" Pedra sobre pedra "
" Mulheres para casa !! "
© Lúcia Costa Melo Simas ( 2012 )
Voltas que o Mundo dá
[ Painel de azulejos "Arte Nova" (pormenor) . Zona da Foz do Douro. Porto. 2001 ]
© Levi Malho - Composição e arranjo gráfico
Uma vez, há muito tempo atrás, ia num elétrico a abarrotar de gente. Lá atrás, indignado por ir em pé, um homem vociferava: “Mulheres para casa! Mulheres para casa! Se elas ficassem em casa, não faltavam lugares para me sentar! Fez rir mas tinha toda a razão.
A mulher saiu do lar e passou a haver gente na casa. Já não é família, mas gente que se junta, às vezes, nos fins de semana. Aumentou a desordem social. Por séculos sem fim os homens fizeram leis. Não conheço leis escritas por mulheres. Falha minha. Mas o que menos falta são leis. Espalhadas pelo mundo inteiro. Há algumas doces mas a maior parte bem amargas. Basta pensar na Sharia ou ir a certos países.
No Ocidente, a custo, deram direito de voto às mulheres, que votaram em mais homens. Homens que as protegessem dos homens. Contradições. Leis suaves com correntes pesadas. Os homens que puseram as mulheres em casa, assim as protegiam pois as declaram ser o “sexo fraco”. Aí podia ser o anjo do lar, a rainha, a encantadora mãe, a dona da casa, contanto que obedecesse e não pensasse demais.
Milhões e milhões de romances de amor foram escritos para as mulheres. O problema desses romances é a capa. Seduz e, depois do livro fechado, é a prosa da vida e os óculos cor-de-rosa. Quando os homens têm um caso, as mulheres julgam que têm um romance. A alienação e o paradoxo de um romantismo tão útil para a publicidade. Vende-se o imaginário, compra-se um objeto. Contrariando a teoria do homem lá do elétrico, as mulheres passaram a ter profissões e a andar pelas ruas. Milhares e milhares de mulheres saem de casa todos os dias e aumentou o desemprego. Agora há dois salários a entrar em casa, mas nem isso basta.
Alegremente, as mulheres, que sempre souberam gastar, correram para as lojas, para os mais variados modos de seduzir e agradar. Na duplicidade de ser homem por profissão e mulher por género, os homens começaram a reparar que não era assim tão bom o facto de as mulheres trabalharem. As contas aumentaram. Empregada doméstica, lavandarias, creches e infantários empregos para mulheres por causa das mulheres estarem empregadas. A contradição feminina de estar por todo o lado e não poder ser mulher por inteiro em lugar algum.
Vivemos no mundo das coisas e dos números, tudo com validade a curto prazo. Coisas, muitas coisas, até coisas práticas para a mulher trabalhar menos dentro e poder trabalhar mais fora. Paradoxos de vida dupla. Anjo no lar, desordem na rua. Em casa homem e mulher confrontam-se. Ela trabalha e ele ocupa-se. A ordem em casa exige cuidados, a vida na rua exige coisas e números. Quando a mulher bate com a porta da rua e aparece em público, o quadro social muda. Apesar dos livros serem quase todos escritos por homens para serem lidos por outros homens, a mulher podia pensar.
Depois de descobrir isso, o homem obrigou a mulher a pensar para ele, pelo seu código, as suas ideias. Goethe dizia que a mulher não pode ter ideias. Durkheim que ela se suicida menos do que o homem porque com pouco se contenta. Oliveira Martins considerava-a uma doente que tem de passar do pai para a tutela do marido. Ainda nos anos setenta nos livros escolares se dizia “O mundo é a casa do homem, a casa é o mundo da mulher”. Sentença fatal!
A mulher não pensa. É verdade. Se pensa pelos livros, pensa no masculino e não consegue vislumbrar quem é realmente. O paradoxo da dominação está em designar como igual o que não se pode sequer comparar. A condição humana tem duas facetas diferentes. A igualdade é a mentira subtil de esquecer a condição feminina e negar a contradição. O que Hegel vislumbrou, Marx remeteu a toda a pressa para a economia.
Pode estar em todo o lugar, a representar o unissexo. O ar profissional, a forma de cumprimentar, de agir, até de falar e sorrir que se solicitam a uma mulher não a mesma que se espera de um homem. A mulher tem de agradar, ter ar acolhedor, de anfitriã, de alegria, mesmo que queira praguejar e roer as unhas. Finge-se que nada mudou. No fundo, todos desconfiam que há excessos de contradições e excessos de ordem. A simbólica da dominação masculina pode ser suave, até quase nem se dá por ela, mas é quando mais se exerce. Depois da máscara cair, o sorriso, o ar gentil apagam-se e fica uma pessoa cansada com pouco tempo para refletir sobre o que os homens escrevem.De noite, vale a pena dizer que “o Diabo veste Prada”, quando “toda produzida” a mulher vai “para a noite”. Há locais antropologicamente designados com os rituais perfeitamente adaptados aos preparativos para o acasalamento, Só que ali é a fingir e os animais não fingem Um ponto a favor dos outros animais. Nova contradição. Livre como é hoje, sem compromisso ou risco de maternidade, uma mulher torna-se masculina. Agrada e seduz como mulher e conquista como um homem. Vai de caso em caso em busca do amor e encontra sexualidade. O imperativo estético ilumina a noite: É o hedonismo. Aproveita o tempo!
O regresso é a uma casa vazia que nada tem de lar. O mais que pode encontrar no fim de tanta perda não é um lar, mas muitos lares, asilos para os despojos da família. A maternidade foi a salvação e a perdição da mulher. Divinizou-a e pô-la num pedestal. Passou de demónio a anjo sem ser nada disso, mas domesticada e dominada para não pensar. A mulher mãe é uma metade amputada da sua essência de par. A feminilidade continua mas só pode ser coração, pensar é que não. Representando a mãe, a mulher perde o seu poder feminino e não seduz. Os versos para as mães são sublimes, carregados de ternuras e veneração. Longe e em redoma aparece o culto da fidelidade e gratidão. Mãe e pai são duas metades de um só fruto. Separados apodrecem bem depressa.
A desordem instala-se na subjetividade feminina e na objetividade masculina que estão paralelas mas não se encontram. Desapareceram as boas avós de quentes regaços, os avós divertidos e companheiros e os tios e primos vêm uma vez na vida. A família remenda-se, recompõe-se, recorda-se. Continua a crença de que algures existe família ou emigrou mas vai voltar. Não volta.
Afinal, o homem do elétrico já via bem longe o futuro:
Aos três anos teremos uma família. Aos cinco teremos amigos e família; aos 15 teremos um grupo; aos 20 andaremos com alguém; aos trinta teremos um emprego e um caso; aos 35 poremos os filhos na escola e de lá não saem aos 40 mudamos de emprego e procuraremos um parceiro. Aos cinquenta e cinco procuraremos um emprego e mudaremos de parceiro. Aos 65 teremos um subsídio e alguns amigos. Depois, ainda com alguma sorte, teremos um lar.
© Lúcia Costa Melo Simas (Texto) - Regressar a " Os "Trabalhos e Dias" "
© Colaboração na concepção da página - Levi Malho.
Actualizado em 25. Novembro. 2012
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