" Elogio da Luz "

  • Arremedos de Natal

 

    ©  Lúcia Costa Melo Simas ( 2012 )

 

 

 

 

 Dons da Distância

 [ Fajã de S. Jorge. ( Pormenor) . Ilha de S. Jorge. Açores. 2001 ]

© Levi Malho - Composição e arranjo gráfico

 


                   

    A voz caiu no chão e partiu-se em pedaços que rolaram para todos os lados. O homem dizia: Não há dinheiro este ano? Então, não há natal!...

A lógica do verbo ditado pelo Bezerro de Ouro! Por tal raciocínio, o homem teve natal até agora só porque teve dinheiro. Uma redução do Espírito ao poder económico. Que pena  ter vivido tanto e ter aprendido tão pouco e tão mal o sentido da Vida. Nem a já velha canção “O Natal é sempre quando um homem quiser”, lhe soou aos ouvidos e lhe tocou no espírito?  

   O coração endureceu, a mente está obliterada, os olhos trocam o supérfluo e o pormenor pelo essencial, o centro de luz e de vida que cintila no Natal. Quando não há centro qualquer caminho serve porque nem se sabe para onde se vai. Natal pode nem ter nada a ver com ceias, com tradições inventadas, figos, nozes, bacalhau, foguetes e prendas trocadas entre quem não precisa de nada.   O homem tinha toda a razão afinal porque não aprendeu nem sabe o significado profundo da pequena palavra Natal! Falou nas trevas porque as trevas nunca entenderam a luz. 

   A dádiva maior já recebeu. Foi dado à luz. Para a luz devia viver. Entender o sentido do início de qualquer vida. Ninguém nasce por sua vontade, por pedido ou por ter pago seja lá o que for. É a gratuitidade da vida que lhe imprime um valor sem comparação. Por isso, quando o natal consumista se apaga, outro Natal mais verdadeiro se pode vislumbrar. Nesse momento, o transcendente, que se esconde no Natal, surge por entre tudo o que se pode ter e comprar, que foi obtido ou pago com esforço ou mérito.

 

   O que não se pode comprar é o que esconde o verdadeiro sentido da palavra Natal que todos gostam tanto de trazer na boca e se lembram menos de repetir no coração. Na multiplicidade de sentidos que se pode dar ao Natal há mais invisível do que visível. Porém é fácil perder a dimensão da transcendência e ficar-se pelo que os olhos nos dão. Sem querer mais, salta para a página a palavra dar. Dar em vez de esperar receber é a mensagem da essência do Natal. Dar é a primeira palavra que abre a porta ao dia, a porta à terra, a porta à vida. Por isso é de luz que se fala. De um renascer da vida que se inicia. A luz do início dos tempos de que falam os sábios em múltiplas linguagens.

     É todo o apelo escondido que há nessa palavra. A partir do mistério de “dar à luz” constroem-se muitos sentidos, mas o início é sempre gratuito. Tal qual recebemos sem mérito ou explicação. É o mistério da vida e da sua oculta doação. A cada instante se pode multiplicar porque é bom dar bons dias, é bom dar sorrisos de alento, é bom dar a mão, dar mil gestos que traduzem toscamente a grande dádiva recebida    Afinal, celebra-se a vida e não o dinheiro nem o que com ele temos. A vida brota na maior simplicidade. Mais belo ainda, é o grande Mistério. A vida não se define. Na biologia são “as forças que lutam contra a morte”. Todavia, pela lógica, nada se define pela negativa. No social, a vida é o dinamismo das instituições nas suas interações com os indivíduos. Mas o homem não é nada no social. Substituível, perde a sua essência e é engolido pela massa anónima. No social, mais um menos um, tanto faz. A vida nasce numa instituição, o hospital e termina aí, nas mesmas paredes e frieza asséptica, com datas, números e estatísticas.

