"Locus Solus"
© Eduardo de Quina - ( Setembro/2013) |
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Dezembro 2013
( Na capa: “uma qualquer flor” )
«cada consciência procura a morte de outra»
Hegel
Ao professor Levi Malho
a quem devo muito mais do que um livro
NOTA INÚTIL
a poesia enquanto caos primordial. o caos enquanto ordem não manifestada. a morte não se revela neste mundo: insinua-se. o regresso ao início. uma cosmologia enquanto acto criativo através da palavra. ignorância ignóbil da morte. e átomos crepusculares como forma de arder dentro da memória: é o canto fremente do pensamento: o corpo dentro da sua luminosidade. o texto, como o corpo, em delírio. um delírio tardio num universo vitalista. a voz dentro do corpo como um deus: uma alegria extrema dentro da própria morte.
1.
é a tua língua vácua e magnânime
que me devora a surdez
e a imagem da música é a geometria do teu corpo
em forma de útero apressado:
é o corpo desértico de deus
onde me recolho ressuscitado
uma dor humana num mundo inacabado
à espera de uma palavra
e vivo dentro da minha alucinação:
dentro de mim a metáfora da minha
própria morte:
imagens excessivas
pelo medo do mundo
a escrita como uma doença do corpo
sem deus sem nome sem rosto
a solidão absoluta das palavras:
escrever:
e o corpo rodeado de espectros
2.
as mães rejubilam dentro da dor dos filhos
porque a dor dos filhos é uma dor interminável:
e as mães desconhecem a morte brilhante dos filhos
guardam flores no lugar do ventre
cargas explosivas de fotões
e a luz metamorfoseante dos enigmas
e o teu ventre adormecido
mãe
e o teu ventre cosido por eternas linhas vivas
lugar onde adormecem ígneas magnólias
em forma de flores
3.
expectante na sua condição animal esperava a presa
o seu corpo tilintava turbulento:
leão tornado criança
memória incipiente de cheiro a animais mortos:
funéreo
casulos onde escondem o corpo deformado:
antigas criptas onde depositavam o silêncio
e o sangue da terra
um sítio vivo
um axioma em forma de labirinto
palavras em forma de ofício
e guardávamos as canções nos cemitérios vazios
como se tudo se re-inventasse
numa obsessão crónica
para a remissão de todos os pecados
e o teu corpo febril sobre a superfície das águas
crepúsculo nocturno
e, depois, hermeticamente lias-te
numa espécie de visão aterradora do mundo
trazias nas mãos os filhos para o extermínio do sangue
como objectos extensíveis, incorpóreos:
era a morte como algo teúrgico
matéria primitiva em forma de grafemas
numa litania de profundas insónias
o olhar no espelho num reflexo impróprio
o corpo desterrado
eliptico
vulnerável
como um punhal que se ergue sem demora
na direcção engenhosa do teu ventre:
presságio habitável na superfície do poema
e a tua morte embalada dentro das palavras
4.
o teu corpo enquanto construção fotográfica
imagem onde planam seres neutrais
para te re-criarem em forma de voz
gramaticalmente perfeita
palavras em forma de dores dentro da garganta
regresso a ti
mãe
porque o corpo não aguenta a tua solidão
5.
um relâmpago como forma primitiva de iluminação do mundo
cadência ancestral das formas hibridas:
homens em forma de animais
para serem devorados
na extensível ingenuidade das flores:
o labiríntico respirar das magnólias no inverno
e o teu corpo como sinónimo de morte
regressas, então, para arder:
o teu peito amadurecido
o teu corpo esculpido em pedra
para que se mostre a verdade do mundo:
palavras em forma de silêncio
a inércia do teu ventre e a dor de parir
sóbrias naturezas mortas:
lugares de engano
6.
agora tenho o corpo rodeado de bichos
sinal de coisas mortas:
sugam-me o sangue
como forma de alimento
e regenero-me nas feridas:
a magia da electricidade
à minha volta uma mulher rodopia
numa dança sem sentido
7.
