"    Histórias com ilha dentro "

  •  Ellis Island. A Ilha no limite do "Sonho Americano"

 

    ©  Lúcia Costa Melo Simas ( 2012 )

 
 
 
 

   Dias da dureza

 [ Parede em Xisto. (pormenor). Muro recuperado em aldeia perto de Vila Nova de Foz Côa. Alto-Douro. 2012 ]

© Levi Malho - Imagem digital

 


 

 

                         

 

 

 

   Foi o cidadão americano Samuel Ellis que, no recuado ano de 1789, colocou a sua ilha à venda. Viera do País de Gales e era um colono que comprara a ilha mas depois se desgostou por não encontrar bom préstimo para esses terrenos. Por isso, resolveu desembaraçar-se dela. Todavia seu nome ficaria para a posteridade e continuou a ser sempre a Ellis Island.  

     Apesar de tão longe, o anúncio não se afastava do comum em qualquer jornal. Rezava assim a publicidade, sem indicção da quantia pedida

 

“Para vender:

 

Samuel Ellis, nº. 1, Greenwich Street, ao norte do rio perto do Mercado do Urso, essa agradável ilha situada nas chamadas Ilhas das Ostras, situadas na Baia de Nova Iorque, perto de Powle, juntamente com todas as suas benfeitorias, que são consideráveis; Loudon's New York-Packet, January 20, 1785.

 

   Sem comprador que aparecesse, foi o governo que se resolveu a arrendar a ilha e, mais tarde em 1892, tornou-a então nessa paragem obrigatória de imigrantes que vinham do velho mundo. Para muitos, a paragem em Ellis Island era uma surpresa bem desagradável e mais uma delonga depois de bem tormentosa viagem. A quarentena na ilha só veio a acabar bem tarde, em 1954 e durou 62 anos, tendo sofrido diferentes leis e restrições, mais ou menos pesadas, ao longo do tempo.

     Por ali só entravam europeus, pois nos finais do século XIX, a entrada de chineses e japoneses foi  proibida.  Para todos os asiáticos, a emigração foi completamente banida, sem que se possa afastar a influência eugenista. Depois, os vizinhos mexicanos tentavam atravessar a fronteira mas sempre com grandes barreiras e hostilidades, tanto mais que o racismo e a discriminação aos católicos aumentou nas primeiras décadas do século XX.

     Ellis Island é mais do que um nome no mapa, uma recordação ou um museu alusivo à emigração. É um concerto de vozes num desconcertante coro bem desafinado com miríadas de tonalidades.A desesperante quarentena seria uma prevenção justa mas, muito mais ali acontecia para os milhões de seres humanos que por lá passaram. Ainda hoje muito se pode imaginar pelos relatos, objetos e fotografias, mais todos os livros que à roda da ilha se escreveram e os testemunhos que ficaram que sonhos, desesperos e desafios eram constantes para muitos dos que tentavam a sua sorte. 

    A viagem terminava depois de muitos dias no mar, através do Atlântico, sofrendo tempestades e grande desconforto, carência de água, de alimentos e provações pesadas para quem viajava na terceira classe ou mesmo no porão e locais e quase sem espaço para respirar. Por vezes, vinham tão mal acomodados que falar das habituais sardinhas em lata é ter um pouco de ordem que nem isso havia. Se os dias no mar sempre são monótonos e causam a muitos um mal-estar que parece não ter fim para os imigrantes então escoavam-se numa lentidão desesperante no fundo de um porão escuro, amontoados e sem o mínimo conforto. A tentativa de todos era subir para o convés e apanhar um pouco de ar fresco, se bem que o frio fosse muito. Aí alguns tocavam, por vezes, os instrumentos da sua terra natal e as crianças dançavam sem preocupações pelo futuro.     

     Os viajantes, em vez desembarcarem em Nova Iorque, só a podiam ver de longe, lá da ilha. Encerrados em enormes armazéns, bem arejados é certo mas com certo ar de prisões, esperavam as hipotéticas decisões de serem deportados ou de alcançarem o novo mundo. O desejado ferry, que os levaria finalmente a terras americanas, para muitos tardava sempre em chegar.  

   A paz de espírito era assaltada por todas as interrogações, dúvidas e possíveis saudades que fervilhavam nas mentes de quem se arriscara aventureiramente num mundo desconhecido e ali estava parado.  