      Na História, os seres humanos vivem, por entre intervalos de paz, nos tumultos e agitações das multidões, guiados por mentes ocultas em gabinetes donde saem as ideias, as guerras, as diplomacias. Na linguagem da Física ou da Astronomia, o tempo e o espaço contam-se por milhões e milhões, galáxias e mais galáxias, biliões de estrelas e astros num espaço talvez quase infinito, até a vida de um só ser humano ser bem mais minúscula e breve do que um mísero sopro de vento. Na literatura, na poesia, o Natal palpita de outro sentido que lhe pode ser dado pelo alento da religião e a Vida transcende as vidas, na simbologia da Luz. Assim como, no início dos tempos a ciência coloca a luz, também o cristianismo inicia-se porque “a luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam" (Job 1.5,)

 

   Na ausência dos anjos, na carência de meios melhores, o povo inventa os versos que cantam as maravilhas que do céu vieram brilhar nas trevas, quando todo o homem nascido se condensa no milagre e mistério da Noite de Belém de Judá.

 Sem querer, vem à mente a figura no velho Scrooge e todo o encanto que o escritor Charles Dickens emprestou às figuras que criou, em épocas difíceis da velha Inglaterra, para tentar acordar o seu público diante da situação terrível em que vivia a maioria das pessoas. Todavia a era vitoriana era próspera, mas isso não alterava as desigualdades sociais cada vez maiores. O afeto às crianças emprestou ao Natal que tanto celebrou uma mensagem que encanta gerações. O espírito do Natal empresta um halo de poesia e ternura às suas narrativas e associou para sempre alegres cantares natalícios à simplicidade dos pobres.

   Também o grande escritor e poeta que foi o Padre Dinis da Luz, uma das figuras inesquecíveis do verde Nordeste, apelou largamente na imprensa para  que aumentasse a justiça social. O Natal era-lhe tão grato que nunca se cansou de o cantar. As suas personagens preferidas foram as humildes, de corações generosos, e tão profundamente humanas. Assim traduziu a simplicidade necessária para se falar ou cantar esta quadra. Quantas vezes, exilado por assim dizer em Lisboa, não idealizou o Natal no seu Nordeste, com as camélias dos pequenos jardins e o incenso a perfumar as igrejas?   

  Dar em vez de esperar receber é a mensagem da essência do Natal. Dar é a primeira palavra que abre a porta ao dia, a porta à terra, a porta à vida. Por isso é de luz que se fala. De um renascer da vida que se inicia. A luz do início dos tempos de que falam os sábios em múltiplas linguagens. É ainda a luz que brilha nas trevas e no meio delas nasce. O milagre da vida, no seu mistério mais profundo que recomeça na luz. Um berço de palha, no seio dos pobres, no meio da noite, para dar alegrias que o dinheiro, a fama, o prestígio jamais atingem. Palavras, palavras, frases que se confundem com o vento ou o tilintar dos sinos, de vozes que clamam por alegria e paz. Metade do ano se leva a recordar este dia e a outra metade a prepará-lo, escrevia o bom Padre Ernesto Ferreira a interpretar o povo.

  O Natal açoriano tem uma suavidade muito subtil. Noutras terras talvez haja mais pompas e festas, mas ninguém mais, como as gentes destas ilhas, gosta tanto do presépio, de celebrar o Deus Menino e de viver esta quadra. Não se compra esta alegria, não tem preço nem vil metal pelo qual se troque o calor que aquece o coração. Talvez  nem se entenda, talvez nem se adivinhe, mas a grande festa é o milagre da vida. O renascer do humano. A mais bela lição de Jesus, nascido em Belém, muito muito longe e tão perto que traduz a esperança da Luz para todos.  E os versos que o povo fez, são como o incenso que arde sem se ver.

 

 “Todo o Natal tem momento/ pra parar para pensar/ como fosse um tormento/ Falta alguém nalgum lugar.

Não são saudades d `outrora/ nem saudades do presente/mas de que é chegada a hora/E Menino está ausente.

Tão grande foi a alegria/para tanto preparar /que se esqueceu convidar /quem ali reinar devia.

Já no céu não há a Luz / e nas palhinhas, tão sereno/ dorme o lindo menino/ que é Deus e é Jesus!”