suspende o vestido e o corpo
sobre os pregos da parede
tacteia as zonas apodrecidas e férteis
para que lhe seja depositado o entulho do mundo
as minhas mãos cobrem-te o rosto
como se se tratasse de um reza longínqua
e neste murmúrio ancestral
construímos os discursos delirantes da nossa verdade
a insónia é, então, o pensamento do mundo
um pensamento perplexo que se expõe demoradamente
sobre as coisas ou categorização dos demónios
na boca mastigamos pequenos vocábulos em forma de treva
como se fosse uma doença
8.
velhos morriam demoradamente sobre o outono
e fechavam-se dentro do sepulcro de sua casa:
um oráculo de memórias
onde os dedos sustêm o sangue dentro das veias
a compreensão da vida:
o remorso dentro do corpo da mulher
e a tentativa inócua de adormecer os afectos
era a condenação de quem arranca os olhos para não chorar
os corpos reconhecem-se dentro do prazer
e ainda assim morrem
o teu coração é como uma ferida:
aprendizagem da morte:
um silêncio ensimesmado
equinócio de uma outra estação
eu nasci num tempo em que ninguém estava vivo
para poder amar
9.
uma boca contra a outra
como forma de respiração:
estremecem os sexos opostos:
mulheres ininterruptas
reverberam o corpo contra o espanto da imagem
numa forma quase invisível de demência
uma mistura de diferentes densidades:
a mão sobre a escuridão do livro
uma sabedoria antiga em forma de máscaras.
a beleza irreal das vozes
que atravessam tresloucadas
os tímpanos da memória:
o milagre da salvação
inscrito no silêncio
10.
o corpo cansado sobre a cama
pleno na sua dor
fora do espaço da morte uma chuva perfurante
aproxima-se sobre a noite
à volta do corpo cantam pessoas:
melodias funéreas na urgência das vozes
como se se tratasse de um metal perfurante
uma pedra silenciosa
presa na garganta
cantam secretamente os ensinamentos de deus:
sangue que corria a vida inteira
fora do corpo:
é o supremo da morte
11.
não morrem as crianças porque têm um sorriso
que estremece nas mães
criam palavras e formas abstractas de falar
que só as mais puras mães entendem
seres criadores de loucura
que curvam o corpo perante a ausência de deus
seres terríficos de olhar abrupto
e a morte escrita a sangue
no menstruo da mãe
12.
a regeneração da língua viva, limítrofe,
e os gritos sufocados e ásperos
na simbologia do corpo:
martelam corpos no âmago da carne
o corpo martela-se a si próprio
esmagando-se
o teu corpo gritava sobre a paisagem da casa:
uma linha de memória estranha
num percurso geometricamente desordenado
para dentro do corpo
e o teu corpo parado
como se de um útero delirante se tratasse
e ao fundo do corredor de casa
o espaço habitado por artérias densas
que absorviam o percurso da própria morte
na parede o crucifixo que nos olha
em compaixão suprema
13.
um ferro cravado nos ossos
esmagados contra a carne:
podíamos morrer assim?
em agonia
sem dedos para contar as verdades:
um milagre que se não vê
o teu corpo trágico
o teu corpo ensanguentado
onde cresce um incêndio vulcânico
sobre as cicatrizes:
é a tua voz surda a olhar a morte:
indómita
interminável
14.
PIETÁ
na tua essência de pedra
tens nos braços um filho
que te já não pertence:
é ele a dor única
e concentrada
do mundo inteiro
15.
as mãos centripetamente côncavas guardam o rosto
as mãos escondem o rosto das mães alucinadas
a mãe louca não tem palavras
vive numa ignorância inexplicável
solta apenas sons fulgurantes
para respirar até à morte
e os filhos sustentam as mães
numa fuga para dentro do seu ventre
e guardam-se do mundo
para que o sofrimento lhes habite o corpo
16.
não recordo a tua morte
porque ainda estava vivo:
os olhos dentro das suas órbitas fulminantes
elipses imóveis
dentro das cavidades
como se fossem metáforas liquidas
de determinados vocábulos enfáticos
que sangram dentro da boca
numa densidade magnética:
era o início da poesia
17.
