" Cheia de Graça "
Meditação a propósito do "Conclave" de 2013
© Lúcia Costa Melo Simas ( 2013 )
Degrau em degrau
[ Acesso externo a um edifício Universitário . ( Universidade Católica de Lovaina ). Lovaina-A-Nova, Bélgica, 2007. ]
© Levi Malho - Composição e arranjo gráfico
E as mulheres, Senhores Cardeais?
Um pensamento pode ser atrevido, mesmo que só sonhe. Os poetas dizem que “o mundo pula e avança como bola colorida “ com o sonho, sei lá. Os sonhos acabam sempre em pesadelos na realidade. Todavia, nos meus tempos de reflexões de grupo juvenis, ouvi um debate em que não participei. Não fui de muito falar e pude escutar a indignação de duas amigas no grupo.
O caso era o problema da escolha: Por que é que Espírito Santo escolheu Maria? A mais irritada acrescentava como é a outra podia pensar em ter sido a escolhida? Podia ser ela a imaculada, escolhida? Que loucura! Querer ser Maria e não ela? Se eu, - replicava irritadíssima, tivesse todos os dons de Maria podia ser a Mãe de Deus. Porquê tal escolha?
Face ao que parecia um desatino, a outra participante exclamava que as escolhas de Deus não se podem discutir. Deus omnisciente nem pode desejar porque prevê.
Deus designou uma virgem, do povo de Israel e que se diz “concebida sem pecado original”, mas não vou para aí. Isentar é dar. Só que o pecado original é metáfora. Por aqui me quedo para não me meter em maior sarilho da maçã de Adão, que todo o homem tem, e Eva, a tentadora, ainda hoje sofre o estigma da sedutora e Adão, o do homem ser fraco.
Foi ela advogada do Diabo –- eles são terríveis mesmo sem serem do Diabo ou da serpente --- que soube convencer o triste varão, sem discernimento. No debate, não me pronunciei, pois a colega que pretendia poder ser Mãe de Deus e a outra, quase se excomungavam, num solene silêncio do grupo. Tudo isto me faz pensar na longa História da Igreja, nos seus erros e nas suas obras. E a pergunta que da mão me salta para o papel é:
---- Será este o último Conclave em que não aceitam ou participam mulheres?
Não são elas as mensageiras mais capazes de demonstrar que recebem o Espírito Santo? Os cristãos acreditam que há uma vontade acima das vontades de todos os cardeais reunidos. Pode ser. Mas uma velha abadessa, carregada de sabedoria de dezenas de anos de estudos, uma Madre que dedicou toda a vida à oração e à dedicação ao próximo, uma prioresa que lidou com casos e mais casos femininos e tanto sabe da construção identitária de homens e mulheres, um grupo de mulheres estudiosas, com votos, com todos os requisitos do seu estado, não poderia, com o maior bom senso, estar a dar conselho e ter uma voz ativa, no meio do antropocentrismo, mais do que o eurocentrismo e todos os centrismos que quiserem? Temos dois sexos no mundo e um só conclave de homens. Já se desconfiou que a mulher ter pacto com o Diabo, já se disse que era a perdição do homem, que foi ela fez entrar o pecado no mundo e por isso fomos expulsos do Paraíso só depois da chegada da companheira tentadora.
Já se exaltou, até à Assunção ao céu, a mulher mãe, mas deixa-se rebaixar a feminilidade, a provocação e a entrada do mal no mundo por Eva e todas as suas filhas carregam que carregam o peso do pecado.
A mulher tem sido dominada, quer com violência, quer com subtileza quase invisível pelo poder masculino, para seu proveito e uma mercadoria. Apesar disso, a mulher, na Igreja, durante todos tempos, passou por épocas de desprezo e de grandeza e mesmo teve a seu cargo, na Idade Média, abadias masculinas sem que isso tivesse aspetos negativos mas benéficos. A presença da mulher daria um ambiente de maior caridade do seu sentido grego. Caridade vai para além da justiça. Sem ou com Jonet e as tias, a solidariedade dá só até cumprir a justiça, não precisa de afeto. A trindade é Amor e o espírito também. Nos homens e nas mulheres há Amor!
