" Por tudo e por Nada "

  •  Quem pergunta, quer saber !

 

    ©  Lúcia Costa Melo Simas ( 2012 )

 
 
 
 
 

   Invasão das Sombras

 [ Acessos internos à entrada do Museu de Foz Côa. (pormenor). V. Nova de Foz Côa,2012 ]

© Levi Malho - Imagem digital

 


 

    “Vá ler os meus livros”  ----- era a resposta que Hegel dava a quem dele se acercava para lhe pedir que explicasse algum ponto da sua extensíssima obra. Não era ilustrada, nem tinha capas atraentes como os livros de agora. Eram de papel leve com ideias pesadas. O contrário dos nossos livros que são pesadíssimos, de bom papel e ideias leves. Aparentemente, esta reação de Hegel até pode parecer desabrida ou antipática com tal resposta. Mas que podia o filósofo dizer? Comunicar é cada vez mais a simplificação e a frase feita. Com um pouco de atenção, nota-se que as pessoas falam para não dizer nada. Quem discursar, que acontece? Ouvimos bem uma frase. À quarta já estamos a criticar, resmungar e quando chegar a meio, já perdemos o fio do discurso. Mas será que era discurso e tinha fio? Deixou-se de cuidar seriamente da lógica, da argumentação com rigor, das falsas questões. Falamos e basta.
    Considera-se que comunicar, é dizer pouco e rápido. Mas isso é impossível para tentar perceber temas complexos, que implicam estudos profundos, uso com rigor dos conceitos, conhecer bem o problema e as suas vertentes. Raro será o professor de filosofia, nem se diz filósofo, que aceite um debate de ideias. A sua capacidade de pensar não é posta à prova, mas a velocidade. Pela pressa, as deduções e a ilação a que quer chegar ficam pelo caminho. Nem tem caminho. Em três palavras já tudo deve ser comunicado. Como o boletim Meteorológico que se ouve e vê e, bem pausado e repetido várias vezes ao dia. De mapa ao lado! Com todo o respeito que os meteorologistas merecem, ali só apresentam o resultado. Ninguém interroga: Como é que sabe isso? Ontem não disse que ia chover e choveu? Como se pode dizer uma qualquer verdade sem revelar como se chegou lá? “Troque isso por miúdos” É receita de um entrevistador bem preparado. Mas trocar por miúdos é tartamudear umas frases mal acabadas e mal começadas por quem se vê com um obstáculo de contar como se iniciou o Big-Bang em três minutos em menos de três no presente.
        Toda a gente quer respostas simples para problemas cada vez mais complexos e depois admiramo-nos de não entender nada. Primeiro há que saber o que se quer entender. Se é querer entender “tudo” não vale a pena perguntar “nada”. Se não se quer saber “nada”, podemos perguntar “tudo”.
    A crise anda de boca em boca. Uns acham que passa, outros que se agrava, culpa-se estes ou aqueles, mais o fim do mundo, apocalipse, conspirações e forças ocultas. Milhares de pessoas sabem a causa, outros milhares ficam perplexos, há ainda os que exigem explicações, há quem culpe o passado, a sorte, este ou aquele país, a corrupção, a economia, a banca, a velhice dos que não morrem como se previa quando foram para a reforma. Há os vão buscar as culpas longe e outras atrás da porta da rua e, com mais ou menos riso e caricatura, acabam por cair num facto qualquer sem mais argumentos e por lá se quedam. A bandeira torta num dia solene? Quem se lembra ainda?

  Que divertido! Que horror! Que escândalo! Tudo para esquecer ou rir no dia seguinte. A banalidade ganha e o real esconde-se. A crise é uma doença? Também, se as sociedades forem organismos vivos são neuróticas, bipolares, descompensadas, abúlicas, saudosistas e mais milhões de adjetivos que servem muito bem para falar. Só falta uma coisa. Pensar. Juntar milhões e crise. Tanto faz crise de milhões ou milhões em crise. É multiplicar o pensar.
    Se alguém pretende saber as causas da crise, espere sentado até daqui a um século e um historiador, em meia dúzia de páginas explicará tudo com clareza, maior ou menor, conforme o vento que soprar. Se quer sonhar, gaste um pouco e fale com um bruxo, um desses Mestres gurus que tudo sabem e em nada acertam. Se falarem com um político, esquecendo que isso somos nós todos, então termos uma análise da situação com a lição aprendida de casa como um bom aluno ou mesmo cábula, daqueles que têm grande habilidade de improviso. Rápido e “trocado por miúdos”, com sorrisos para uns e terríveis franzires de testa para outros. Fale-se com um bancário ou um banqueiro. Se do primeiro da crise não se leva nada, do segundo da crise se explica tudo. Fale-se com um económico e dirá que, entre o colchão e um cofre escondido na parede, hesita muito, já o economista titubeará sobre a China, o petróleo, o imperialismo do petróleo e ainda… na falta de mais, na filha de José Eduardo dos Santos, o Fidel que morre e não morre. Fale-se com um histórico, ditará sentenças, frases em tom de si maior e de lá menor. Em síntese e no geral: todos têm uma tese para salvar o Titanic mas este já se afundou há muito e até se fazem filmes de morrer para o público chorar e ganhar milhões. Factos e mais factos, ideias ao vento…
    Se alguém se referir a Ângela Merkel, tem o discurso feito, também serve Obama, já Cavaco menos, Victor Gaspar menos, ainda o Fernando Nobre, ( quem era esse?), ou o emplastro que todos conhecem e poucos sabem quem é. Para síntese, pois se fala de Hegel, e este gosta de sínteses, temos à escolha: A loura de quem se fala para “bode expiatório”, para colocar o lixo debaixo do tapete, para atribuir todos os horrores ou louvores. Serve e para muito mais Mas não é só isso, é muito menos e muito mais.
    Hegel não respondia a quem lhe pedia uma explicação simples acerca do seu pensamento. Hegel, não Marx nem Merkle, domina o pensamento atual. Ninguém cuida disso. Quem perguntasse ao filósofo por qualquer pormenor da sua obra, era uma pergunta honesta logo merecia uma réplica também honesta.
        Vá ler os meus livros .
    O saber é um todo e um espelho, partido em estilhaços, reflete muito, mas vá lá saber-se o que se tem diante dos olhos?