as tuas mãos como sinal de repouso do mundo
da tua morte nascem, agora, coisas vivas:
uma morte primaveril
onde nascem invernos desvairados
e vêm mães nos seus corpos doentes
dar de comer aos filhos
e deus embriagado da sua lucidez
mantém o silêncio
de quem não fala:
é o arrependimento da criação
18.
da terra nascem plenas flores mortas
não sobrevivem ao sangue puro das mães
mães ensanguentadas pela criação:
porque é do corpo das mães
que se alimentam os filhos
as coisas complexas morrem num movimento mecânico
anacronismo de coisas velhas
onde libertas o corpo do sufoco violento
e as mães das mães embalam metafisicamente
o sofrimento dos filhos
um movimento silencioso dos corpos
anuncia um equinócio tardio:
a morte como saciação da fome
um processo alquímico
sem violência
um método antigo de construção de religiões
puras abstractas
onde os deuses se devoram na ferocidade
do seu apetite sexual:
é o processo delirante da construção do mundo
19.
as mães inspiram atónitas flores mortas
sobre as cabeças os filhos pensam
como se flutuassem
novamente para dentro dos ventres:
naturezas mortas
geometricamente dispostas sobre a terra
o ventre é o resguardo
lugar solitário
do alimento das crianças:
milagre insólito
era um lugar inóspito dentro da minha cabeça
e dentro do silêncio da minha cabeça
eu enlouquecia para dentro de mim próprio
como se fosse louco
e construía espaços plenos de palavras
em carne viva
a minha morte era uma morte violenta
uma fábula:
o corpo rodeado de animais cantantes comovidos
e mulheres magnanimes
suportadas por perfeitas magnólias
a rezar
20.
mãe
tudo em ti era silêncio
mãe
por ti cai a menstruação do mundo
águas mortas onde bocas comem:
talvez os deuses se alimentem de ti
e canta monstruosa
numa força ígnea:
chaga
que marca o início do mesmo
que se repete a cada dança
deslumbramento sólido e durável
dentro da irrefutabilidade:
inépcia e solidão
e a cabeça pendurada sobre um corpo
exercício pungente do pensamento:
uma espécie de imagem do fim do mundo
21.
deus:
como uma garganta onde arde o silêncio
o corpo extasiado imenso corruptível
de gestos abertos pela força dos relâmpagos
e do ritmo incessante das mãos
sombras inconsequentes sem forma
percorrem indefinidamente o murmúrio
das palavras nas folhas plenas
para que da fome nasça o poema
22.
mãe:
o teu corpo escondido dentro do meu:
imagem de terror
pela força da violência de deus
as mães têm braços como árvores
e soltam uma luminosidade
em forma de fogo
por dentro das palavras
que escorrem no sangue dentro da boca
dão de beber aos filhos
e adoecem
apodrece-lhes a carne para morrer
na promessa dos braços da mãe
o teu nome na palavra tocado em forma de música
contornos de um poema escrito na pedra
que suporta a vida em silêncio
sobre a mesa folhas e riscos que denunciam construções
em forma de labirintos
ofício oficina
onde esculpimos as palavras, a medo, em forma de poema
cresce o poema dentro da própria vida
como uma doença cresce no corpo
as mãos e os pés descalços sobre a terra
como um grito alucinante
para que germine a criação:
palavras em forma de vozes
uma flor em forma de palavras
e a dor exacta do teu ventre
e o meu amor dentro de ti:
um anjo que peca dentro da tua divindade
e vivo dentro da minha ignorância
rodeado de coisas inúteis de sabedoria
e sou o lugar inóspito da morte
um ser ígneo incendiário
e a minha força dentro do medo
um corpo inflamável que se move
por dentro em forma de respiração
palavras dentro do poema
numa mudança plena inesgotável
pequenas metamorfoses metafóricas
adjectivos no meio dos nomes e
plenos substantivos inócuos
para se dizer uma outra coisa
sem pontuação
memória plena em movimento
uma flor era o verbo
lugar onde encarnam as palavras:
esmagamos as pétalas
tal qual as sílabas do poema:
e é o nosso corpo que se esmaga contra si próprio
para que do sangue nasçam profundas palavras novas
próximas do teu ventre que ainda sangra
23.