Ai! Falei eu de Amor. No conclave não se falará de Amor? Caridade sem amor não o é, e o Amor sem trindade também não. Não sou teóloga, nem me pronunciei no caso da senhora que queria ser mãe de Jesus. A outra dizia que era orgulho e vaidade.
Deus não votou em Maria, escolheu-a e escolheu com certeza por um plano de Amor. Outra vez! Lá escrevi amor outra vez. O Amor de Deus pelas suas criaturas não pode ser entendido por elas. O poder e a sapiência divina estão muito acima do que possamos imaginar ou pensar. Deus, tem de ser mais. Mistério que está para além do que pode pensar. Em simples palavras, a grandeza de Deus, como Deus, não pode ser captada pela mente humana. Talvez, com duas mentes diferentes, como são o homem e a mulher talvez se entenda melhor o Amor de Deus aos homens e se falasse mais sem ambição nem jogos de poder. Falei de Amor, não de amores.
Entre os homens e mulheres, de Deus para os homens e dos homens para Deus. É óbvio que uma ligação direta a Deus é a prova maior de fé e de viver apenas pela fé. Na angústia e no desespero, fora da mentira da multidão o homem deve viver melhor. O filósofo cristão Kierkegaard falava do asceta, do eremita, na cela, sentindo a dor de todos e o risco de se perder.
Mas um conclave é um grupo de homens que trata de escolher pelo coração e pela razão. As asas do espírito. Mas são duas. E são só homens.
Todos sabem que este conclave acontece sob nuvens bem negras, numa angústia dos que sentem a gravidade do futuro e até se é que vai haver futuro. A assimetria entre mulheres e homens, a dominação através da história dos valores que a mulher podia dar mostra a profundidade do abismo que separa os sexos.
A mulher não pode ser apenas o “ventre sagrado” porque há mais mulher, antes e depois. Da virgindade do homem, por curiosidade, nem se fala. A da mulher, em certos ambientes, dá troças e é ridicularizada. O homem virgem está no dicionário e pouca gente sabe como esse livro é terrivelmente perigoso.
Estará na hora de refletir melhor com coração e razão que a condição humana primordial é a mulher e que o homem só depois se torna, pela masculinidade? Fecha-se a porta do conclave, reúnem-se homens. E o Amor fica fora?
Perguntas das que não sei as respostas. Quando as perguntas são mais do que as respostas, desiste-se de querer saber, insiste-se, ou entrega-se o problema aos outros, à tradição, à ignorância? Quando só homens, a representar a Igreja, possivelmente de maioria feminina no mundo inteiro, é que decidem pela cabeça de todos, o Espírito Santo como pode estar presente se só existe pelo mistério trinitário? A condição feminina é o fundamento ignorado da masculinidade. Diz-se que se vive num mundo bem melhor para a mulher, do que o que acontece no mundo islâmico, para as mulheres. No ocidente expõe-se a mulher como um objeto, no oriente fecha-se à chave como propriedade privada e nem tem rosto. Tudo isso deve ser verdade. Mas lá que a humanidade coxeia e não anda bem, quem é que duvida? Se a maioria é dominada por uma minoria, que se vangloria da sua superioridade, isso acontece porque se obriga por mil meios, que nem se discutem, à submissão, ao silencia ou à ignorância, quando não ao cruel desprezo. Ainda pode ser pior! Na maior parte dos casos, junta mais meios de degradação e acrescenta-se outros.
No fim, tal como no início, insisto em mais uma pergunta:
Será este o último conclave em que as mulheres não podem entrar?
© Lúcia Costa Melo Simas (Texto) - Regressar a " Os "Trabalhos e Dias" "
© Colaboração na concepção da página - Levi Malho.
Actualizado em 23. Fevereiro. 2013
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