontrava. Mais tarde, Napoleão afasta-a por completo, possivelmente por lhe recordar a dissolução de costumes em que ela e Rose viviam durante a época de consolidação do Diretório.

 Nesse mesmo ano, Napoleão que era então apenas um general sem que se suspeitasse das suas qualidades de estratega e político, conhece Rose de Beauharnais. A sua insistência no casamento foi uma tenaz tentativa de conquista como se fosse mais uma das suas campanhas.

 

 

 

 

 

Napoleão, nunca a quis chamar Rose, optou logo por Josephine, pois assim apagava o seu passado com as suas anteriores ligações e iniciava uma vida nova. O poder e a sedução que exerceu sobre o futuro Imperador foi espantoso. Apesar de todas as discórdias, traições e separações, ele nunca mais a esqueceria. Diz-se mesmo que foi a última palavras que pronunciou antes de morrer no exílio de Santa Helena.

    Ainda demorou algum tempo para que ela aceitasse o casamento que se realizou em 1796.

 

 

Fig.18 - As vantagens deste casamento eram bem mais ponderadas do que o afeto

 

Se, do lado de Napoleão há um verdadeiro fascínio que durará anos, já Josephine hesita, calcula, mede as consequências de tal ligação e teve visão suficiente para ver que aquele general tem futuro e fortuna. A diferença de idade, Napoleão era 6 anos mais novo do que ela, as suas diversas ligações com políticos da época, a má vontade da família Bonaparte, nada evitaram o casamento. As causas dele era uma paixão sem limites e a necessidade de casar com alguém da aristocracia. Não podia esquecer que ela era ainda a viúva do visconde de Beauharnais. 18 As vantagens deste casamento eram bem mais ponderadas do que o afeto Caixa de texto: Figura  SEQ Figura \* ARABIC 18 As vantagens deste casamento eram bem mais ponderadas do que o afeto

Por seu lado, refletindo bem, Josephine pensava como escapara ilesa de mil perigos e agora tinha a oportunidade de casar com um general cujo futuro já se adivinhava altamente promissor.

Todavia, sabe-se por documentação que a sua relação mais longa e forte foi com Hippolyte Charles, 19 A falta de escrúpulos e os negócios escuros uniram Rose e Charles a quem se diz que ela muito afeto lhe tinha Caixa de texto: Figura  SEQ Figura \* ARABIC 19 A falta de escrúpulos e os negócios escuros uniram Rose e Charles a quem se diz que ela muito afeto lhe tinha
um nobre que se alistou no exército e que Rose, 9 anos mais velha, dominava por completo. Os ciúmes e desconfianças do general acerca da fidelidade da esposa eram sempre apagados por ela que o conseguia persuadir de que se tratavam de rumores maldosos dos seus inimigos.

 

 

Fig.19 - A falta de escrúpulos e negócios escuros

( Julga-se que Rose muito afeto tinha a Charles )

 

 

 

A sua amizade com Teresa Tallien, devido ao comportamento escandaloso desta, foi terminantemente proibida por Napoleão: “Proíbo-te de ver Madame Tallien, sob qualquer pretexto. Não admito desculpa nenhuma. Se queres a minha estima nunca transgridas a presente ordem.”

Quando Napoleão tem de partir para a Itália, em 1796, logo após o casamento, já Hippolyte Charles iniciara um caso com a futura imperatriz. A duplicidade de Josephine é pasmosa e usa toda a sua sedução para manter o afeto de Napoleão, cede a ir ter com ele a Milão, mas não abandona Charles.

Entre os inimigos de Josephine também figuravam a própria família Bonaparte, que não aceitava a forte influência que tinha sobre o general. Aumentavam os rumores dos negócios pouco legais em que os nomes de Charles e Rose estavam envolvidos. O certo é que ele enriqueceu e abandonou o exército. 

 

 

 

 

Quando as denúncias das leviandades de Josefina chegam a Napoleão,  este enfurece-se. Porém, Josefina conseguiu sempre convencê-lo de tudo não passava de calúnias. Já na campanha do Egito, chegam-lhe às mãos mais denúncias das traições da esposa. Furioso, Napoleão quer divorciar-se.  Mas o destino mostra-se sempre favorável a Josefina, a carta de Napoleão, a requerer o divórcio, cai nas mãos dos britânicos  e nunca chega a ser entregue ao seu irmão José.

 

 

 

 

 

 “O véu rasgou-se ... É triste quando o coração está dilacerado por tais sentimentos contraditórios por alguém... Eu preciso ficar sozinho. Estou cansado de grandeza;. Todos os meus sentimentos secaram já não me preocupo com a minha glória. Aos vinte e nove anos esgotei tudo.

 

Os jornais ingleses, com grande gaudio, publicam a carta e Josephine sente que está em risco. Mas quando Napoleão regressa e desembarca em Fréjus, Josefina surge logo, consegue acalmar o marido e dissuadi-lo a intenção do divórcio. Os historiadores acordam em que ela nunca gostou do marido, mas que amava Hippolyte Charles. Todavia, para ambos, era da maior conveniência para as suas ambições, abandoná-lo. Na altura, já o general estava no auge da sua glória. O  golpe  de18 de Brumário, acabou com o Diretório em 1799,  foi uma mudança em que Joséphine teve importância política. Ela tornava-se assim na primeira-dama do país e passa a residir no Palácio  de Luxembourgo, em Paris.