sobre este lugar havemos de construir uma casa
cheia de palavras plena de silêncios
nestas paredes velhas da infância
erguer-se-á o poema
por dentro do corpo em carne viva
o teu corpo era a rebentação da minha respiração
como um archote que queimasse o sepulcro vazio:
uma purificação absoluta na morte de todas as noites
sal grosso para limpar as feridas do corpo incendiado
e os braços de uma mãe a rodearem-nos dentro da nossa própria morte
e o corpo abre-se a uma estranha melodia desconexa:
é uma dança de solidão
24.
«enigma»
de que morrem os deuses?
qual a sua língua? e do que falam?
têm vida dentro de si?
e sentem?
têm memória? e esquecimento?
e depois do homem? haverá deuses?
25.
o silêncio dentro do silêncio é a morte
o teu corpo horizontalmente em decomposição
uma imagem magnética carregada de flores
corpos a devorar outros corpos
imagens de terror irradiando alucinações
26.
as mães selam as veias com sangue
para silenciar a dor dos filhos
uma menstruação dolorosa
para esconder a insignificância do mundo
e falam numa forma de música acabada
mães de corpo incendiário
dormem de ventre aberto
para adormecer a dor dos filhos
e a criança rasga o mundo para se tornar leão
e olha o espelho em passo galopante
sem máscara
terrífico inerte
na morte de si mesmo
27.
o corpo reprodutivo adormece com estrondo contra a ossatura
as flores da noite dentro da garganta e do grito
na boca surda um emaranhado de areia
palavras minúsculas e luzes indecisas entram em convalescença
para que se crie o poema:
universo sem substância que sobrevive
na lucidez desumana de deus
28.
AUTO-RETRATO POSSÍVEL
nasci de forma inocente como uma flor
do ventre morto de minha mãe nasci num silêncio fúnebre
sem gritos
para atravessar devagar a vida
uma carne amedrontada
como a imagem desfocada do espelho
na loucura imensa em que me tornei:
uma embriaguez de enormes labirintos
agora guardo em mim seres imóveis em forma de espectros
mausoléus e as línguas mortas do mundo
depois solto plenos seres em forma de aves
para que espalhem inocentemente a morte
29.
que ardam ensanguentados os livros sobre a máscara do teu riso
e da cinza se ergam palavras sagradas e beijos amaldiçoados
como quem apodrece
dos olhos do homem cai sangue morto
ajoellhado na cruz sobre a sua ruína
a mão asfixia as palavras como rosas concêntricas
rosas dementes
de onde nascem criaturas intermináveis
sem esquecimento nem morte
e abrem-se portas ígneas no ventre
e esperas sozinha a morte
e contemplas a face inversa do espelho
e corpos estranhos adormecem no regaço das mães
os lábios acariciam bocas mortas
para que da cinza nasçam misteriosas flores
que se mutilam em silêncio
à espera de uma outra coisa:
um deus em forma de suicídio
30.
corpos terríficos de angélicas virtudes guardam flores
como quem guarda a própria morte
corpos alucinados sorriem dentro da sua devastação
mulheres de pé desdobram-se para adormecer:
cadáveres rítmicos e luminosos
guiam-nos por entre o que resta da linguagem do mundo
as mãos dentro da loucura como campânulas acesas
devoram a carne durante o poema:
sufocado por violentas lâmpadas
que escurecem a língua à minha volta
e depois a boca de minha mãe para me alimentar de palavras
com suas mãos de pétalas analfabetas:
são a morte intolerável do poema
o poema enquanto demência do corpo
31.
a língua era a construção de uma elegia antiga
símbolo do rigor geométrico da criação matemática do mundo:
deus na sua ordenação perfeita
depois da criação: a ausência
e esperamos que o inaudito
nos liberte do silêncio da cruz
e nos possa entregar incessantemente
ao nosso desespero
32.