      Nesses tempos, a Europa regurgitava de gente que tinha as mais fortes razões para tentar a fuga. A perseguição religiosa em diversos países, os pogroms aos odiados judeus pelo czar Nicolau II, que parecia culpá-los de todos os males, depois a grande guerra, com toda a sua devastação, a revolução russa de 1917 que trouxe outros géneros de imigrantes políticos, a miséria que os conflitos causaram pelos territórios devastados pela terrível guerra, fez aumentar o número de foragidos dos quatro cantos da Europa, cada um carregando uma história e um sonho.

 

    Entre muitos casos, parece que a humilhação dos exames, a que eram submetidos, suscitou um certo mal-estar que se repercutiu muito negativamente para os Estados Unidos. Além de análises, que se podiam considerar legítimas, outros exames, inquéritos ou possíveis experiências levantaram sérias dúvidas para a reputação de uma nação livre e aberta ao mundo.  

   Por forte ironia e contradição, ali mesmo ao lado, os imigrantes podiam espreitar a grandiosa estátua da Liberdade, oferecida aos americanos pelos franceses em 1886, gratos pela ajuda contra os prussianos. 

    A América, para aqueles que eram perseguidos por múltiplas razões nos seus próprios países, parecia uma porta aberta para “terra de todas as oportunidades.” Mas alguns italianos chamaram à ilha, “a porta das lágrimas” pois alonga espera, os humilhantes exames e toda a longa burocracia acarretavam uma discriminação difícil de suportar sem sofrimento.  

   Com múltiplas facetas contraditórias para este país, a Ellis Island manteve-se no seu posto. Pela ilha passaram foragidos, oportunistas, perseguidos políticos e religiosos, facínoras e gente simples, modesta e trabalhadora vinda dos campos ou das cidades de países densamente povoados, a criar um cadinho gigantesco, multicultural que, pela força e necessidade, obedeciam a leis e submetiam-se a costumes que o tempo ajudava a misturar com os seus.

 

    O testemunho do pequeno cantor polaco Seymour Rechtzeit, (1911-2002) é um entre tantos que chegaram à ilha Ellis.  

    Este menino judeu encantara os ouvintes da sua Sinagoga, pois cedo revelou invulgares dotes de cantor. A comunidade e a família viram que ele merecia um destino melhor pois o seu país estava em deploráveis condições económicas. O distante tio americano era uma esperança que se tornou uma realidade. É o pai que vem com ele numa longa viagem até aos EUA. Passou por muitas peripécias, numa viagem por terra e por mar e o desgosto de deixar o resto dos familiares. O salvo-conduto era a sua bela voz e como entrada, dois valiosos bilhetes do seu generoso tio que os levaria até à terra do sonho! O irmão do pai estava pronto a recebê-los e fez essa avultada oferta, contando com a fortuna que estava na voz do seu pequeno sobrinho.  

    Seymour não ignorava isso e sabia que era o seu passaporte para a fortuna. Confiava bastante em si, pois vira a admiração de todos os que o tinham escutado na sua terra natal. Mas teve de passar por uma viagem terrível, no porão, por entre tempestades, extremo mal-estar, tanto que, logo que podia, fugia para o convés, para poder ao menos respirar ao ar fresco e livre com a brisa do mar. É bem provável que apanhasse muito frio aí e por isso adoecesse. Ao chegar, um médico separou-o do pai por não o encontrar em condições de saúde que não oferecessem preocupação. O pai teve de partir para a cidade após ser submetido aos tais testes e tratamentos e teve de deixar o filho atrás. 

   O pequeno pediu, chorou e implorou ao médico para que não o separassem do pai. Nada resultou e ficou mesmo para trás. Sozinho, sem saber a língua, apavorado, não conhecia ninguém. Ficou detido junto de outras crianças, provavelmente doentes ou que teriam de retornar por não estarem em condições. Todos se sentiam desamparados, com medo face o que lhes era desconhecido e não faltavam sustos quanto ao futuro. De manhã, todos os dias iam espreitar a estátua da Liberdade e olhar de longe as águas na esperança de sair daquela prisão.  

    O pequeno cantor, ao saber que ia a sair da ilha, afirmava que nem sabia descrever a sua imensa alegria, menos ainda, quando pisou o solo da cidade, se encontrou e abraçou o pai e o tio.

