" Excessiva Beleza "
Sobre alguns "Enigmas" dum Museu
© Lúcia Costa Melo Simas ( 2013 )
Limites da Beleza
[ Vestes em terracota pintada duma figura religiosa. . ( pormenor) ). Mosteiro da "Serra do Pilar". Porto, 2013. ]
© João Malho Amaral (Foto) e Levi Malho - Composição e arranjo gráfico
Uma vez, num enorme museu, iniciei uma visita com a pretensão de ter acesso a uma inesquecível contemplação de quadros de beleza e valor incalculável. Frente a frente, ou lado a lado, em pequenos espaços de salas enormes, com paredes revestidas de quadros, eu podia examinar as mais belas pinturas que, até então, só pudera ver em reproduções. Agora, eram os originais, com todo o seu fascínio em cada pormenor e beleza única. Hesitava em escolher…
Não sabia em qual deles fixar o olhar. Se abandonava a contemplação de um, logo o fascínio de outro me atraía. Todos pareciam estar ali, à espera de alguém e, nesse caso, era eu. Tentava dar um pouco de atenção a cada um e olhava para outro e outro e os que estavam mais além e outros ainda…
Alguns atraíam mais o olhar e demorava a afastar-me mas, logo ao lado, outro suplicava mudamente ser contemplado e, um pouco mais além ainda, havia uma espera suspensa de inquietação para acordar.
Noutra sala, aumentou ainda mais a angústia, todos me esperavam, suspensos na sua petrificação e no silêncio parecia que mil vozes me chamavam sem parar. Cada olhar era uma traição aos outros, cada abandono, uma dor que ficava de novo silenciosa e triste. A luz que favorecia mais uns do que outros, era uma traição e crueldade para todos os que deixava na sombra.
De repente, instalou-se em mim, uma incapacidade, quase um desespero, por sentir uma tão forte impressão de um multidão de olhos que me chamavam no seu belo mutismo, mas tão eloquente. Era como se me pedissem um pouco mais de vida, um diálogo com alguém que os acordasse do triste encantamento de tanta beleza sem ninguém para a ressuscitar, nesse meu caso, era a pressa do meu olhar e a minha admiração que me deviam prender e ficar. O tempo implacável parecia apressar-se. Então aconteceu algo que nem sei explicar. Um mistério da grande beleza transformou-se em terrível violência que não tive força para suportar. Doía demasiado!!
O que pode parecer a mais perfeita ausência de cultura, ou um acesso de forte idiotice, levou-me a sair rapidamente e a sentar-me, cá fora, na relva em sossego, por pouco tempo que fosse, a contemplar o céu azul cá fora. Visitar um museu é entrar no reino das coisas belas que o tempo petrificou e esperam alguém, na última expectativa de se animarem e voltarem para a contemplação, última causa do seu ser.
Não há nada de pessoal ou verdadeiro naquelas Virgens de Murilo, de Giotto ou de Rafael. A estética e o seu reino de descobertas para o espetador abandonaram o quotidiano desse feminino que ficará para sempre anónimo e desprendido da tela. Podem ser camponesas com um estado de espírito nada conforme a representação. Pode muito acontecer que esse modelo esteja cansado, aborrecido ou com o pensamento ausente do seu papel que isso não interessa absolutamente nada para o quadro. Cada quadro só dá a ver o que é a quem sabe e é capaz de lá encontrar.
© Lúcia Costa Melo Simas (Texto) - Regressar a " Os "Trabalhos e Dias" "
© Colaboração na concepção da página - Levi Malho.
Actualizado em 21. Março. 2013
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