invernos de frio e de silêncio
e a voz de minha mãe a chamar-me
e a minha cabeça fulminava entre correrias
do cemitério para casa
minha mãe estava em nós
como uma constelação paciente que sangrava a nossa dor
minha mãe procurava ensinar-me
e eu não serei capaz nunca de aprender
e no teu ofício rigoroso mostras-me
e eu não serei nunca capaz de fazer
as mãos doentes sobres os pedaços das palavras
para a transformação do ouro
e ao menos se eu pudesse um poema perfeito
dentro da tua sabedoria mãe
33.
na rua da minha infância não há memória:
as casas foram destruídas por enormes máquinas predadoras
o barro do chão foi substituído
por pedras geometricamente ordenadas
no lugar da minha casa
continua o rosto de minha mãe
na espera infinita da crença
de que nenhuma morte seja verdade
34.
a língua assume o movimento do corpo
recrudesce e ilumina-se
profunda como uma sombra
a língua ilucida a inércia do mundo:
lugar solitário
ou indiferença que seduz o verbo
antes do acaso do início:
enigma da força terrífica de deus
talvez a noite do mundo seja a explicação da morte de deus
a palavra dentro do medo da noite
como animais primitivos sem respiração
abruptos na sua língua única:
o medo dentro da beleza
talvez a noite do mundo seja a explicação da morte de deus
o corpo era doença
pura metafísica sensual
e da boca resplandecem ignóbeis criaturas
em forma de palavras
a casa é o espaço endémico onde guardámos os segredos
coisas distantes e profundamente esquecidas
pequenos silêncios dentro dos gestos
evidências unívocas da infância
onde animais vagueiam desenhando palavras nocturnas
que se escondem oxidadas no sémem que perfura
numa dança delirante a construção metafísica do mundo
talvez a noite do mundo seja a explicação da morte de deus
tudo principia dentro de tudo
e os filhos incendeiam as mães
para lhes roubarem os corações
à noite depositam o coração sobre placas giratórias
para construir numa lenta combustão felizes magnólias
na epiderme dos seios alimentícios
abismo fugaz:
mostra-se o feminino de deus
que sem voz prolonga a transparência do corpo
refunda a dor do parto:
pasmo sobre si mesmo e negridão abstracta
que resiste à criação de si mesmo
o lugar solitário da criação
ajusta-se à análise das palavras:
coisas em forma de seres:
obstáculos incendiários
e as mãos postas em silêncio iniciam a reza do mundo
as mães defuntas pedem perdão dentro das suas sepulturas
no interior do seu ventre há ainda alimento:
é o corpo em decomposição
talvez a noite do mundo seja a explicação da morte de deus
e já não há metástases ou aneurismas
já não se dá no teu corpo a trajectória da ciência
assim era depositado o teu corpo sobre a morte
num buraco silenciosamente aberto com precisão
para que a poeira dos deuses te guarde
e eu possa escrever em forma de palavras a tua escatologia
35.
tens o corpo tombado, inerte, sobre as flores
o eco de uma outra língua
esquecida no seu passado
quando cristo chegou estavas morto
o rosto desfigurado pela verdade
e na noite devota não há luz que se mostre
depois as palavras da ressurreição:
e estavas novamente pronto para o sofrimento
36.
HETERO-RETRATO
ao professor Levi Malho
no início era o caos:
a voz negra e entorpecida dos deuses:
era o simulacro do mundo.
da força terrífica da criação nascia a deusa: gaia de seu nome.
depois o humano: o logos
e a tentativa de tudo compreender
o terrível deserto de tórridas areias
e a solidão para a construção
dos irresolúveis enigmas do mundo.
o deserto e a loucura da filosofia
o cosmos enunciado num princípio entrópico
e o universo abarcado por leis explicativas:
tentativas neguentrópicas.
e uma voz pura sábia
capaz de atravessar os tímpanos
para nos libertar do princípio da ignorância.