A sobriedade aumentara com o Consulado e tomara forma neo-clássica.  o Império estabilizou ainda mais a sociedade com formas mais moderadas e simplificadas tanto no estilo como nas formas sociais. Depois de ter perdido a glória e o amor, Hippolyte Charles não perdeu a fortuna. Em 1804, o ano da sagração de Josephine, compra um castelo valiosíssimo e instala-se em Genissieux no Drôme.

Ao longo de suas das muitas dificuldades Josephine, no entanto, parecia permanecer doce e quase todos os que a conheceram ficavam fascinados pelos seus modos serenos, a sua delicadeza e cultura que ia adquirindo.

Durante os treze anos do seu casamento, Josephine gozou a maior popularidade. Os seus gastos eram exorbitantes e era uma compradora compulsiva. Adotou um comportamento mais comedido, enquanto viveu como imperatriz mas não no que se refere a gastos. A afirmação da sua beleza passava por querer agradar e seduzir à custa de mil ardilosos artifícios. As dívidas que amontoava causavam o desespero de Napoleão, mas este sempre as pagava e Josephine gastou milhões em roupas, joias e mil aquisições exóticas. Depois do inevitável divórcio, pois Napoleão queria um herdeiro, a amizade entre Josephine e Napoleão não se apagou e o restos dos anos a Imperatriz viveu retirada em Malmaison, onde se entregava a estudos de botânica, à leitura de romances e era uma grande coleccionadora de flores, particularmente violetas e de rosas, nos belos jardins do palácio onde morreu em 1814.

 

 

 

Malmaison.

( Derradeira residência de Josefina )

 

 

 

  

 

Um retrato não conta a vida de ninguém e a sua sedução é o segredo que o artista que a impõe ou a nega. É a arte que fala num contexto em que a vontade do artista, pela sua técnica e com o seu estilo, bem dentro de todas as suas circunstâncias singulares, demonstra o seu talento. Através de ligeiros pormenores e imposições da época, um mundo que ele também deseja que se possa ter um juízo de uma finalidade sem fim.

O juízo desinteressado da faculdade de julgar kantiana desdobra-se ao observar um retrato. Kant atribuía à natureza o grau de sublime. Mas o juízo estético repousa no espetador, no público e não é um tratado de arte. Kant coloca as premissas necessárias para atingir o juízo reflexivo mas, não diz nada acerca da sua origem. As possibilidades de ver são as que a imaginação aprendeu a manipular, com maior ou menos habilidade. A imaginação permite ver para além do retrato e o que o quadro nos quer mostrar no próprio retrato. Por aquilo que pretende patentear, com o passar do tempo, instala-se o desinteresse do observador atento à representação artística e desatento à intenção do pintor ou de quem o mandou pintar.

 

 

 

 

 Fig. 20 -  A beleza natural é o que resta de uma vida que ninguém sabe a história

                                                                                 

Por entre os familiares, eram seres que se reviam com alegria ou saudade, ou eram vistos com respeito, senão amizade e sentido de um estatuto social. Tanto podiam ser encomendados como obras, bem raras essas, de crítica ou sátira social.

Trata-se de exibir e de revelar certos papéis com determinado fim, quer do pintor, quer depois do público que depois se desvanecem. Impiedosamente, o tempo apaga vidas e feitos, lutas e amores. Ao contemplar o enorme quadro de David acerca da sagração dos imperadores de França, pouco se recorda dos segredos que a história avaramente guarda e apenas se vê a superfície da glória e do triunfo que tão pouco duram.


Em sua memória da "Imperatriz", criaram esta flor  "
A Rosa Josefina" e assim floresce sempre, nos jardins de Malmaison a serenidade de uma mulher que desapareceu, ainda jovem, aos 51 anos, deixando lendas, mitos e uma vida única. A luta constante só mostra , só revela a condição de mulher nas suas facetas mais complexas e brilhantes. O imperador pode ser Napoleão, o Papa pode ser Pio VII, mas Josefina tem um poder que vai bem mais longe.

 

 

 

 

                        "Rosa Josefina"

                               ( Flor "criada" em homenagem à Imperatriz )

 

 


 

Nota Final:

     A Autora deseja manifestar que este "Ensaio" teve a ajuda e estímulo do seu antigo Professor no Departamento de Filosofia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Doutor Levi António Duarte Malho, que colaborou sempre para o desenvolvimento destas investigações e pesquisas.

 

 

 


 

 

 

 

 

 

Bibliografia

 

 

Knatpon, Ernest John, “Empress Josephine”,1982, Harvard University Press.

Masson, Frédéric, Joséphine de Beauharnais, 1763-1796, Librairie Albin Michel, 1925, p. 226

Mauguin, G. Une impératrice botaniste, Revue des études napoléoniennes, 1933       

Stuart, Andreas, The Rose of Martinique: A Life of Napoleon's Josephine, 2ª edição, 2005, Grove Press.       

Sousa Costa, Alberto, Favoritas e favoritos célebres, Edição Monumental,1954, Papelaria Fernandes, Lisboa.