 

   Iniciava-se a década dos “anos loucos” e Seymour Rechtzeit, com a sua voz privilegiada, teve um enorme sucesso. Tornou-se tão conhecido e popular como cantor, ainda em criança, que chegou a cantar na Casa Branca quando estava na presidência Calvin Coolidge e a sua jovial esposa Grace. Durante  décadas surgiu na rádio e no teatro especialmente o iídiche bem como diversos espetáculos sempre com o maior êxito entre os americanos. Casou uma imigrante polaca Miriam, que também era atriz e cantora de sucesso. Enfrentou problemas sérios para conseguir trazer a sua mãe e irmãos para os EU. Valeu para isso a sua fama que facilitou muito a vinda da família pois na década de vinte a imigração foi fortemente vigiada.

 A lei de Johnson-Reed do ano de 1924 restringia mais ainda a imigração, pois havia uma cota para a entrada de mais viajantes. Tal lei mostrou-se a influência e a força da Ku Klux Klan no congresso e na opinião pública. Nesse ano de 1924, a Convenção Nacional Democrata dominada pelo Klan, realizava em plena cidade de Nova Iorque uma parada dos membros da organização. A violência e o racismo em vez de diminuir ainda fez aumentar a imigração ilegal com uma obscura indústria lucrativa para dar entrada ilícita, muito especialmente pelo Canadá e México, uma política de deportação e a presença de estrangeiros ilegais. A política de isolacionismo  afastou os americanos da Europa e dos países vizinhos.

Entretanto, durante toda a sua vida, Seymour Rechtzeit manteve sempre o mesmo sucesso e ainda hoje há uma fundação em sua memória. Também viajou pela Europa, mas nunca mais quis voltar à sua pátria. A sua fama tornou-o rival do cantor Frank Sinatra e isso diz tudo. 

    Cada relato só vinha alterar outro, uns desenhavam panoramas bem lisonjeiros para a América e outros mostravam a face sombria, a aridez, o trabalho rude, o desconforto de nada entender dessa nova língua, costumes e leis. Este local de turismo com um museu e mil e um dados e documentos é curiosamente visitado por americanos desejosos de ver se encontram os nomes dos seus antepassados que por lá passaram.  

   Ao lado de Ellis Island, a estátua da Liberdade parecia acenar afavelmente aos recém-vindos pois seria a “Mãe dos exilados” nas palavras do famoso poema de Ema Lazarus, que ficou colocado no pedestal da estátua e que tem aparente bom acolhimento e abnegação para quem chegava à terra de todos os sonhos e oportunidades.     

   Ainda no navio que se aproximava, um imigrante grego afirmava ao seu jovem parente que aquela seria uma estátua do descobridor Cristóvão Columbo. O rapaz, por respeito não o contrariou, mas lá no seu íntimo, entendia que a estátua mais se lhe assemelhava a uma figura feminina. 

    Comédias e tragédias sucediam-se na ilha por onde, ao longo dos anos, milhões de seres humanos entraram na América. Quando os emigrantes chegavam à Ellis Island, a situação não era nada simples pois, para além da pobreza e da miséria de quem ali desembarcava, as teorias de então ostracizavam esses mesmos pobres. Se a sua condição de europeus podia ser favorável, já a sua pobreza tornava-os suspeitos de doenças e anormalidades, por mais paradoxal que isso possa parecer, nos nosso tempos.  

   Nos longos dias de espera, as pessoas deambulavam por extensos corredores, com as suas altas grades. Quase ninguém sabia inglês. O ruído era ensurdecedor, por entre gritos em diferentes línguas que não se entendiam. A separação das famílias ainda piorava tudo. Todos sabem como as horas de expetativa e de espera ainda cansam mais do que muito trabalho. Para além da quarentena, tinham de ser sujeitos a questionários, testes e exames de toda a ordem.  

    Espanta ainda que tais exames e provas não incluíssem também, por decisão dos funcionários, os passageiros da primeira e segunda classe, o que, paradoxalmente, colocava a conotação da riqueza e a inteligência como atributos comuns! Os testes mentais e físicos, com médicos e outros funcionários a examinarem a pele e rapar a cabeça dos que tinham piolhos, para além analisarem outras doenças, assustavam bastante, mas a prova pior era o exame aos olhos com um instrumento de metal, um pouco aterrador que servia para revirar o globo ocular para estudar a possibilidade de tracoma, uma cegueira total e contagiosa.  

