"O SITE"

  • Sobre uma "aventura" inesperada...

  • ©  Lúcia Costa Melo Simas

 

   

 

 

Coisas simples

[ © Torreira, Ria de Aveiro. 2001. ]

[ © Foto digital    Levi Malho]

 


 

O SITE

   

 

   Tenho um site! É uma impressão tão extraordinária como se fosse a minha chegada à lua, entrar no jet-set, ir para a Quinta das Celebridades, ter um link de meditação como o Paulo Coelho, dar entrevistas de etiqueta com a Paula Bobonne, mas muito melhor! É verdade que um aluno meu já tinha um site aos 17 anos, mas isso não conta porque ele era muito inteligente e toda a gente já sabia disso. Mas, eu?! A quem é que posso dizer isto?
   As pessoas com quem costumo falar julgarão que site é alguma doença, um quisto ou uma marca de roupa qualquer, na melhor das hipóteses. E os meus antigos alunos do século XX dirão ainda pior que “pirei” e me “passei” de todo, porque olham para mim como uma velhinha diluviana e, quando eu lhes falei que tinha um PC e andava na net, reviraram os olhos e aplaudiram frenéticos porque, a seus olhos, rejuvenesci mil anos. Por isso, por causa deles, passei a ter mails e espantei-me tanto que até desatei a ler os mails todos, dos anúncios, do Banco a quem é claro dei o mail, até dos jogos, apesar do medo dos terríveis cavalos de Tróia da nova guerra sem Ulisses!

    Aceito com veneração e máximo respeito todos os conselhos e dicas para pormenores seja de quem for e passei de prof. a aluna aplicada aproveitando toda a migalha de informação que me chega. George Gurdorf tinha razão quando dizia que o mestre deve passar a aluno lá para o fim da vida.

   Sinto-me como fora o Selvagem do New Brave World que vem da Reserva e caiu de chofre na civilização virtual.

  Entrei na noosfera anunciada por Teilhard de Chardin, o que interessará muito pouco a todas as pessoas com quem falo e, se o disser, vão pensar mesmo que “peguei de cabeça” que em boa linguagem açoriana é ficar maluco e assim realizam-se as profecias todas.

    Quando comecei a trabalhar e falei em computadores, da nova era, os meus sisudos e eruditos colegas desataram todos aos gritos de que devia estar louca e deixaram-me a falar sozinha. Não desanimei porque o meu bisavô também teve fama de maluco porque acreditava que o homem chegaria à Lua! E a bisneta tem um site! Não é maravilhoso? 

    Não bem assim, não tenho site nenhum – mas um cantinho, um espaço e é muito melhor do que ter um site, afinal e sinto-me sair da Idade da Pedra literalmente porque, na escola primária eu escrevia numa ardósia com um lápis (?) de pedra também de que fazia a ponta raspando contra as pedras da porta da escola. E depois avancei milénios e entrei espreitando muito timidamente para a era tecnológica.

    Os avanços não foram nada promissores! Mas não se pode insistir? É verdade que todas as pessoas, mais ou menos da minha idade me avisavam dos malefícios da técnica como quem avisa dos malefícios do tabaco.

   Quem sabe de todas as minhas falhas e lacunas é o senhor Técnico que faz maravilhas diante dos meus olhos arregalados. Mas ele é um “crente” que até aceitou a ideia de eu conseguir ter o mágico mail, eu que não tenho voice mail, mas um telefone pré diluviano, quase relíquia e que faz descer os meus créditos abaixo de zero com as operadores de telefones a dizer para carregar no asterisco e eu insisto que não tenho asterisco nenhum o que é, para elas, é quase uma deficiência física. Por entre vozes mecânicas e músicas insistentes sou enviada para números que não existem ou obrigam-me a dizer: -  Sim!!! Não!!!  Não!!! Sim!!! Particular! – música e mais música em compasso de espera – Sim!!! – Não!!! o que faz com que as pessoas à roda me digam: - Mas com quem é que estás a falar???

   Quando quis mudar o telefone para um mais recente, o que até é grátis, o técnico chegou, olhou para a minha relíquia, única em léguas em redor, e ficou nostálgico.

 A sua sensibilidade rompeu e, quase em lágrimas, concordámos ambos que, aquele exemplar do distante passado, devia permanecer já que se tornou como membro da família. Ele foi-se embora muito feliz e eu suspirei de alívio. O velho telefone é apenas uma coisa, mas estimo-o como a um parente afastado e, segundo o hegelianismo, é uma manifestação do espírito, o mesmo espírito que na árvore é natural e na escultura é incarnado, embora dizer isso de ânimo leve assuste as pessoas que pensam logo tratar-se de espiritismo e de mesas de pé de galo.

   No fundo este site corresponde a mais uma etapa do espírito e, se Hegel fosse vivo, estaria e escrever como um louco e tinha mais de mil sites na net. Nunca mais se diria que aquele era o último sistema filosófico porque do PC há que esperar tudo. Este site, que me caiu do Céu vindo por mãos amigas, que só a generosidade explica, teve um link para mim. Só podia ser nos Jardins de Epicuro, único local em que a amizade é o maior dos prazeres, assim pensava Epicuro. Que os seus discípulos das novas eras cibernautas soprados pelo Espírito que se absolutiza vai-se transcendendo cada vez mais, numa espirial imensa que se vai encontrar na Noosfera de Teilhard, passsando do inconsciente colectivo para o consciente e atingindo o super consciente. E surgiria a lei. A lei que nos levaria de regresso a Kant. O homem, na sua humanidade total, perfectibilidade que tem o dever de atingir, perderia as características dos vícios bestiais, dos vícios diabólicos e atingiria a personalidade e somente esta criará mais um imperativo categórico kantiano universal que tornará a Internet um meio para atingir o Reino dos fins – A República dos homens livres! Afinal o destino da História joga-se sempre no horizonte.