    Quando não entendiam os testes e exames, podiam passar por subnormais ou débeis mentais pois a intelectualidade de então defendiam nocivos preconceitos raciais e eugenistas.

 

 

   Desde 1913, os funcionários Goddard e Knox, este destacada como médico cirurgião, adaptaram testes de inteligência dos psicólogos Binet-Stradford para os aplicar aos imigrantes. Henri Goddard, um psicólogo principiante, defendia com vigor o eugenismo. Os testes não-verbais obedeciam “ingenuamente” a determinados modelos sem estarem aferidos e padronizados. Para mais havia intérpretes que tinham certas dificuldades, pois um só estaria apto a traduzir 15 línguas. O vocabulário seria traiçoeiro para uma ajuda de interpretação que nem sempre era verdadeira. Por outro lado, os cubos ou quebra cabeças de Knox teriam possibilidades de serem mal interpretados se isso era o meio de avaliar a inteligência de alguém estranho e assustado.  É revelador de um preconceito muito intenso, as fotografias de alguns dos deportados que Knox enviou para a sua terra natal. As mulheres tem um ar muito assustado e as crianças e os adultos para além de terem um olhar de desconfiança ou de medo nada provam que sejam dementes, ou idiotas, mas muito mais são faces comuns de gente que está nos limites das suas resistências físicas e psíquicas. Felizmente este médico apenas trabalhou na ilha durante quatro anos.  

    A aparência física de uma pessoa era tida como modo de a poder classificar, quer pelo tamanho do crânio, dos braços, da testa, ou dos olhos. Por certos traços logo se podia indiciar criminosos ou débeis mentais. A demonstração que se pretendia peca por apontar para outras razões como a pobreza e uma certa rudeza de modos e da face que bem se entende própria de gente humilde com aspeto notório de grandes carências e possivelmente miséria.  

    O darwinismo atingia uma tal repercussão social que até se iriar chocar com teses que Darwin prudentemente rejeitaria logo, se de tal pudesse imaginar o resultado. Com a deturpação da sua teoria, muitos casos são dados como “científicos”, se bem que falsos, mas bem vistos entre os médicos e psicologistas da época. Em Ellis, tanto Goddard como Knox levavam muito a sério a sua tarefa.  

   Henri Goddard fora diretor de uma instituição para jovens débeis mentais, publicara obras de grande sucesso sobre a hereditariedade e doenças mentais e não se ficou por aqui. Por motivos eugenistas, afastou a hipótese de muitas crianças poderem ser adotadas por as classificar débeis mentais e enviou-as para instituições para tais casos. Também encontrou supostas raças europeias pois tais estudos estavam muito em voga na época. Por sua decisão, os imigrantes que chegavam a Ellis Island eram na sua maioria atrasados mentais. Na sua escala de inteligência havia os idiotas e os imbecis e também criou o termo moro que deriva do grego e quer dizer, mais ou menos, tonto. Tal como Galton chegou a tentar providenciar para selecionar seres humanos, se bem que ambo temesse a reação da população. A obra de Goddard foi um sucesso internacional e um dos seus livros acerca dos perigos da hereditariedade foi célebre na Alemanha na época de Hitler.

     Infelizmente, o eugenismo foi defendido por uma ideologia pseudocientífica cada vez mais negativa e perigosa que surgiu na América e na Inglaterra e depois alastrou pelo ocidente.  

    Não se pode deixar de pasmar ao reler um artigo do “New York Times” de 20 de Junho de 1914, em que aparecia uma nota bem divertida se não pudesse ter terríveis consequências. O médico e cirurgião de Ellis Island, o eugenista, Dr. Howard Knox, cuja fotografia mostra um aspeto de grande severidade e frieza, tornara-se num pretenso “perito” em antropologia e ciências diversas  e declarava, em alto e bom som, num encontro de eminentes eugenistas, que pressentia estar prestes a atingir uma espantosa descoberta.
 

    Iria mudar a visão do homem para sempre. Declarava ele o seguinte:

 

    Por entre os muitos imigrantes que examinara, encontrara um que merecera a sua especial atenção. Era um descendente de antigos irlandeses, com 39 anos que, mesmo sabendo ler e escrever e com profissão de eletricista lhe parece ser bem pouco normal. A descrição que faz do infeliz irlandês coloca-o bem perto dos seus congéneres anteriores à Idade da Pedra, com uma anatomia aterradora, desde os enormes dentes afiados, aos olhos cavados e penetrantes, quase sem testa, de rosto pesado, corpo atarracado e com a peculiaridade de “ter herdado as características dos seus antepassados que talvez muitas vezes tivessem necessidade de trepar ao cimo das árvores para fugir dos gigantescos animais do seu tempo”.

 

  O auge das suas declarações e que encimava a “notícia” era a ideia de que este pobre irlandês apontava para o “missing  link”! Claro que, depois de um tal exame, teve de deportar, sem mais demoras, o infeliz eletricista. Mas, salve-se a ciência! Com as possibilidades que o “sábio cirurgião” tinha de examinar mais viajantes, vindos da velha Europa, de modo algum o espantoso Knox excluía a suas fortes esperanças de um dia encontrar a “man with a tail”.(um homem com cauda).  

  No artigo, outras opiniões contrariam as teses do cirurgião a quem, infelizmente, estava entregue a tarefa de escolher os imigrantes com direito a entrarem na América. Apesar de contestados, na segunda década do século XX, nem por isso as dificuldades dos testes e as preocupações raciais desapareceram. O trabalho com essas provas aplicadas aos viajantes do velho continente teve uma forte reação quando os quiseram aplicar aos soldados que iam entrar na primeira guerra mundial. Os resultados atestavam que quase todos eram inaptos! Isso gerou um certo escândalo e novas avaliações com mais cuidados, sensibilidade e rigor. Nem por isso o descredito atingiu Goddard e Knox que tiveram uma vida com grande sucesso.  
 

   Se os soldados foram avaliados por melhores métodos, a mesma sorte não tinham os pobres imigrantes entregues às mãos dos “sábios” Goddard e Knox.

   Sabe-se que mais de 12 milhões de imigrantes passaram por esta ilha, mas há casos que são pouco abonatórios para os americanos na época. Há que ter em conta que a ideologia evolucionista e o eugenismo não existiam apenas nos EUA.  

    Francis Galton, também dito psicologista, um inglês, primo de Charles Darwin, foi um precursor destes estudos e é ainda muito citado em manuais de psicologia científica. Foi fortemente influenciado pelo primo e terá também criado testes que, de modo algum, tinham a validade que lhes queria atribuir. Curiosamente os seus estudos procuravam encontrar os melhores traços que a hereditariedade podia trazer, ao contrário dos trabalhos do investigador americano. Para Galton tanto a inclinação para o trabalho, como o caráter eram manifestações da hereditariedade.

. O problema de definir a normalidade é muito polémico e ambíguo, para além de preconceituoso. A tese de Galton favorecia as uniões para a seleção da espécie e só por receio da opinião pública, não adotava medidas drásticas para evitar o nascimento de crianças. Também a sua tese de que os pais inteligentes teriam filhos inteligentes não tinha bases cientificas e não passava de mais um preconceito.

   As investigações de Galton exploraram um variadíssimo campo, que ia da antropologia, à meteorologia, à matemática e estatística, mas tornou-se mais conhecido pelas suas teorias sobre a hereditariedade. Mesmo que se aposte na evolução geral da humanidade, quando as teses são eugenistas há sempre um perigo para o ser humano.

    A cada passo, a genética tem sido um assombro com todas as fantásticas descobertas e esta será uma ciência que muito ainda virá mudar a vida no nosso planeta. Pode-se dizer que através da descoberta do ”modelo da Dupla Hélice”, de Crick e Watson 1953 se entrou numa nova era. A ciência deu um passo gigantesco com as possibilidades que se levantaram ao ponto de ter de alterar as investigações policiais, a ética e as políticas bem como a economia e a saúde de seres humanos e outros animais. Parece que muito teremos de esperar da genética se tivermos em conta que é uma ciência tão recente como espantosa para mudar o rumo da humanidade em todos os seus aspetos, se bem que isso seja muito pouco divulgado e a importância desse premio Nobel que parece o maior do século XX pelo futuro que se abre. É bem verdade que muitos contribuíram para tal descoberta, mas pode-se considerar que é em nome da Humanidade o prémio Nobel em 1963 vem manifestar uma nova consciência da Vida.

    Se já se fala em “A civilização do Gene” na obra de François Gros, talvez esta ciência abra as portas para uma nova humanidade, mas nada parece apontar para encontrar o “missing link” e provar alguma vez que lá num remoto passado tivesse existido “a man wit a tail.”